Exportadores vêm obtendo decisões para validar compensações tributárias vetadas pela Receita Federal. Desde dezembro, a fiscalização está usando a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins como justificativa para impedir o uso de quaisquer créditos decorrentes das contribuições — mesmo os não relacionados à chamada “tese do século”.
Há decisões favoráveis na primeira instância administrativa, a Delegacia da Receita Federal de Julgamentos (DRJ), e também no Judiciário. Beneficiam empresas que foram alvos de fiscalização da Delegacia Especial de Maiores Contribuintes (Demac) do Rio de Janeiro.
As companhias têm recebido, desde o fim do ano passado, decisões de auditores fiscais contra o uso de créditos escriturais de PIS e Cofins. Esses créditos são gerados por causa da sistemática da não cumulatividade e não fazem parte da discussão sobre o ICMS.
A fiscalização entende, porém, que as duas coisas estão interligadas. A justificativa é a de que na época em que as compensações foram transmitidas havia ações em curso, movidas pelas empresas, para discutir a retirada do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. O resultado desses processos em andamento, segundo a Receita, poderia interferir nos valores das compensações e, por esse motivo, teriam que ser desconsideradas.
Uma das empresas notificadas apresentou recurso e conseguiu reverter a decisão dentro da própria Receita. A 7ª Turma da DRJ de Juiz de Fora (MG), de forma unânime, rejeitou o ato da fiscalização. As delegacias de julgamento são divididas por temas e não por regiões. Isso explica o fato de decisões do Rio de Janeiro serem revisadas por uma unidade localizada no município mineiro.
O auditor fiscal Robson Marcos Schreider, relator do caso, diz na decisão que o acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins não trata dos créditos previstos no artigo 3º das Leis nº 10.637, de 2002, e nº 10.833, de 2003 — que foram usados nas compensações. O mesmo ocorre, acrescenta, nos embargos de declaração apresentados pela Fazenda Nacional contra a decisão dos ministros e que ainda está pendente de julgamento (RE 574706).
“Fácil concluir que a sistemática de apuração dos créditos previstos nessas leis não será alterada pela decisão final do STF e nem pela decisão final na ação ordinária [movida pela empresa que teve as compensações desconsideradas]”, afirma. O caso envolve aproximadamente R$ 2,6 bilhões (processo nº 16682.720981/2019-31).
Schreider destaca ainda que alterações sobre a sistemática de apuração dos créditos de PIS e Cofins dependeriam de uma mudança legislativa. “Se a empresa, em 2014, 2015 ou outro ano qualquer, adquiriu um bem ou serviço por R$ 10 mil, efetuou o pagamento devido e o contabilizou corretamente, esse é o valor sobre o qual vão ser apurados os créditos”, diz.
As exportadoras costumam acumular muitos créditos porque nas vendas ao exterior não há tributação. Elas pagam PIS e Cofins na entrada, quando adquirem os produtos que serão exportados, mas não conseguem compensá-los na saída. A legislação prevê que, nessas hipóteses, podem pedir a restituição dos valores.
A maioria converte a restituição em compensação — o pagamento de tributos com crédito fiscal. O caso julgado pela DRJ trata exatamente dessa situação. A empresa havia utilizado os créditos acumulados de PIS e Cofins para o pagamento de Imposto de Renda e CSLL.
A fiscalização da Demac do Rio de Janeiro havia considerado as compensações realizadas nos anos de 2015 e de 2016 como “não declaradas”. Com isso, os tributos que haviam sido pagos com os créditos ficaram em aberto. A empresa ainda recebeu uma multa de 75% sobre os valores utilizados para a quitação.
Uma outra exportadora que passou por situação semelhante optou por recorrer ao Judiciário e obteve liminar. A decisão é do juiz Wilney Magno de Azevedo Silva, da 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro (processo nº 5006674-36.2020.4.02.5101).
“Não há razão para restringir a análise sobre o pedido de aproveitamento dos créditos vinculados a receitas de exportação pretéritos por uma decisão judicial posterior aos pedidos administrativos e que trata de direito creditório diverso do pleiteado”, diz o juiz.
A empresa, nesse caso, também teve desconsideradas pela fiscalização as compensações de 2015 e 2016. Recebeu nove decisões administrativas, de idêntico teor, que consideravam como inviável calcular os valores referentes aos créditos aos quais a companhia afirma ter direito sob o fundamento de que as ações ajuizadas para discutir a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins poderiam alterar os valores requeridos.
A auditora fiscal que assina os documentos havia aplicado o artigo 59 da Instrução Normativa 1.717, de 2017. Esse dispositivo diz que “é vedado o ressarcimento de crédito cujo o valor possa ser alterado total ou parcialmente por decisão definitiva em processo judicial ou administrativo fiscal”.
Advogados vêm se referindo a esse movimento, desde as primeiras decisões da Demac, como “extremamente perigoso” para os contribuintes. Se referendado, afirmam, poderia inviabilizar as compensações com o uso de quaisquer créditos de PIS e Cofins.
“Além de trazer total insegurança sobre a pretensão de o contribuinte exercer o seu direito de questionar tributos na Justiça. Isso coloca em descrédito o sistema de compensação ”, diz o advogado Julio Janolio, que atuou nos dois casos juntamente com o advogado Victor Amaral, ambos do escritório Vinhas e Redenschi.
Os advogados afirmam que os argumentos da fiscalização não poderiam ser aplicados aos casos. Ressaltam que o artigo 74, parágrafo 12, da Lei nº 9.430, de 1996, é claro no sentido de que a compensação será considerada não declarada se o crédito usado pelo contribuinte estiver pendente de decisão judicial — o que não ocorreu. A fiscalização se utilizou de uma discussão paralela para vetar as compensações.
Especialista na área, Ariel Möller, do escritório Fux Advogados, diz que as investidas da Demac causaram “certa surpresa”. “É um órgão bem mais técnico do que as delegacias de atendimento. Os auditores são muito bem treinados e têm contato com temas mais complexos”, afirma. “A sensação que fica, agora, é que pode ter sido uma investida isolada da Demac em relação a esse assunto. Porque a DRJ, em geral, tem uma visão mais pró-fisco. Grande parte das autuações, por exemplo, são mantidas na primeira instância administrativa.”
Para o advogado, o acórdão da 7ª Turma da unidade de Juiz de Fora deixa claro que a Demac “confundiu os assuntos”. E, apesar de a decisão não ter efeito vinculante, Ariel Möller acredita que possa funcionar como “uma orientação informal” dentro do órgão. “Até porque acaba gerando um contencioso desnecessário.”
Fonte: Valor Econômico – 7 de maio de 2020