A presunção é validamente utilizada na seara administrativo-tributária, mas jamais pode ser transportada para o Direito Penal ou para o Processual Penal. Utilizando esse entendimento como base, a 2ª Vara Criminal de João Pessoa absolveu os gestores de uma empresa que foram acusados de sonegação de impostos.
A fiscalização feita pela Receita estadual em uma loja de materiais para construção detectou omissão de saídas de mercadorias do estabelecimento, o que teria gerado falta de recolhimento do ICMS devido.
O Ministério Público apontou que os pagamentos referentes às despesas foram superiores às receitas declaradas, o que só poderia ocorrer por meio do uso de dinheiro não registrado — o chamado “caixa dois”.
A defesa de um dos réus, feita pelo escritório Cabral Associados, alegou que a ação penal se baseou em um lançamento “exclusivamente presuntivo”, e tal presunção da esfera administrativa não poderia ser levada à esfera criminal.
O juiz Marcial Henrique Ferraz da Cruz acolheu a tese. Segundo ele, não foi produzida nenhuma prova indicando a aquisição de mercadorias por meio de “caixa dois”.
O magistrado observou que a pretensão do MP estava amparada apenas no auto de infração. Para ele, no entanto, o documento é só um indício suficiente para permitir a persecução judicial.
No procedimento administrativo, os fatos foram considerados praticados por presunção, como permitido pelo artigo 646 do Regulamento do ICMS da Paraíba. Ou seja, foi presumida a supressão do tributo aos cofres estaduais para impor ao contribuinte o dever de pagá-lo.
Porém, de acordo com Marcial, “na seara penal essa presunção implica no reconhecimento da própria materialidade do crime”, que pode ter ocorrido ou não.
“O que verdadeiramente se extrai das alegações finais ministeriais é a pretensão de, subvertendo o princípio da presunção de inocência, considerar praticado um crime, equiparando-se fatos conhecidos — utilização de recursos em volume superior às suas disponibilidades financeiras — a fatos desconhecidos (e não provados) — omissão de saídas e supressão/redução dos tributos devidos — e, consequentemente, a imposição de uma condenação, sem a superação da dúvida razoável”, explicou o juiz. Assim, ele aplicou o princípio do in dubio pro reo.
O advogado Gustavo Cabral, que atuou no caso, destaca a relevância da decisão. Segundo ele, especialmente na Paraíba, “decretos condenatórios em ações penais envolvendo crime contra a ordem tributária se baseiam apenas na certidão da dívida ativa e na cópia do processo administrativo, mesmo quando o auto de infração que é objeto da denúncia foi constituído todo indiciariamente”.
0001339-47.2019.8.15.2002
Fonte: CONJUR/José Higídio