A importância da tutela privada Nos últimos anos, a economia brasileira foi enormemente afetada por escândalos empresariais, envolvendo tanto o setor público quanto o setor privado. Tais episódios afetaram a credibilidade e o valor de algumas das grandes companhias abertas do país, trazendo à tona a questão dos mecanismos de enforcement dos direitos dos investidores brasileiros e as eventuais medidas a serem adotadas para aprimorá-los. Há uma percepção generalizada de que o atual regime jurídico não oferece mecanismos adequados para proteção do investidor. De fato, é relativamente incomum o ajuizamento de ações judiciais ou processos de arbitragem por acionistas minoritários brasileiros com o objetivo de obter reparação civil de administradores ou acionistas controladores. Vários fatores podem explicar o baixo número de processos, tais como falta de informação, custos, restrições à legitimidade ativa do acionista e o risco de prejuízos adicionais (por exemplo, devido ao regime de ônus de sucumbência imposto à parte perdedora ). Esses fatores advêm, em regra, das características do sistema jurídico brasileiro. O acesso a mecanismos efetivos de tutela privada é fundamental para o desenvolvimento de um mercado de capitais robusto. A propósito, a existência de mecanismos efetivos para tutelar os direitos de acionistas minoritários prejudicados por atos ilícitos praticados por acionistas controladores ou administradores de companhias abertas, não apenas satisfará seus interesses individuais, como também produzirá externalidades positivas. Isso porque a reparação efetiva pode melhorar o nível de conformidade do mercado com as normas e aumentar a confiança do investidor no mercado de capitais. Do ponto de vista econômico, um mercado de ações que protege acionistas minoritários tende a propiciar que companhias de capital aberto tenham acesso mais fácil a capital por meio de financiamento externo. Como apontado em vários estudos, “variações na legislação [e no arcabouço regulatório], bem como a efetiva aplicação dessas normas são fundamentais para entender por que as empresas captam mais fundos em alguns países que em outros. Em larga medida, potenciais acionistas e credores financiam empresas porque seus direitos estão protegidos pela lei”. A esse respeito, o Princípio II.G do G20/OCDE traz a seguinte recomendação: “os acionistas minoritários devem ser protegidos contra ações abusivas praticadas, direta ou indiretamente, por acionistas controladores (ou no interesse destes) e devem ter meios efetivos de reparação…”. De acordo com o G20/OCDE, “a confiança do investidor de que o capital por eles aportado será protegido contra uso indevido ou apropriação indevida por parte de diretores executivos, membros do conselho de administração ou acionistas controladores é um fator importante no desenvolvimento e no bom funcionamento do mercado de capitais” , e deve ser analisado por meio de uma abordagem equilibrada: deve-se permitir que o investidor busque remédios contra a violação de seus direitos de propriedade, sem estimular a litigância excessiva e frívola. Não há dúvidas de que os mecanismos privados de tutela atualmente existentes no Brasil precisam ser aprimorados com o intuito de ampliar sua efetividade no campo do direito societário e do mercado de capitais – especialmente no que tange à questão da reparação de investidores. Até o momento, contudo, não se tem notícia de aprofundados estudos, análises e diagnósticos mapeando os pontos fortes e fracos do panorama atual para subsidiar uma eventual reforma legislativa ou regulatória. Em particular, falta pesquisa acadêmica comparando os prós e os contras da litigância corporativa/do mercado de capitais, por meio do sistema judiciário tradicional e de mecanismos alternativos de resolução de conflitos – especialmente a arbitragem, que, de acordo com a Lei 6.404/76, pode substituir as ações judiciais para dirimir controvérsias envolvendo a companhia, minoritários e acionistas controladores no Brasil (desde que haja previsão nesse sentido no estatuto da companhia).