Em anteprojeto de lei, OAB rejeita função vinculante do filtro da relevância no STJ
Danilo Vital
11 de abril de 2024
O Conselho Federal da OAB enviou nesta quinta-feira (11/4) um anteprojeto de lei ao Congresso Nacional propondo a regulamentação do filtro da relevância do Superior Tribunal de Justiça sem a previsão de vinculação das decisões tomadas nessa sistemática.
STJ aguarda regulamentação para colocar filtro em funcionamento
O filtro foi criado em 2022 pela Emenda Constitucional 125. O STJ só vai julgar as questões federais que as partes comprovem ser relevantes, o que deve ser suficiente para reduzir de 30% a 40% do número excessivo de processos que chegam ao tribunal anualmente.
A EC 125/2022 ainda define causas de relevância presumida que passarão direto pelo filtro: ações penais; ações de improbidade administrativa; ações cujo valor ultrapasse 500 salários mínimos; ações que possam gerar inelegibilidade; e ações que possam contrariar a jurisprudência do STJ.
Por decisão do próprio STJ, o filtro só será colocado em prática após o Congresso editar lei de regulamentação. É preciso definir, por exemplo, o que exatamente é a relevância da questão de direito federal, além de aspectos funcionais.
Em dezembro de 2022, o tribunal enviou ao Congresso um anteprojeto com algumas sugestões, dentre as quais está a previsão de que as decisões tomadas serão vinculantes. Ou seja, uma vez fixadas, terão que ser obedecidas pelas instâncias ordinárias.
A ideia apresentada foi incluir o acórdão proferido em julgamento de recurso especial submetido ao regime da relevância no artigo 927 do Código de Processo Civil, que elenca os tipos de decisão que vinculam juízes e tribunais de segunda instância.
Na proposta preparada pela OAB, não há qualquer previsão nesse sentido. Essa é a principal diferença no tratamento do tema dado em ambos os anteprojetos.
Justificativa
Na justificativa do anteprojeto, assinada pelos advogados Nabor Bulhões, Marcus Vinícios Coêlho e Marcelo Ribeiro H. de Oliveira, a OAB aponta que o filtro da relevância não pode ser tratado de forma equiparada à repercussão geral, instituída no Supremo Tribunal Federal.
No STF, os recursos que a corte conclui não ter repercussão geral não são analisados. Neles, a última palavra fica a cargo dos demais tribunais brasileiros, a depender da competência para julgamento no caso concreto.
Vincular as decisões do STJ tomadas sob o critério da relevância, segundo a Ordem, vai levar a um engessamento total do sistema de controle da legislação federal. Aponta ainda que o STJ não tem autorização constitucional para se tornar um tribunal apenas de teses vinculantes.
Esse risco do requisito da relevância para o modelo federativo brasileiro foi abordado em entrevista do advogado José Miguel Garcia Medina à revista eletrônica Consultor Jurídico, publicada em agosto de 2023.
A justificativa do anteprojeto ainda alerta que o efeito vinculante dos julgamentos sob o critério da relevância ainda levaria a uma absorção do legítimo instrumento que o STJ possui para uniformizar a jurisprudência: os recursos repetitivos.
Para a OAB, o filtro da relevância é mais um fator útil no gerenciamento do volumoso acervo de processos. É um requisito de admissibilidade. A Ordem alertou, ainda, que a EC 125/2022 não criou um novo recurso especial nem alterou as funções tradicionais atribuídas ao STJ.
Quando o Conselho Pleno aprovou o anteprojeto, o relator, Pedro Miranda de Oliveira, destacou que vincular as decisões tomadas sob o critério da relevância significaria deixar os tribunais locais demasiadamente restritos na interpretação das leis ordinárias.
“Isso seria muito prejudicial para o sistema jurídico, pois não haverá o necessário amadurecimento de teses, que só ocorre com os debates jurídicos fomentados pela Advocacia nos tribunais nos casos concretos levados a julgamento.”
Se o problema é a sobrecarga de trabalho, a justificativa ao anteprojeto cita que não se pode descartar a possibilidade de ampliar a composição do STJ, atualmente com 33 ministros. Ou mesmo a redefinição de suas competências originárias e recursais ordinárias.
O que é relevância?
No mais, o anteprojeto é bastante semelhante à proposta enviada ao Congresso Nacional pelo STJ. A OAB define que são questões relevantes aquelas do ponto de vista econômico, político, social, ambiental ou jurídico.
Há previsão de que essa relevância seja arguida em um tópico específico e separado no recurso. A OAB poderia, mas decidiu não sugerir novas causas de relevância presumida no anteprojeto.
Não há expectativa sobre quando o Congresso vai se debruçar sobre o tema, embora o STJ, institucionalmente, mantenha o assunto em pauta sempre que possível.
Na noite de quarta-feira, na cerimônia de celebração dos 35 anos do tribunal, a ministra presidente Maria Thereza de Assis Moura citou os desafios enfrentados e a importância de regulamentar com rapidez o filtro da relevância.
“Esperamos, acima de tudo, que o futuro traga ao STJ a oportunidade de seguir atuando de maneira íntegra, cada vez com mais qualidade, rapidez e eficiência, na sua missão de distribuir justiça e consagrar direitos – especialmente para aqueles que mais precisam”.
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.