CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DO PROCESSO-CRIME. EXCEPCIONALIDADE. JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO PENAL. ATIPICIDADE. MATÉRIA DECIDIDA PELA TERCEIRA SEÇÃO NO HC 399.109/SC. (DECLARAÇÃO DO IMPOSTO DEVIDO EM GUIAS PRÓPRIAS. IRRELEVÂNCIA PARA A CONFIGURAÇÃO DO DELITO. TERMOS “DESCONTADO E COBRADO”. ABRANGÊNCIA. TRIBUTOS DIRETOS EM QUE HÁ RESPONSABILIDADE POR SUBSTITUIÇÃO E TRIBUTOS INDIRETOS. DENÚNCIA INEPTA. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. REsp 1.112.748/TO, REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. TRIBUTO MUNICIPAL. NÃO APLICAÇÃO. DIFICULDADE FINANCEIRA DA EMPRESA. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. INSTRUÇÃO DEFICIENTE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. 2. Embora não se admita a instauração de processos temerários e levianos ou despidos de qualquer sustentáculo probatório, nessa fase processual deve ser privilegiado o princípio do in dubio pro societate. De igual modo, não se pode admitir que o Julgador, em juízo de admissibilidade da acusação, termine por cercear o jus accusationis do Estado, salvo se manifestamente demonstrada a carência de justa causa para o exercício da ação penal. 3. A questão relativa à atipicidade da apropriação indébita tributária foi pacificada no âmbito da Terceira Seção, na ocasião do julgamento do HC 399.109/SC, no qual se firmou o entendimento de que “o sujeito ativo do crime de apropriação indébita tributária é aquele que ostenta a qualidade de sujeito passivo da obrigação tributária, conforme claramente descrito pelo art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, que exige, para sua configuração, seja a conduta dolosa (elemento subjetivo do tipo), consistente na consciência (ainda que potencial) de não recolher o valor do tributo devido. A motivação, no entanto, não possui importância no campo da tipicidade, ou seja, é prescindível a existência de elemento subjetivo especial.” 4. Asseverou-se, ainda, que “a descrição típica do crime de apropriação indébita tributária contém a expressão “descontado ou cobrado”, o que, indiscutivelmente, restringe a abrangência do sujeito ativo do delito, porquanto nem todo sujeito passivo de obrigação tributária que deixa de recolher tributo ou contribuição social responde pelo crime do art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, mas somente aqueles que “descontam” ou “cobram” o tributo ou contribuição.” 5. Conclui-se, assim, que “a interpretação consentânea com a dogmática penal do termo “descontado” é a de que ele se refere aos tributos diretos quando há responsabilidade tributária por substituição, enquanto o termo “cobrado” deve ser compreendido nas relações tributárias havidas com tributos indiretos (incidentes sobre o consumo)”. 6. No caso em exame, verifica-se que a denúncia narra todos os aspectos constitutivos do tipo previsto no art. 2º, II, da Lei n. 8.137/1990, na medida em que os recorrentes, administradores da empresa GESTHO, deixaram de recolher o ISSQN, descontado (retido na fonte dos prestadores de serviços), na qualidade de sujeito passivo da obrigação, por anos seguidos (de janeiro de 2012 a dezembro de 2015), resultando na supressão/redução de carga tributária avaliada em pouco mais de R$ 8.800.000,00 (oito milhões e oitocentos mil reais). Assim, os recorrentes deixaram de recolher, no prazo legal, na qualidade de sujeito passivo de obrigação tributária, valor do tributo (ISSQN) descontado dos prestadores de serviços da empresa e que deveria recolher aos cofres públicos. 7. A Terceira Seção desta Corte Superior firmou orientação, no julgamento dos REsps 1.709.029/MG e 1.688.878/SP, representativos da controvérsia, no sentido de que incide o referido princípio aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar a quantia de vinte mil reais, estabelecida no art. 20 da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75 e 130, ambas do Ministério da Fazenda, o que não se verifica na espécie. 8. Hipótese em o referido entendimento tem aplicação somente aos tributos da competência da União. Para ser estendido ao âmbito municipal, necessária seria a existência de lei local no mesmo sentido, o que não restou demonstrado no recurso. 9. Em sede de recurso em habeas corpus, a prova deve ser pré-constituída e incontroversa, cabendo ao recorrente apresentar documentos suficientes à análise de eventual ilegalidade flagrante no ato atacado. 10. Na espécie, a alegação de que “a inadimplência se deve a grave dificuldade financeira suportada pela empresa gerida” pelos recorrentes, razão pela qual não houve a intenção de lesar o fisco, não restou comprovada nos autos, não sendo suficiente a simples transcrição de suposta declaração do fisco municipal acerca do parcelamento da dívida tributária. 11. Recurso não provido. Liminar cassada. RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 90.109 – MG, DJ 25/03/2019.