A hiperconexão trouxe para os advogados papéis cada vez mais estratégicos dentro das empresas, fugindo do conceito pré-concebido de advogado litigante.
Nos últimos anos, a transformação digital fez com que a sociedade experimentasse uma mudança importante não só nas relações interpessoais, mas também nas relações de trabalho, como entre empresas e clientes.
Dentro desse novo contexto, em que as pessoas estão cada vez mais conectadas, existe um movimento que impõe uma adaptação por parte das corporações não só para uma atualização de softwares e processos, mas também para pensar em novas funções dentro do ambiente profissional.
A hiperconexão trouxe para os advogados papéis cada vez mais estratégicos dentro das empresas, fugindo do conceito de advogado litigante.
Em muitos casos, áreas até então compostas apenas por profissionais de mesma formação acadêmica se transformaram em um grande ecossistema de troca de experiências para tornar o trabalho mais eficiente, respeitando as demandas de um novo perfil de cliente que procura por celeridade, transparência e personalização no atendimento recebido. O modelo de trabalho está cada vez mais colaborativo e integrado, com foco na entrega daquilo que o cliente deseja e visando fornecer a melhor experiência possível a ele.
Na esfera jurídica, as companhias se veem com o desafio de oferecer cada vez mais agilidade e assertividade na condução dos processos. Nesse cenário, percebe-se a necessidade de solidificar a cultura do diálogo e de construir novos modelos de negócios que tenham o embasamento legal e a segurança jurídica necessários para o desenho e sustentação das empresas no curto, médio e longo prazos.
Com isso, os departamentos jurídicos passaram a automatizar atividades e a adotar tecnologias de ponta, como inteligência artificial, em diversas etapas de análises de casos. Soma-se a isso a modernização dos canais de atendimento ao cliente, para que seja possível chegar a melhores índices de desjudicialização de conflitos.
Essa tendência se materializa com o anúncio do piloto de integração das plataformas Processo Judicial Eletrônico (PJe) e Consumidor.gov.br, a partir do Acordo de Cooperação consolidado entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), através da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon).
Com o projeto, os cidadãos que tiverem processos em tramitação no PJe podem fazer uma negociação on-line, sem comprometer o andamento da ação já em curso. Essa medida permite que as empresas possam conversar diretamente com os clientes, seguindo a dinâmica já adotada no Consumidor.gov.br, e buscar acordos que possam chegar a um desfecho que atenda às particularidades de cada cliente.
Ainda que em um primeiro momento estejam contempladas apenas as ações no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região e no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), um eventual desdobramento do projeto se mostra promissor.
Segundo o relatório Justiça em Números de 2019, do CNJ, em 2018, o Poder Judiciário recebeu 20,6 milhões de casos por meios eletrônicos, o que representa 83,8% dos processos do ano. Esses dados mostram o universo com potencial para ser alcançado, abrindo diversas portas para que as companhias se consolidem como protagonistas nas tratativas diretas com os consumidores, contribuindo como aliadas para um melhor andamento e para a sustentabilidade do sistema Judiciário brasileiro.
Com essas e outras mudanças, a hiperconexão trouxe para os advogados papéis cada vez mais estratégicos dentro das empresas, fugindo do conceito pré-concebido de advogado litigante que entrega seus problemas do dia a dia de negócio das corporações com seus clientes para a solução pelo Poder Judiciário.
Esses profissionais têm se mostrado fundamentais na atuação junto às áreas de negócio para a criação de produtos, serviços e modelos comerciais – uma vez que possuem não apenas o conhecimento profundo da legalidade, mas passam a ter em mãos ainda mais insumos para trazer um novo olhar sobre as reais necessidades dos clientes.
Da mesma forma, os advogados dos escritórios jurídicos precisam encontrar novas formas de demonstrar o valor agregado de seu trabalho aos seus clientes consumidores por meio da negociação e mediação junto às corporações, trazendo benefícios reais a seus clientes e desonerando a Justiça para focar casos de real impacto na sociedade brasileira.
Essa é uma fase de adaptação, em que o grande desafio dos profissionais jurídicos está em reinventar o universo do direito que, sobretudo, tinha como um dos pilares o conhecimento e o atendimento às regras. Hoje, tornou-se fundamental que eles exerçam também o poder de criação de novas normas, pois – ainda que a tecnologia esteja disponível para contribuir para a aceleração de processos – é essencial humaniza-la e trazer mais empatia para o dia a dia de quem, direta ou indiretamente, atende ao cliente.
Valor Econômico – 5 de fevereiro de 2020
Por Leila Melo