Critérios de modulação do STJ podem aumentar judicialização, dizem advogados
28 DE MARÇO DE 2024
TRIBUTARISTAS AFIRMAM AINDA QUE CONDIÇÕES REPRESENTAM QUEBRA DE ISONOMIA; PROCURADOR DEFENDE MODELO ADOTADO
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a adotar recentemente a prática, comum no Supremo Tribunal Federal (STF), de modular decisões em matéria tributária, ou seja, delimitar sua produção de efeitos no tempo. Porém, em duas modulações, o STJ adotou critério diverso do aplicado pela Suprema Corte, ressalvando os contribuintes que obtiveram decisões judiciais ou administrativas favoráveis. No STF, a modulação costuma abarcar todos os que ajuizaram ações até uma determinada data, independente da existência de decisão favorável.
Ao JOTA, advogados disseram que o movimento do STJ de modular as decisões é positivo, pois resguarda a segurança jurídica. Porém, acreditam que condicionantes como a existência de decisão favorável podem estimular o litígio, levando a uma corrida por liminares. Já o procurador Marcelo Kosminsky, coordenador-geral de atuação judicial da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) perante o STJ, prevê um efeito contrário. Para ele, ao restringir o benefício aos contribuintes com decisões favoráveis, o STJ evita a corrida à Justiça que costuma ocorrer às vésperas de um julgamento tributário, quando as empresas ajuízam ações para serem beneficiadas pela modulação.
A primeira decisão em matéria tributária modulada pela 1ª Seção do STJ foi o Tema 1125, por meio do qual a Corte definiu que o ICMS-ST não compõe a base de cálculo do PIS e da Cofins. Julgado em dezembro de 2023, o tema foi modulado para produzir efeitos a partir da publicação da ata de julgamento, em 23 de fevereiro de 2024. O relator, ministro Gurgel de Faria, registrou que estava seguindo a modulação aplicada pelo STF ao Tema 69, a “tese do século”, em que ficou definido que o ICMS não integra a base de cálculo do PIS e da Cofins.
Depois, em 13 de março, a 1ª Seção julgou os Temas 986 e 1079. No Tema 986, fixou a tese de que as Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) compõem a base de cálculo do ICMS. Já na análise do Tema 1079, entendeu que o teto-limite de 20 salários-mínimos não se aplica ao cálculo das contribuições ao Sistema S. Ambas as decisões foram moduladas.
No Tema 986, os ministros decidiram resguardar dos efeitos da decisão os contribuintes que, até 27 de março de 2017, foram beneficiados por decisões que concederam antecipação de tutela, desde que ainda se encontrem vigentes. A modulação não alcança os contribuintes cuja tutela de urgência tenha sido condicionada à realização de depósito judicial. Outro ponto é que os contribuintes contemplados pela modulação deverão voltar a recolher o ICMS sobre TUST/TUSD a partir da publicação dos acórdãos referentes ao tema.
A delimitação a partir de 27 de março de 2017 leva em conta a data de publicação do acórdão do STJ no REsp 1163020/RS, em cujo julgamento a 1ª Turma decidiu pela incidência do ICMS sobre TUST/TUSD. Os ministros consideram que, a partir desse momento, houve uma virada de jurisprudência na Corte, que antes entendia pela não incidência do imposto sobre as tarifas.
Já no caso do Tema 1079, a 1ª Seção resguardou dos efeitos da decisão os contribuintes que obtiveram decisões judiciais ou administrativas com algum tipo de manifestação favorável. Além disso, limitou os efeitos da modulação até a data da publicação do acórdão. As modulações de efeitos nos Temas 986 e 1079 foram alvo de críticas de advogados consultados pela reportagem, devido às limitações para que os contribuintes possam ser beneficiados.
Judicialização
De acordo com advogados tributaristas, o critério que deixa de fora da modulação contribuintes não contemplados por decisões favoráveis é “incomum”. “O STF, sempre que modula, preserva o direito dos contribuintes que ajuizaram sua ação antes do início do julgamento. Essa é a modulação comum. O STJ caminhou para um sentido diferente, preservando só os contribuintes que têm decisão favorável”, observou Alessandro Cardoso, do Rolim, Viotti, Cardoso, Goulart Advogados.
Na avaliação de Enrique de Castro Loureiro Pinto, advogado do contencioso tributário do Lacerda Diniz Sena Advogados, as restrições para que os contribuintes sejam abarcados pela modulação de efeitos no STJ podem levar a uma antecipação do ajuizamento de ações, com consequente aumento do contencioso tributário. O tributarista cita, por exemplo, o marco temporal estabelecido pelo STJ para a modulação dos efeitos no caso da TUST e da TUSD na base do ICMS, que é a data de uma decisão da 1ª Turma que representaria mudança de jurisprudência.
“Antes, era comum aguardar algum sinal verde, alguma decisão favorável, o início do julgamento. Agora, é preciso ajuizar [a ação] o quanto antes, porque é preciso conseguir uma decisão favorável antes que alguma turma [do STJ] decida de forma desfavorável. Você vai precisar ficar mais atento às questões de obter liminares ou sentenças de forma breve. Vão aumentar os agravos de instrumento contra decisões, em juízo de primeiro grau, que postergam a análise de liminares. A tendência é crescer o volume de ações”, avalia Loureiro Pinto.
