Corte invalidou a cobrança de ICMS na transferência de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte em diferentes Estados.
O Supremo Tribunal Federal (STF) invalidou, recentemente, a cobrança de ICMS na transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte. O afastamento da tributação, porém, não representa uma vitória para todas as empresas. A depender da operação e da aplicação da decisão dos ministros por cada Estado, várias perderão de imediato créditos acumulados do ICMS, o que poderá impactar o caixa.
No julgamento, finalizado na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 1996) que autorizam a cobrança de ICMS nesse tipo de operação. Porém, com a decisão, na prática, também fica extinta a base legal para o uso, na transferência, de créditos de ICMS oriundos da compra de mercadorias.
O relator, ministro Edson Fachin, aplicou a jurisprudência do STF no sentido de que a circulação física de uma mercadoria entre estabelecimentos da mesma empresa não gera incidência do imposto, pois não há transmissão de posse ou propriedade de bens. Segundo o relator, a hipótese de incidência do tributo é a operação jurídica praticada por comerciante que acarrete circulação de mercadoria e transmissão de sua titularidade ao consumidor final.
A Corte já havia decidido contra essa tributação com repercussão geral, em agosto de 2020. Contudo, só agora, ao julgar o tema em uma ação declaratória de constitucionalidade (ADC 49) considerou a previsão inconstitucional, o que permite afetar também os créditos. No caso concreto, o governo do Rio Grande do Norte tinha recorrido ao Supremo para tentar validar a cobrança.
A Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz) ainda avalia os impactos da decisão do STF na legislação paulista e as medidas de fiscalização que serão adotadas. Mas adianta que há indicação de que o efeito na arrecadação será positivo. Em nota ao Valor, afirma que os destinatários paulistas não poderão mais usar o crédito recebido em operações de transferência de outros Estados.
O Estado de São Paulo é a unidade da Federação envolvida no maior volume de transferências interestaduais, mas os efeitos da decisão serão significativos para diversos Estados, sobretudo para aqueles que estabeleceram benefícios fiscais que repercutem na transferência de créditos”, diz a Fazenda paulista.
Para o advogado Daniel Frasson, do escritório LacLaw, a decisão na ADC “é uma péssima notícia”. Até esse julgamento, o cenário era ótimo, segundo o advogado, já que a empresa que entrava com ação e ganhava se beneficiaria da decisão sem prejudicar as demais. Mas agora, afirma, para a maioria dos contribuintes que fazem esse tipo de operação, o afastamento dessa tributação não é positivo. “Há um precedente para que as normas estaduais percam a validade.”
Ainda segundo Frasson, o STF criou um problema que não existia, mas pode reduzilo na modulação. “Cabe ao STF dar alguma alternativa para não haver enriquecimento ilícito dos Estados.”
De acordo com o advogado Eduardo Pugliese, sócio do escritório Schneider Pugliese, a decisão do STF tira a base legal para os Estados tributarem e, consequentemente, aceitarem os créditos. Porém, para ele, a perda de eficácia da legislação estadual não deveria ser automática. Aconteceria só quando os Estados revogassem suas leis, refletindo então no uso dos créditos.
Pugliese concorda que o impacto da decisão é diferente para cada contribuinte. Para empresas que compram muito de fornecedores no Simples, por exemplo, a decisão na ADC não traz risco de perda, só afasta a tributação. “Simples não dá direito a crédito, então a empresa não terá nada a perder”, afirma o tributarista.
O possível efeito imediato da decisão do STF sobre todos os Estados é o que preocupa a advogada Fernanda Sá, do escritório Machado Meyer. “A decisão na ADC tem eficácia geral e vinculante”, diz. Ela explica que o crédito de ICMS é embutido no preço e, se ele não puder ser aproveitado, se torna custo. Ainda segundo ela, esses créditos impactam o caixa das empresas. “Contabilmente, é como se a empresa estivesse perdendo um ativo em termos de valor.”
Fonte: Valor Econômico – Por Beatriz Olivon, 30/04/2021.