Artigos de lei, jurisprudência e súmulas não são mais as únicas ferramentas de defesa dos advogados. Aos pedidos judiciais e contratos tradicionais vêm sendo acrescidas inovações tecnológicas, como links para gráficos e fluxogramas animados e códigos QR para acesso dos juízes a vídeos explicativos. Para a implantação dessas ferramentas, além de advogados, os departamentos jurídicos de grandes empresas passaram a contar também com designers, economistas, profissionais de marketing, engenheiros e especialistas em tecnologia.
Outras companhias optaram por terceirizar esses serviços, por meio de “lawtechs” ou “legaltechs” — startups de tecnologia para o setor jurídico. São elas ou os profissionais contratados pelos departamentos jurídicos os responsáveis pelo que se batizou de “visual law”. Prática que também passou a ser adotada pelos maiores e mais tradicionais escritórios de advocacia do país.
Para chamar a atenção dos juízes e ter mais poder de convencimento, várias das peças judiciais da Amil passaram a ter informações gráficas e virtuais. “É uma mudança completa no modelo de defesa padrão”, diz Eduardo Sampaio da Silveira Gil , diretor jurídico da operadora de plano de saúde. “Criamos uma área de legal operations [voltada à tecnologia] para os advogados focarem no trabalho jurídico e outros profissionais, como engenheiros e especialistas em gestão e informática, passarem a fazer a parte do trabalho que os advogados não fazem tão bem.”
A tecnologia também vem sendo usada pelas empresas na área de contratos. “A ponto de o documento ajudar a companhia a comprovar em juízo que todas as cláusulas de um determinado acordo estavam bem compreendidas, afastando pedidos de indenização”, afirma o advogado Bruno Feigelson, presidente da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), entidade com mais de 200 associadas.
Segundo Feigelson, por meio da “visual law” é possível dispor os argumentos jurídicos e relacioná-los aos detalhes das atividades das empresas de uma forma mais compreensível. “Agora, uma imagem vale mais do que mil palavras no direito também”, diz.
A inovação, segundo advogados, virou uma aliada para redução de custos e tornar os departamentos jurídicos mais ágeis. Startups estão aproveitando esse momento e viram na reforma trabalhista, por exemplo, uma oportunidade de investimento.
Desde que a Lei nº 13.467, de 2017, entrou em vigor, as empresas podem ser representadas na Justiça do Trabalho por prepostos que não sejam seus empregados. Assim, algumas começaram a usar um aplicativo desenvolvido pela lawtech DOC9, que passou a ter uma espécie de banco de prepostos treinados e certificados para participar de audiências.
Por meio do geolocalizador do aplicativo, é possível checar em tempo real se o contratado para representá-la está na audiência e, depois, receber um relatório detalhado do preposto. “Antigamente, eram os escritórios de advocacia que nos pediam as soluções eletrônicas para atender as empresas. Mas cada vez mais nos aproximamos das companhias”, diz Klaus Riffel, advogado e CEO da DOC9.
A mudança cultural nos departamentos jurídicos, hoje também pressionados para o cumprimento de metas, fez também os robôs evoluírem. Na Raízen, do setor de energia, um deles foi treinado para capturar nos sistemas dos tribunais as ações judiciais relacionadas às atividades da companhia e alertar o departamento jurídico assim que chegam no Judiciário. “Em vez de saber de um processo só quando a empresa é citada, o que pode demorar meses”, diz Yve Carpi de Souza, diretora jurídica do contencioso e energia.
De acordo com Yve, a ferramenta possibilita à Raízen antecipar a estratégia, seja para acordo ou para dar continuidade ao processo. “Logo que uma ação trabalhista chega lá, dependendo do prognóstico de êxito pelo histórico e tipo de demanda, em vez de carregar a ação por até quatro anos na minha base, acumulando despesas judiciais e atualização do valor em discussão, posso fechar logo um acordo. Ou ganho tempo para juntar documentação e provas para uma tese de defesa mais forte”, afirma.
No caso da Justiça do Trabalho, a correção do valor da causa é de 1% ao mês, mais a atualização monetária. “Contratamos diretamente uma lawtech para prestar este serviço. Mas desde 2017 temos a Pulse, que é uma incubadora da Raízen para criar novas tecnologias, e hoje em dia desenvolve soluções também para o jurídico”, diz a advogada.
Já na fabricante de cigarros Souza Cruz, um estagiário, advogados e a equipe de tecnologia da informação da empresa desenvolveram a chatbot “Robyn”. Ela é um programa de computação que, com inteligência artificial, tenta simular um ser humano esclarecendo dúvidas sobre contratos, suas cláusulas e políticas da empresa a funcionários dos vários departamentos.
Hoje há um comitê de inovação dentro do departamento jurídico da Souza Cruz. Segundo Ludmila Oliveira, gerente sênior da área jurídica, desde 2018, a empresa incentiva todos a pensarem em soluções tecnológicas para que possam focar mais nas questões estratégicas. “Quando cheguei percebi que são inúmeras as consultas sobre contratos, com muitas demandas repetitivas”, diz o estagiário Cauan Silveira. “E as respostas poderiam ser mais ágeis, objetivas e acessíveis”, completa.
A garantia de contratos sem falhas pode ser útil para uma eventual defesa. Na Souza Cruz, normalmente são assinados quatro mil contratos por ano, o que gerava aproximadamente seis mil análises no período e cerca de 200 e-mails mensais de consultas ao jurídico. “Com a Robyn, já obtivemos uma redução de cerca de 60% das demandas sobre contratos. A expectativa é de, até o fim do ano, chegar a 90% porque continuamos a introduzir informações na base de dados dela”, diz Ludmila.
Fonte: Valor Econômico – 07/10/2019