Embora considere a modulação de efeitos positiva, como forma de garantir segurança jurídica aos contribuintes, Alessandro Cardoso também acredita que os critérios estabelecidos pelo STJ devem influenciar o comportamento das empresas, com possível aumento da litigiosidade. “Um dos motivos pelo qual o STJ estaria modulando seria para evitar a judicialização, só que o efeito tende a ser contrário. O contribuinte vai ter até que antecipar a judicialização para obter uma decisão favorável”, diz.
Para a advogada Carolina Romanini, head de Tributos Indiretos do schneider pugliese, o que leva ao aumento da litigiosidade não é a modulação, mas a instabilidade da jurisprudência nos tribunais. “A falta de padrão, de coerência, gera a insegurança do contribuinte e o leva a propor a ação. O contribuinte pensa: ‘tem um monte de decisão favorável. Mas e se depois muda? Ele [o tribunal] muda toda hora. Então, eu vou me proteger’. Quando o tribunal modula, está dizendo que mudou de ideia e protegendo aquela pessoa que confiou”, comenta.
Isonomia
Outra crítica de advogados às modulações do STJ nos Temas 986 e 1079 é que os critérios limitando os contribuintes a serem abarcados seriam anti-isonômicos. O advogado Eduardo Pugliese, sócio do schneider pugliese, destaca que os contribuintes possuírem ou não decisões favoráveis é um fator que não depende das empresas, estando sujeito às oscilações de jurisprudência entre os tribunais. O risco, segundo ele, é de um desequilíbrio concorrencial. “O STJ está reduzindo drasticamente [o número de contribuintes alcançados pela modulação] e quebrando o princípio da isonomia”, afirmou.
Pugliese também considera equivocada a escolha do STJ de utilizar uma decisão da 1ª Turma como marco temporal na modulação do caso TUST/TUSD. “É completamente arbitrário pegar uma decisão de turma, não unânime, e dizer que representa virada jurisprudencial”, avalia.
O advogado ainda critica a exclusão dos contribuintes que efetuaram depósito judicial do alcance da modulação. “Tem contribuinte que prefere, em vez de pedir liminar, depositar nos autos. São mais conservadores. E ele é prejudicado [por esse critério]. Qual é a mensagem que você manda para o mercado? Não seja conservador, não deposite dinheiro nos autos. Litigue, use a liminar, provisione e não dê dinheiro para o governo. Os precedentes têm essa força, definem uma regra de conduta”, acredita.
Distorção
Já o procurador Marcelo Kosminsky, coordenador-geral de atuação da PGFN perante o STJ, não acredita que os termos da modulação nos dois temas possam causar um aumento da judicialização. Para Kosminsky, a limitação do alcance aos contribuintes que obtiveram decisões favoráveis pode, ao contrário, contribuir para a correção de uma distorção do instituto da modulação, que é o ajuizamento de ações em massa quando uma tese tributária está para ser decidida.
“Sempre que um tema é afetado, a gente espera um grande ajuizamento de ações, claramente distorcendo o motivo da modulação, que é a segurança jurídica. É um desvio do instituto, que precisa ser combatido. Esse novo requisito [do STJ], da decisão favorável, é muito interessante. Eu acho que vai desestimular [o ajuizamento de ações]”, avalia.
Embora considere o critério do STJ acertado, o procurador explica que a PGFN discordou da necessidade de modulação da decisão no julgamento do Tema 1079 (contribuições ao Sistema S). Durante a sessão, a proposta da relatora, ministra Regina Helena Costa, favorável à modulação, venceu por 3×2. Segundo Marcelo Kosminsky, a Fazenda concorda com o entendimento do ministro Mauro Campbell, que defendeu a não necessidade de modulação por entender que a jurisprudência anterior sobre o tema na Corte não era favorável ao contribuinte, uma vez que só há duas decisões colegiadas nesse sentido (REsp 953742/SC, de 2008, e REsp 1570980/SP, de 2020), além de diversas decisões monocráticas.
Conforme o procurador, a Fazenda aguarda a publicação do acórdão referente ao caso para avaliar a possibilidade de opor embargos de declaração suscitando essa questão. Kosminsky argumenta que em um dos precedentes colegiados, o REsp 1570980/SP, o limite de 20 salários mínimos foi afastado em sede de embargos de declaração. Além disso, segundo ele, alguns julgados monocráticos favoráveis ao contribuinte foram revistos após interposição de agravo. Outro ponto que pode levar à oposição de embargos, conforme o procurador, diz respeito a uma possível omissão.
A PGFN quer que o STJ esclareça se, no caso dos contribuintes alcançados pela modulação, o teto-limite de 20 salários mínimos deve ser aplicado sobre o salário dos trabalhadores, individualmente, ou sobre toda a folha de pagamento. A Fazenda defende a primeira alternativa.
Mariana Branco
Repórter