Passado um ano desde que o governo perdeu a disputa no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, o Brasil ainda vive um vácuo legal em torno do assunto. A situação reflete dois problemas. O primeiro é que o governo prometeu e não entregou uma nova lei para o PIS/Cofins retirando o ICMS da conta e nem fez a reforma desses tributos, que permanece em estudo. O segundo é que a mais alta Corte até agora não julgou o recurso da Fazenda para tentar amenizar o rombo nos cofres públicos. O órgão pede que a decisão tenha um prazo para entrar em vigor, que seria janeiro deste ano.
Com isso, além do vácuo legal existente, o pedido do próprio governo já está gerando novo esqueleto fiscal, que pode ficar maior à medida que permanece a indefinição. É que, como o pedido de modulação previa que a decisão valeria apenas a partir de janeiro, seja qual for o entendimento do STF, o governo terá que ressarcir os contribuintes pelo menos desde janeiro deste ano. O pedido da Fazenda não pode ser alterado.
Em uma conta genérica, considerando o impacto de R$ 20 bilhões ao ano que a área econômica estimava que haveria caso fosse derrotada, cada mês que passa a dívida incontroversa cresceria a uma taxa pouco superior a R$ 1,5 bilhão. Assim, nesses três primeiros meses do ano o governo já tem dívida que pode ser da ordem de quase R$ 5 bilhões.
Esse valor, contudo, pode ser menor porque, desde a decisão do STF no ano passado, pelo menos parte das empresas já pararam de recolher, apesar dos alertas da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) de que, até que os recursos sejam julgados, ainda vale a regra antiga, que inclui o ICMS na base do PIS/Cofins.
Por outro lado, se o STF seguir o padrão histórico e decidir acatar apenas parcialmente o pedido da Fazenda, não reconhecendo o passado, mas determinando que a regra nova vale desde a decisão do ano passado, o passivo incontroverso já acumula 12 meses, que apontaria para algo próximo de R$ 20 bilhões – lembrando que o valor pode ser menor porque já há empresas que deixaram de recolher.
O STF ainda pode não aceitar nenhum pedido do governo e inclusive mandar devolver o que foi recolhido indevidamente no passado, pelo menos dos cinco anos anteriores à decisão. Em uma conta simples, isso significaria uma dívida de R$ 100 bilhões para a União.
De acordo com Ester Santana, sócia tributarista do CSA – Chamon Santana Advogados, grande parte das empresas, sobretudo as que estão em dificuldades financeiras, já estão seguindo a decisão do STF. Ela diz que há também pressão concorrencial e de clientes forçando as companhias que estão em dúvida a seguir o mesmo caminho, mesmo sem uma decisão definitiva.
Além disso, Ester destaca que o sistema jurídico está intensificando outras disputas a partir da decisão do STF, como a retirada do ISS da base de cálculo do PIS/Cofins e de outros tributos sobre a receita bruta, como o Funrural.
Em julgamento após decisão do STF, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por exemplo, que o ICMS não pode ser incluído na base de cálculo da Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB). Em outra decisão, a 1ª Seção excluiu o crédito presumido de ICMS da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL.
O problema pode ser resolvido com a reforma do PIS/Cofins que o governo prepara. A ideia da Receita é resolver de vez o problema retirando tanto o ICMS como o ISS da base de cálculo do novo tributo. Embora não haja decisão final na Fazenda, nos bastidores a visão jurídica é que seria um grave erro não fazer essa limpeza de base, já que implicaria iniciar o novo tributo já sob o risco de judicialização e até mesmo de uma impugnação por meio de ação direta de inconstitucionalidade.
Na área econômica, contudo, há percepção de que por ora a queda nos recolhimentos do PIS/Cofins em decorrência da decisão do STF ainda é restrita, embora se reconheça que empresas estão tentando e conseguindo decisões judiciais para interromperem o recolhimento. “Ficou mais fácil para as empresas conseguirem liminares em instâncias inferiores, mesmo sem votação dos embargos, mas o impacto ainda não é massivo”, comenta uma fonte oficial.
Os números da Receita Federal de fato apontam para um efeito ainda limitado, embora os dados não permitam ser conclusivo sobre a magnitude dessa perda na arrecadação. Os dados mensais mostram que a receita de PIS/Cofins desde abril do ano passado tem alta real na média (em comparação com a média dos 12 meses anteriores), mesmo quando se desconta o efeito positivo do aumento da tributação sobre a gasolina.
Segundo a advogada Cristiane Romano, do escritório Machado Meyer Advogados, os contribuintes que tinham interesse no assunto já entraram com ações para pedir o ressarcimento dos valores pagos. “A última chamada foi no início do julgamento”, diz.
A advogada não acredita que o pedido de modulação será aceito da forma como foi feito pela PGFN. A expectativa é que a decisão do STF seja válida para todas as ações ajuizadas, como costumam ser as modulações no Supremo. Cristiane lembra que a Corte já tinha dado indicação de que iria excluir o ICMS da base do PIS e da Cofins ao julgar um caso concreto em 2014.
Fonte: Valor – 15/03/2018