Antes de autuar, a Fazenda Nacional tem inscrito diretamente na dívida ativa da União contribuintes que retiraram o ICMS destacado em nota fiscal do PIS e da Cofins, e não o efetivamente pago. Com a cobrança da diferença, empresas que já têm em mãos decisão judicial final para excluir o imposto estadual do cálculo das contribuições estão voltando ao Judiciário.
Aos casos, está sendo aplicada a Solução de Consulta nº 13, da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal, segundo a qual deve ser retirado do PIS e da Cofins o ICMS recolhido. Para calcular os créditos e declará-los, porém, os contribuintes estão usando o que constava em nota.
No Judiciário, as empresas alegam supressão de defesa. “Por não haver um auto de infração, a empresa perde o direito de se defender na esfera administrativa”, afirma o tributarista Lucas Salvoni, do escritório Cascione Pulino Boulos Advogados. “É mais um efeito colateral da contradição de posicionamentos entre a Receita e os contribuintes que o Judiciário ainda não sanou.”
Para deixar de autuar previamente as empresas, a Fazenda Nacional baseia-se na Súmula nº 436 do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo seu texto, “a entrega de declaração pelo contribuinte reconhecendo débito fiscal constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do Fisco”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela exclusão do ICMS em 2017. Mas ainda vai julgar o recurso de embargos de declaração proposto pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para tentar limitar no tempo os efeitos da decisão. Depois disso, STF ou STJ deverão definir qual ICMS deve ser excluído do cálculo das contribuições.
Até lá, o contribuinte declara à Receita sobre a decisão judicial favorável para subtrair o ICMS. “Por meio do cruzamento de informações na DCTF e EFD [Escrituração Fiscal Digital], a Receita chega em um valor, ainda que aproximado, da diferença entre o ICMS destacado na nota fiscal e o efetivamente pago”, diz Salvoni. “Não explica ao contribuinte como calculou, mas inscreve na dívida ativa porque o valor está em desacordo com a Solução de Consulta 13”, acrescenta.
Pelo menos uma empresa que é cliente do Cascione Pulino Boulos Advogados já entrou com ação anulatória na Justiça para tentar desconstituir a dívida ativa, segundo Rafael Vega, também tributarista do escritório. “Recomendamos discutir no Judiciário para que seja definido se a Solução de Consulta Cosit n° 13 é válida”, afirma o advogado.
Outra alternativa, diz Vega, é a empresa pedir para ser autuada. “Se ela opta por entrar com ação judicial, é incluída na conta uma multa de mora de 20% e há a necessidade de apresentar depósito do valor em discussão para se defender”, afirma. “Se houver uma autuação fiscal, a multa incluída no processo administrativo é de 75%, mas não será preciso fazer depósito e levará anos até uma definição do Judiciário.”
A advogada Daniella Zagari, tributarista do Machado Meyer Advogados, acreditava que haveria o risco de sofrer uma autuação fiscal. “Mas a Receita Federal se superou e fez uma interpretação absurda”, diz. Há mais de cinco casos a respeito na banca.
A advogada tem entrado na Justiça com mandados de segurança, antes da execução fiscal, porque, segundo ela, conseguindo liminar a empresa não precisa oferecer garantia. O objetivo é suspender a inscrição em dívida ativa e, ao final, cancelar. “Este é mais um mecanismo de pressão para tentar fazer com que as empresas evitem usar o ICMS destacado na nota fiscal para aplicar a decisão judicial. Parece uma espécie de retaliação”, afirma.
Para a tributarista do Demarest Almeida, Priscila Faricelli, com a medida o Fisco não permite ao contribuinte questionar o cálculo realizado. Na banca, também há ao menos cinco casos similares em andamento. “Como a Solução de Consulta 13 é da Cosit os agentes fiscais são obrigados a aplicar. Mas, no mínimo, deveriam discutir o cálculo do valor cobrado porque vemos inclusive erro de cálculo”, diz.
Alguns clientes do Demarest decidiram entrar com mandado de segurança para tentar evitar uma cobrança. “Outros preferem aguardar a execução fiscal para só então contestar a inscrição, com base nos votos do julgamento do STF e do Tribunal Regional Federal [TRF] da 3ª Região [SP e MS]”, afirma. “No TRF em São Paulo todos os acórdãos já proferidos sobre o cálculo são favoráveis aos contribuintes.”
No Pinheiro Neto Advogados, a situação não é diferente e alcança empresas de segmentos variados como farmacêutico, de supermercados e tecnologia. “Nossa orientação é entrar em juízo para parar tudo, por meio de um mandado de segurança contra a inscrição na dívida ativa, até o STF deliberar sobre os embargos da PGFN”, diz o sócio Luiz Roberto Peroba. O tributarista lembra que o próprio TRF em São Paulo passou a decidir que é preciso esperar o julgamento dos embargos.
A obtenção de liminar preserva o direito da empresa de continuar a excluir o ICMS destacado na nota, segundo Peroba. “No Judiciário, alegamos inexistência de liquidez e certeza pelo fato de a inscrição ter como base uma solução de consulta que viola o que a Justiça antes decidiu.”
A Receita Federal informou que não se manifestará sobre o tema.
Valor Econômico – Por Laura Ignácio, 03/12/2020.