“SUP” é a abreviatura que se dá as “Sociedades Uniprofissionais”, que são formadas por profissionais que desempenham a mesma atividade de forma pessoal e estão habilitados na mesma área de atuação. Como exemplo disso, pode-se citar os contadores, advogados, arquitetos, engenheiros, dentistas, psicólogos, etc.
Via de regra, o ISS é cobrado com base no valor do serviço prestado, no entanto, as Sociedades de Profissionais tem o direito de recolher este imposto com base no número de profissionais. Ou seja, o ISS neste caso será calculado em relação a cada profissional habilitado, e não com base no faturamento.
Essa regra diferenciada de tributação foi regulamentada pelo Decreto Lei nº 406/1968 (que tem status de lei complementar nacional). Esse Decreto não foi revogado pela legislação que regulamenta atualmente o ISS (Lei Complementar nº 116/2003), ao contrário do que muitos pensam.
Para melhor entendimento da citação acima, é importante uma breve compreensão legislativa do ISS dentro desse cenário: apesar de, atualmente, a Lei Complementar nº 116/03 ser a principal norma que rege o ISS a nível nacional, ela não é única. Isso porque, quando a LC 116 foi publicada, o legislador não revogou o art. 9º do Decreto Lei nº 406/68, artigo este que trata das regras de tributação das Sociedades Profissionais. Daí o motivo da regra diferenciada de recolhimento do ISS para essas sociedades que ficaram conhecidas como “SUPs”, pois elas têm seu regime tributário previsto justamente no mencionado artigo não revogado (art. 9º) do Decreto Lei nº 406/68.
Mas, apesar da legislação de âmbito nacional estipular o tratamento tributário para as SUPs, muitos foram os Municípios que resolveram criar regras para as Sociedades, formando, portanto, impeditivos à tributação fixa até então praticada pelas SUPs.
Um bom exemplo desse cenário é a Prefeitura de São Paulo que, por meio de obrigação acessória, estabeleceu critérios para que as sociedades continuassem ao regime diferenciado de tributação. Foi através da criação da D-SUP (Declaração das Sociedades Uniprofissionais) que a Prefeitura passou a obrigar as sociedades a declararem dados relativos às suas atividades, bem como de seus atos constitutivos. Dessa forma, quem não cumpre as regras é automaticamente excluído.
A falta de entrega da declaração acessória (D-SUP) implica no desenquadramento automático do regime especial de recolhimento das Sociedades Uniprofissionais — SUP. Da mesma forma, o sistema da D-SUP é composto por um formulário onde são apresentadas perguntas para verificar se as sociedades têm “condições” para manutenção do regime especial, dessa forma, qualquer “SIM” assinalado no formulário se faz suficiente para ocasionar o desenquadramento arbitrário por parte da Prefeitura (tendo em vista que as condições estabelecidas pelo Município foram criados por mera liberalidade, sem qualquer precedente em lei federal).
E não para por aí. Neste pacote repleto de inconstitucionalidade está a retroatividade!
No caso de contribuinte desenquadrado do regime especial de tributação para sociedades uniprofissionais, a autuação é de forma retroativa: equivalente a 5 anos sobre a diferença do ISS devido pela alíquota de 5%.
É de suma importância esclarecer que, assim como no campo penal, a retroatividade é proibida no campo tributário. A aplicação retroativa da lei tributária só é válida quando for para beneficiar o contribuinte (art. 106 do CTN), mas, de regra, a lei tributária deve ser aplicada de acordo com o princípio do “tempus regitactum” = o tempo rege o ato.
O fisco municipal vem promovendo o desenquadramento do regime especial de pagamento do ISS pelas sociedades uniprofissionais, em decorrência de novo entendimento acerca dos requisitos para a sua fruição, retroagindo os efeitos desse desenquadramento à época em que o fisco tinha entendimento observado pelo contribuinte através do Decreto 406/68.
O que se nota é um verdadeiro estratagema das prefeituras para limitar a utilização do regime especial de tributação do ISS de serviços prestados por profissionais legalmente regulamentados e por sociedades por eles formadas. Não é de hoje que as Sociedades Profissionais levam aos tribunais a discussão acerca da inconstitucionalidade da limitação ao regime diferenciado de tributação, e, finalmente, um recurso foi levado ao Supremo Tribunal Federal pela OAB do Rio Grande do Sul e os efeitos desse julgamento foi de repercussão geral. (A repercussão geral se configura no sentido de “uniformizar a interpretação constitucional sem exigir que o STF decida múltiplos casos idênticos sobre a mesma questão constitucional.” [STF]. Assim, para todos os casos idênticos a este do Rio Grande do Sul, terão o mesmo sentido decisório).
A grande questão é que as Leis Municipais, adicionaram novos critérios não previstos na Lei Complementar e, por consequência, invadiram a competência ao legislarem matéria reservada à Lei Complementar de âmbito nacional e, com base nisso, em 24/04/2019, o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário nº 940.769 assentando que é “inconstitucional lei municipal que estabelece impeditivos à submissão de sociedades profissionais de advogados ao regime de tributação fixa em bases anuais na forma estabelecida por lei nacional.”
Obviamente que a decisão mencionada não se aplica apenas às sociedades de advogados, mas também à todas as sociedades de profissionais, dentre elas, médicos, enfermeiros, veterinários, contadores, auditores, dentistas, economistas e outros. Não poderia ser diferente, pois caso a interpretação a ser dada pelos órgãos do Judiciário restrinja a aplicação do Tema nº 918/STF apenas às sociedades de advogados, estarão evidenciando o tratamento anti-isonômico às demais sociedades que se encontram exatamente na mesma situação.
Então, com isso o contribuinte volta a ter a possibilidade de recolher o ISS na modalidade Uniprofissional, perfeitamente estabelecida e inalterada no Decreto Lei nº 406/68, considerando o número de profissionais habilitados de sua sociedade. Além disso, as sociedades poderão rever quaisquer cobranças ou execuções, multas e até parcelamentos indevidos do referido imposto, os quais foram feitos sob evidente pressão (inconstitucional) dos Fiscos Municipais.
Revista Consultor Jurídico – Por Samara Fernanda Leal do Vale – 12/08/2020