Com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que dá margem para a covid-19 ser considerada doença ocupacional, empresas correm o risco de responder na Justiça a pedidos de indenização por danos morais e materiais. As ações podem ser propostas por empregados atingidos na forma mais grave da doença ou por familiares.
Funcionários afastados pela Previdência Social por mais de 15 dias para tratamento, têm estabilidade de um ano e direito ao FGTS no tempo de licença. As companhias podem também sofrer impacto no caixa (leia mais abaixo) com o aumento do Fator Acidentário de Prevenção (FAP).
O conselho de especialistas às empresas é cautela. Com o fim da quarentena em diversos municípios e a volta ao trabalho presencial, as companhias devem prevenir a disseminação do vírus no local de trabalho e guardar documentos que comprovem esse cuidado, segundo advogados trabalhistas. As companhias devem seguir as regras da Organização Mundial de Saúde (OMS) e protocolos governamentais sobre covid-19.
O Supremo já recebeu 2.682 processos relacionados à pandemia da covid-19. Já foram proferidas mais de 2,4 mil decisões dos mais diversos assuntos que envolvem a doença, segundo dados do Painel de Ações Covid, implementado no site do tribunal.
No dia 29 de abril, ao derrubar o artigo 29 da Medida Provisória (MP) n° 927, segundo o qual a covid-19 não é doença ocupacional, o STF possibilitou que funcionários contaminados possam responsabilizar empresas pela doença, se comprovado que ela foi contraída no ambiente de trabalho.
Caberá às empresas demonstrarem nos processos que tomaram medidas preventivas. A decisão foi proferida no julgamento de pedido de liminar em sete ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) ajuizadas contra a MP. Segundo os ministros, o artigo prejudicaria inúmeros trabalhadores de atividades essenciais e de risco que estão constantemente expostos à doença, por não considerá-la acidente de trabalho.
A advogada Cássia Pizzotti, sócia do Demarest Advogados, afirma estar preocupada com os desdobramentos dessa decisão. Segundo ela, já existem sindicatos exigindo a emissão de Comunicado de Acidente do Trabalho (CAT) nos casos de funcionários afastados pela covid por mais de 15 dias e, com isso, dá-se a entender que a empresa assumiu a responsabilidade pela contaminação.
Ela explica que na seara trabalhista ainda caberá ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) definir como será a responsabilização. O tribunal determinará se existe responsabilidade objetiva decorrente do negócio, independentemente de comprovação de culpa. Ou se há responsabilidade subjetiva. Nesse caso, se a empresa provar que seguiu todas as recomendações de saúde, como fornecimento de máscaras e álcool em gel, troca de turnos ao ar livre, cuidados na higiene do refeitório, entre outras medidas, poderá se eximir de condenação.
“A doença do trabalho está ligada a uma condição do ambiente de trabalho. Neste caso, não tem como afirmar que o funcionário pegou covid na companhia”, afirma. A advogada acrescenta que não dá para responsabilizar a empresa por algo que é pandêmico, pois as pessoas podem pegar a doença em qualquer lugar, inclusive na própria casa.
A caracterização da covid como doença do trabalho também tem ocorrido em outros países segundo Cassia. A Alemanha e a Itália consideram como doença de trabalho apenas para profissionais da saúde. Canadá também reconhece ser doença ocupacional, desde que exista laudo. A Argentina também admite como doença do trabalho de forma mais ampla.
Para evitar a responsabilização, Cassia afirma que as companhias estão desenvolvendo protocolos, com auxílio de autoridades médicas, que devem ser seguidos para evitar o contágio. O ideal, segundo ela, é existir uma iniciativa do governo federal, assim como ocorreu nos Estados Unidos, que eleja os requisitos que devem ser cumpridos pelas empresas para afastar a responsabilidade. “Nos Estados Unidos e no Reino Unido, funcionários se recusaram a voltar ao trabalho. No caso dos Estados Unidos, porque o governo americano tomou medidas focadas nas empresas, não nos trabalhadores”.
O advogado Marcos Alencar afirma que, diante da decisão do Supremo de abril e de outra decisão de 2009 que declarou a responsabilidade objetiva por acidente de funcionário de empresa de segurança, as empresas precisam de provas contundentes para se defenderem. “Passada a pandemia, teremos muitos questionamentos por parte dos que adoeceram gravemente e dos familiares dos que lamentavelmente se foram”, diz.
Entre as provas que devem ser guardadas, o advogado destaca o registro de aquisição em maior volume, se comparado a antes de março deste ano, dos produtos de higiene e o acatamento de “autodeclaração” de empregados com sintomas de covid-19, evitando assim o contágio com os demais empregados. Além disso, a demonstração de contratação de transporte individual ou específico, para evitar que os empregados utilizassem transporte público de passageiros é uma prova importante.
Os documentos de aquisição de máscaras, luvas, óculos de proteção e vídeos ou fotos de treinamentos de como utilizar os equipamentos de segurança também devem ser arquivados. Ele também recomenda reuniões semanais da Cipa (que podem ser virtuais) para esclarecer o passo a passo das medidas de contenção da doença, entre outros esclarecimentos.
Fonte: Valor econômico – Por Adriana Aguiar – 4 de junho de 2020