Julgamentos sinalizam possível mudança jurisprudencial em Tribunais Regionais Federais.
Pelo menos três empresas obtiveram, recentemente, autorização de Tribunais Regionais Federais (TRFs) para excluir o PIS e a Cofins das próprias bases de cálculo.
Uma delas no TRF da 3ª Região, em São Paulo, e as outras duas no TRF da 2ª Região, no Rio de Janeiro. Advogados dizem que essas decisões podem sinalizar o começo de uma mudança jurisprudencial.
O TRF da 2ª Região e o da 3ª Região vinham, até então, julgando o tema de forma desfavorável ao contribuinte. Assim como os demais tribunais regionais. Nas Cortes da 1ª, 4ª e 5ª Regiões não se têm notícias de decisão de turma que permita a exclusão do PIS e da Cofins das próprias bases de cálculo.
Essa é uma das chamadas “teses filhotes” da exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins – a maior discussão tributária dos últimos anos. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem o tema, em março de 2017, entenderam que o imposto pertence ao Estado e, por esse motivo, não poderia ser considerado como receita da empresa – a base de incidência das contribuições.
Os contribuintes, a partir desta decisão, passaram a defender que a mesma tese tem de ser aplicada nas discussões que envolvem outros tributos também inseridos no cálculo do PIS e da Cofins. Por isso, a denominação de “teses filhotes”.
Afirmam, no caso dos próprios PIS e Cofins, que essas contribuições pertencem à União e, sendo assim, não deveriam ser consideradas como parte da receita das empresas. Por isso, o caminho natural – seguindo o mesmo raciocínio do ICMS – seria a exclusão de tais valores do cálculo, o que reduziria a carga tributária.
Os desembargadores da 1ª Turma do TRF da 3ª Região deram razão ao contribuinte ao julgarem um desses pedidos no dia 23 de setembro. Eles entenderam, de forma unânime, que há similaridade entre as teses e concederam liminar em agravo de instrumento à uma empresa de comunicação (processo nº 5003556-02.2020.4.03.0000).
Só se tem notícias de mais uma decisão colegiada do TRF da 3ª Região com posição favorável ao contribuinte. Foi proferida pela 4ª Turma em dezembro do ano passado (processo nº 5022842-67.2018.4.03.6100). É pouco se comparado com a quantidade de negativas que as empresas vêm recebendo – existe mais de uma dúzia de decisões desfavoráveis.
O TRF da 2ª Região, até o dia 22 de setembro, era totalmente contrário à exclusão do PIS e da Cofins das próprias bases de cálculo. Nesta data, no entanto, dois processos foram julgados pela 3ª Turma Especializada e as decisões, em ambos, foram favoráveis (nº 5000953-83.2019.4.02.5119 e nº 5015731-61.2019.4.02.5118).
Uma delas atendeu pedido de uma metalúrgica. Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, atuou nesse caso. “Um excelente precedente”, diz. “O voto vencedor conclui que impostos e contribuições não integram o patrimônio do contribuinte, em nada se distanciando do entendimento do STF.”
Existe, no entanto, uma peculiaridade em relação aos processos com decisão favorável no TRF da 2ª Região. Na data dos julgamentos, especificamente, o juiz Firly Nascimento foi convocado para substituir o desembargador Marcus Abraham na turma. Esse desembargador tem entendimento contrário à exclusão do PIS e da Cofins das próprias bases e, se tivesse participado da sessão, provavelmente teria votado contra o contribuinte.
O placar, nos dois processos, foi de dois a um. A desembargadora Cláudia Neiva votou contra o contribuinte e ficou vencida. Prevaleceu o entendimento do desembargador Theophilo Antonio Miguel Filho, relator em um dos casos, pela exclusão do PIS e da Cofins das próprias bases. Ele foi acompanhado por Firly Nascimento, o juiz convocado para a sessão.
“Mas isso não prejudica em nada. Ao contrário, o precedente pode arejar a jurisprudência do tribunal”, afirma Leonel Pitzzer, do escritório Fux Advogados, que atuou para a outra empresa que obteve decisão favorável.
O STF decidiu, em outubro do ano passado, que julgará o tema em repercussão geral. A relatora, ministra Cármen Lúcia, não suspendeu, no entanto, o andamento dos processos e, por esse motivo, os tribunais regionais continuam a julgar os pedidos das empresas.
Há uma guerra de teses. Existe um movimento jurisprudencial, nos tribunais, para aplicar ao caso uma decisão mais antiga do STF. Os ministros, em 2011, validaram o chamado “ICMS por dentro”. Entenderam como constitucional a incidência do imposto sobre ele mesmo.
Como, agora, se está tratando do PIS e da Cofins sobre as próprias bases de cálculo, há entendimento de que se estaria discutindo tributo sobre tributo. Por isso, a defesa de ser aplicável a tese do ICMS por dentro e não a da exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins.
“Só que não é isso o que nós estamos discutindo. Esse caso não se assemelha ao do ICMS por dentro porque nós não estamos alegando que o sistema não permite a incidência de tributo sobre tributo. Estamos alegando que o conceito constitucional de receita bruta é incompatível com o ônus fiscal e por isso o tributo tem de ser excluído do cálculo”, defende o advogado Leonel Pittzer.
Para o tributarista Bruno Sigaud, do Sigaud Advogados, os julgados dos TRFs da 2ª e da 3ª Região, favoráveis à exclusão do PIS e da Cofins das suas próprias bases de cálculo, “são extremamente valiosos”. “Demonstram uma possível alteração na jurisprudência desses tribunais”, diz.
O advogado menciona uma decisão do ministro Edson Fachin, de julho de 2019, no RE 1213429, em que ele sustentou que “embora não seja idêntica, está diretamente atrelada à compreensão jurisprudencial expressa no Tema 69 [exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins]”.
“Demonstra que, de fato, há similaridade nas discussões e que o mesmo raciocínio firmado para a exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins deve ser utilizado para permitir a exclusão das contribuições de suas próprias bases”, diz o advogado. Ele chama a atenção que essa decisão foi reconsiderada posteriormente, mas “somente para que o tema fosse julgado de maneira individualizada em sede de repercussão geral”.
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma, porém, que o precedente firmado pelo STF não se aplica, por analogia, à discussão. “Isso porque não há, no sistema tributário brasileiro, vedação à incidência de tributo sobre tributo”, diz o órgão, acrescentando “que inexiste mudança jurisprudencial relevante nem no TRF da 2ª Região nem no TRF 3ª Região, mas apenas decisões isoladas”.
Valor Econômico – Por Joice Bacelo e Adriana Aguiar – 13 de outubro de 2020