Transcorridos 17 anos da publicação da Lei Complementar nº 104/2001, que acrescentou ao Código Tributário Nacional (CTN) a possibilidade de dação em pagamento de bens imóveis como forma de extinção de créditos tributários, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) publicou a Portaria nº 32/2018, destinada a regulamentar a questão.
A Lei nº 13.259/2016 já havia estabelecido algumas condições para esta modalidade específica de dação em pagamento. Segundo determina a lei, poderiam ser extintos por essa via unicamente os créditos tributários inscritos em dívida ativa da União, excluindo-se as empresas optantes pelo Simples Nacional. No que tange aos imóveis aptos a saldar a dívida, a lei exigiu que estes bens estivessem livres e desembaraçados de quaisquer ônus, devendo ser submetido à avaliação prévia.
A lei determinou também que a dação em pagamento deveria abranger a totalidade da dívida, sem descontos, podendo o devedor complementar em dinheiro eventual diferença, caso o valor do bem ofertado fosse inferior ao valor total do crédito.
A Portaria PGFN 32/2018 acabou por impor uma série de exigências onerosas e até mesmo alarmantes ao contribuinte
A portaria publicada pela PGFN acabou por restringir ainda mais essa modalidade de extinção de créditos. A norma determina que o laudo de avaliação do bem imóvel deverá ser emitido por instituição financeira oficial ou pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Os custos da avaliação correm por conta do interessado.
A norma mantém a possibilidade de complementação em dinheiro, pelo devedor, de eventual diferença entre o valor total da dívida e o valor do bem. Entretanto, caso o valor apurado supere o montante da dívida, a aceitação do imóvel ficará condicionada à renúncia expressa, por parte do proprietário, de qualquer ressarcimento do valor a maior. Nesse ponto, a norma pode ensejar enriquecimento ilícito por parte da União.
Ademais, além de exigir que o bem imóvel indicado pelo devedor esteja livre e desembaraçado de quaisquer ônus, a portaria prevê a possibilidade de que a Administração Pública se recuse a aceitar o bem, caso entenda se tratar de imóvel de “difícil alienação, inservíveis ou que não atendam aos critérios de necessidade, utilidade e conveniência”. Todos esses critérios a serem aferidos pela União, ainda que nitidamente abstratos e genéricos, desprovidos de qualquer parâmetro objetivo.
Após preencher os diversos requisitos necessários, o devedor deverá formalizar sua intenção junto à unidade da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de seu domicílio, instruindo o requerimento com certidão de quitação do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) ou do Imposto Territorial Rural (ITR), da Taxa de Limpeza Pública, de energia elétrica, de água e esgoto, despesas condominiais e demais encargos incidentes sobre o imóvel.
Uma vez atendidos todos os requisitos formais indicados, a Portaria prevê que a PGFN deverá emitir manifestação quanto à conveniência e oportunidade da dação em pagamento do bem imóvel e, em caso de manifestação favorável, o processo administrativo é encaminhado à Coordenação-Geral de Estratégias de Recuperação de Crédito (CGR/PGFN), que também deverá apreciá-lo.
O processo deverá ainda ser encaminhado à Secretaria de Patrimônio da União e, caso esta entenda viável, a CGR/PGFN emite parecer quanto à aceitação da dação em pagamento.
A norma prevê também qual o procedimento a ser adotado caso o débito que se pretende extinguir se encontre em discussão judicial. Nessas hipóteses, para que a possibilidade de dação em pagamento seja sequer considerada, o devedor e o corresponsável pela dívida deverão desistir das ações judiciais em trâmite. Ressalva-se, entretanto, que o pagamento das custas e despesas processuais permanece a cargo do devedor.
Importa destacar que a proposta de dação em pagamento não surtirá qualquer efeito em relação aos débitos em discussão até que a União formalize sua aceitação final, sendo facultado a ela, inclusive, cancelar a aceitação, bem como seus efeitos, caso o imóvel não seja, por qualquer motivo, incorporado ao patrimônio público. Nesse cenário, cabe indagar qual o destino reservado às ações judiciais em relação às quais o devedor já emitiu renúncia e desistência expressas, caso a aceitação inicialmente emitida pela União venha a ser desfeita. Nesse aspecto, a norma, até então minuciosamente detalhada, silencia.
Se a intenção da Portaria PGFN nº 32/2018 era regulamentar a possibilidade de extinção de débitos tributários por meio da dação em pagamento, acabou-se por impor uma série de exigências onerosas e até mesmo alarmantes ao contribuinte. Com uma série de requisitos burocráticos e valendo-se de critérios abstratos e genéricos de avaliação dos bens ofertados, o caminho a ser percorrido para tornar efetiva a dação em pagamento e finalmente extinguir o débito parece pouco convidativo.
Por Mariana Gmach Philippi e Sandra Barbon Lewis
Mariana Gmach Philippi e Sandra Aparecida Barbon Lewis são, respectivamente, mestranda em direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná e advogada e consultora no S. B. Lewis; doutora em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e sócia fundadora do escritório S. B. Lewis.
Fonte : Valor – 14/05/2018