A decisão do Supremo ocasionará a redução da arrecadação dos municípios que adotaram esse procedimento.
O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu em sessão virtual finalizada no dia 27 de fevereiro que é incompatível com a Constituição Federal a exigência de cadastro em órgão da administração municipal de empresas prestadoras de serviços não estabelecidas no território do município e imposição ao tomador de efetuar a retenção do Imposto sobre Serviços (ISS) quando descumprida tal obrigação acessória.
O julgamento sob a égide da repercussão geral do Recurso Extraordinário (RE) 1167509, invocado como leading case, analisou a inconstitucionalidade do artigo 9º, caput e parágrafo 2º, da Lei municipal nº 13.701, de 2003, que atribuiu ao tomador de serviços paulistano a responsabilidade pela retenção e recolhimento do ISS. A decisão abre importante precedente em relação à normas semelhantes que existem em mais de 70 municípios com denominações diferentes (Cpom, Cepom, Cene, Danfom, Anfom, Danfs-e, DSR, Ranfs), e idêntico objetivo, qual seja, a redução das perdas provocadas pela guerra fiscal, que estimulam o deslocamento de empresas.
A decisão do STF ocasionará a redução da arrecadação dos municípios que adotaram esse procedimento.
Essas normas propagaram-se no auge da guerra fiscal, onde os incentivos concedidos por municípios economicamente menores, proporcionavam uma redução significativa do ISS, por meio da aplicação de alíquotas menores, além do fato de que até 2016 eram concedidas reduções de base de cálculo de forma concomitante, que resultavam indiretamente, em carga tributária menor que a alíquota mínima estabelecida pela Lei Complementar nº 116/2003 (2%), situação expressamente vedada a partir da publicação da Lei complementar nº 157/2016, que reputa como nula qualquer lei que proporcione estas benesses tributárias.
Ao reconhecer repercussão geral, o STF vincula os órgãos do Poder Judiciário, os quais se direcionam de acordo com o entendimento da Suprema Corte, não vinculando a administração pública, permanecendo as normas inalteradas até que sejam revogadas expressamente, ou seja, para que os efeitos pretendidos sejam observados no curto prazo haverá a necessidade de ajuizamento de ações judiciais. Os efeitos da decisão ainda não foram modulados, e desta forma a inconstitucionalidade permite aos contribuintes que sofreram a retenção pleitear a restituição dos valores recolhidos.
A obrigação julgada inconstitucional ocasiona em muitos casos efeito contrário ao pretendido com o deslocamento de empresas que não possuem o cadastro. A economia tributária pretendida acaba se transformando em aumento da carga tributária, uma vez que o tomador de serviços é obrigado a efetuar a retenção do ISS, para ilidir a responsabilidade tributária, permanecendo o prestador obrigado a recolher o mesmo tributo, incidente sobre o mesmo fato gerador, para o município do local do estabelecimento, o qual é o sujeito ativo da obrigação tributária.
A ausência do cadastro não decorre apenas da inércia das empresas, as quais se deparam com dificuldades criadas para a sua obtenção mediante exigências, como a apresentação das faturas de energia elétrica e serviços de telefonia do último semestre, constando o endereço, fotografias com imagens das instalações internas e fachada frontal, além da desqualificação de documentos fiscais autorizados por outros municípios. Em muitos casos a questão é solucionada com ações judiciais onde se busca obrigar o município a efetuar o cadastro.
É sabido que em muitos casos empresas extrapolam os limites da elisão tributária, situações em que embora esteja formalmente registrada em um município, na essência a prestação do serviço ocorre em outro território, evidenciando clara simulação. Cabe destacar que a Lei Complementar nº 116/2003 define o estabelecimento do prestador como o local onde a prestação de serviços é desenvolvida, sendo irrelevantes para caracterizá-lo quaisquer outras denominações, tais como filial, agência ou escritório de representação.
A decisão do STF ocasionará a redução da arrecadação dos municípios que adotaram esse procedimento, exigindo a reformulação da obrigação tributária, talvez para o simples fornecimento de informações, objetivando intensificar as atividades de fiscalização, no intuito de identificar onde o fato gerador foi praticado. Contudo, a decisão de forma alguma referenda planejamentos tributários abusivos, pois embora a obrigação acessória tenha sido declarada inconstitucional, a mesma não impede que municípios constituam créditos tributários, se restar evidenciado que o fato gerador da obrigação tributária, a prestação dos serviços, foi praticada em seu território, não importando que o tributo já tenha sido recolhido a outro sujeito ativo, desde que comprovado a prática de simulação.
Não basta a empresa ter seus atos constitutivos e documentos fiscais registrados em outro município com carga tributária menos onerosa. Para que o planejamento tributário seja reputado como válido é essencial que a prestação de serviços seja realizada naquela localidade. Frise-se que as atividades de planejamento tributário devem ser realizadas antes da ocorrência do fato gerador e amparadas na licitude e legitimidade dos atos.
Diante do exposto, a declaração de inconstitucionalidade do Cpom não pôs fim à bitributação do ISS, apenas amparou empresas que eram prejudicadas pelas dificuldades em realizar o cadastramento. A evidenciação de prática de simulação terá o mesmo efeito da norma atacada, obrigando o contribuinte a recolher o tributo para o município em que o serviço foi prestado, ainda que já tenha recolhido ao município que autorizou a emissão dos documentos fiscais.
Fonte: Valor Econômico – Por Flavio Luis Vieira Souza, 30 de abril de 2021
Flavio Luis Vieira Souza é mestre em Economia Empresarial e professor de cursos de graduação e pós-graduação em Contabilidade Tributária.