O Brasil, em meio à essa crise sem precedentes, precisa capacitar e desenvolver novas competências para seus cidadãos. Uma boa maneira de fazer isso seria por meio de bons cursos de pós-graduação lato sensu, MBA’s e especializações na área de saúde. Por isso, é importante estimular a oferta de cursos com viés profissional e de alta qualidade, com aplicabilidade e que sejam capazes de gerar impacto social.
Universidades, centros universitários e faculdades oferecem cursos desse tipo, vários deles de um nível muito elevado. Algumas instituições públicas também fazem isso, por meio de escolas de governo, o que é ótimo. Todavia, a opção de entidades privadas exclusivamente criadas e preparadas para educação profissionalizante por meio de cursos de especialização é fundamental para o desenvolvimento do país.
Instituições privadas detém um ‘saber fazer’ que não pode ser dispensado, tal como as boas escolas de governo entendem, na prática, quais as habilidades e competências estão sendo demandadas. Além disso, dispõem de recursos que podem ser imediatamente usados para ampliar opções de reskilling e upsklilling, permitindo a adaptação e o desenvolvimento da atual força de trabalho às novas condições de trabalho. Dessa forma, os alunos têm acesso às atividades práticas realizadas nestas Instituições no próprio ambiente de trabalho, geralmente sendo importantes referências em suas áreas de atuação e gerando maior efetividade na aprendizagem.
A ideia é simples, mas desde 2010 esta ideia foi retirada da agenda do Poder Executivo ou, mais especificamente, do MEC. A década já passada desde então mostra uma postura de Estado, não de Governo. Há rumores de que poderia existir uma questão comercial, pois o mercado de cursos de especialização é uma parte importante do mercado educacional. Também costuma ser ventilado o argumento de que as organizações administrativas tradicionais — faculdade e universidades — são as únicas capazes de garantir qualidade na educação, mas esse argumento, além de não ser compatível com a experiência internacional e dos melhores cursos de pós-graduação no Brasil oferecidos justamente por organizações relacionadas à prática profissional, contrasta com a manutenção das escolas de governo, que são exclusivamente credenciadas para a pós-graduação.
Fato é que, há dez anos instituições privadas da mais alta qualidade não conseguem mais se credenciar para oferta de educação superior se não oferecerem cursos de graduação. Esta é uma situação estranha, que não melhora o cenário da oferta de cursos de pós-graduação de qualidade.
Atualmente, o problema não é normativo. A União reformou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996) para, consecutivamente, modernizar as regras sobre a oferta de educação profissional e tecnológica (2008) e para tornar o ensino médio mais aberto à formação profissional (2017). Além disso, em abril de 2018, a Resolução CNE/CES 01/2018 estabeleceu novas diretrizes e normas para a oferta dos cursos de pós-graduação lato sensu denominados cursos de especialização, prevendo, expressamente, a figura das instituições privadas com credenciamento exclusivo para esse nível de ensino.
Porém, estranhamente, o MEC segue resistindo. Mantém apenas o credenciamento exclusivo de instituições públicas e restringiu, inclusive, as potenciais parcerias, reiterando seu posicionamento contra a oferta de pós-graduação lato sensu por instituições privadas que não desejam ser faculdades e oferecer cursos de graduação. O que acaba favorecendo interesses individuais de grupos específicos, criando prerrogativas quase monopolísticas e indo na contramão das liberdades empresariais.
O problema, agora, é que essa resistência é ilegal. A resolução citada garante o direito ao credenciamento e o próprio MEC, por meio de portaria que divulgou o calendário regulatório em meados de 2020 se comprometeu a orientar as instituições e abrir o protocolo para o credenciamento no mês de dezembro, por meio de seu sistema eletrônico. Diante disso, ao não viabilizar os pedidos de credenciamento neste mês, o MEC descumpriu as normas, cometeu ilegalidade, e não apresentou justificativas plausíveis para tal fato.
Reagindo a essa inércia, a Associação Brasileira das Instituições de Pós-graduação, ABIPG, propôs mandado de segurança que foi imediatamente acatado para determinar que a Secretaria de Regulação do MEC “… disponibilize a funcionalidade de credenciamento exclusivo às associadas da impetrante, no prazo de 05 (cinco) dias”. No texto da decisão a Juíza contatou que: “Pela leitura dos dispositivos legais, bem como dos documentos acostados aos autos, depreende-se que as instituições de ensino de pós-graduação, representadas pela impetrante, devem proceder ao credenciamento exclusivo por meio de instrução processual do MEC, cujo processo deve ser protocolizado junto à Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior — SERES, exclusivamente em meio eletrônico”.
Não é bom que, em um momento no qual toda colaboração para a oferta de ensino de qualidade é necessária, os esforços, recursos financeiros e humanos das instituições tenham de ser direcionados para uma demanda judicial. Entretanto, sendo isso necessário, a decisão se mostra um resultado importante, um pequeno indicativo de que é necessário mudar as políticas e a regulação da educação superior.
Enfim, a educação profissional tem agora uma janela de oportunidade, uma expectativa positiva de que, finalmente, as normas sejam cumpridas e as instituições que demonstrarem qualidade sejam efetivamente integradas ao sistema federal de ensino mediante credenciamento. E para a população a boa notícia será o aumento da oferta de cursos e a possibilidade de atualização de habilidades e conhecimentos em instituições que fornecerão certificados com validade nacional, em um nível de qualidade superior ao que vem sendo oferecido hoje no mercado.
Por Marcelo Saraceni e Edgar Jacobs, da ABIPG
Fonte: Os próprios autores