Somente outra lei poderia revogar a dedutibilidade dos juros pagos pelas cooperativas aos seus associados.
Questão de grande embate entre os contribuintes e as autoridades tributárias, e que se encontra sem uma definição concreta, é o correto enquadramento tributário das cooperativas, seja qual for a sua atividade. E, assim o é, de um lado, pelo fato de a nossa legislação sobre cooperativas ser deveras incompleta e, de outro, pela existência de posicionamentos conflitantes entre o legislativo e o executivo.
Uma das recentes discussões gira em torno da possibilidade que o legislador conferiu às sociedades cooperativas de deduzirem os valores repassados aos seus associados por meio de juros calculados à proporção das quotas integralizadas, limitados a 12% ao ano, de acordo com o artigo 24, parágrafo 3º, da Lei nº 5.764, de 1971.
Somente outra lei poderia revogar a dedutibilidade dos juros pagos pelas cooperativas aos seus associados.
Com rigor, percebe-se que tais juros são semelhantes aos juros sobre o capital próprio, previstos no artigo 9° da Lei nº 9.249, de 1995, e no artigo 357 do Decreto nº 9.580, de 2018, comumente tratados pela sigla JCP. Ou seja, tanto os JCP quanto os juros pagos por cooperativas aos seus associados têm natureza jurídica semelhante. Quanto à natureza jurídica dos juros sobre o capital próprio, nos parece cristalino que a Receita Federal do Brasil (RFB) lhe conferiu natureza de despesa financeira, conforme disposição expressa do artigo 29, parágrafo 3°, da Instrução Normativa nº 11, de 1996. Em contrapartida, o beneficiário de tais valores deverá registrá-los como receita financeira.
No que tange à dedutibilidade dos juros sobre o capital próprio, tem-se que, em relação ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ), o artigo 357 do Decreto nº 9.580, de 2018, determina que são dedutíveis os juros pagos pelas cooperativas a seus associados, de até 12% ao ano sobre o capital integralizado. Quanto à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), tem-se que a Lei nº 8981, de 1995, determina que se aplicam à CSLL as mesmas normas de apuração e de pagamento estabelecidos para o IRPJ. Daí que é nítida a possibilidade de as sociedades cooperativas deduzirem da base de cálculo do IRPJ e da CSLL os juros repassados aos seus associados.
Ocorre que, desrespeitando toda a legislação aplicável ao caso, foi promulgada a Instrução Normativa nº 1.700, de 2017, com o objetivo principal de dispor sobre a determinação e o pagamento do Imposto de Renda e da CSLL das pessoas jurídicas. Especificamente com relação às cooperativas, a instrução normativa supramencionada alterou as regras referentes à possibilidade de dedução dos juros sobre capital da base de cálculo da CSLL, quando, em seu artigo 77, estabeleceu que não são dedutíveis, na apuração do resultado ajustado, os juros sobre o capital social pagos pelas cooperativas a seus associados. Daí que, ao dispor neste sentido, restou vedada a possibilidade de as sociedades cooperativas deduzirem da base de cálculo da CSLL os respectivos juros repassados aos seus associados.
Todavia, sabe-se que o ordenamento jurídico tributário é indecomponível, sendo estruturado por meio de veículos introdutores de normas que se encontram em diferentes níveis hierárquicos. A despeito deste sistema, tem-se que as normas são divididas entre fontes primárias e secundárias. Com efeito, são fontes primárias de nosso ordenamento, em ordem hierárquica, a Constituição Federal, as emendas constitucionais, as leis complementares e as leis ordinárias. Já as normas secundárias são subdivididas, em ordem hierárquica, em medidas provisórias, decretos e normas complementares.
Interessa-nos, nessa exposição jurídica, versar acerca das normas complementares. Nada mais são que diretrizes e orientações emitidas pelas autoridades tributárias competentes, introduzidas no sistema tributário por meio de portarias, instruções normativas, circulares, pareceres etc. Tais normas tem a finalidade de complementar as normas introduzidas pelas fontes primárias.
Claro está que a validade das instruções normativas (fontes secundárias) pressupõe a estrita observância dos limites impostos pelas normas introduzidas pelas fontes primárias a que se subordinam. Daí que se vierem a positivar em seu texto uma determinação que possa violar a hierarquia normativa posta, estarão viciadas de ilegalidade.
No presente caso, observa-se que a apuração da CSLL é realizada com base nas mesmas normas de apuração e de pagamento estabelecidas para o IRPJ, conforme versa o artigo 57 da Lei nº 8.981, de 1995 (fonte primária). Assim, para apurar as deduções e formas à base de cálculo da CSLL, deve-se observar que o artigo 357 do Decreto nº 9580, de 2018, determina a dedutibilidade dos juros pagos pelas cooperativas a seus associados, de até 12% ao ano sobre o capital integralizado.
Deste modo, somente outra lei, observado seus trâmites formais, poderia revogar a disposição expressa da Lei nº 8.981, de 1995, alterando assim a dedutibilidade dos juros pagos pelas cooperativas aos seus associados. O que, conforme demonstrado, não ocorreu no presente caso. Primordial, nesse momento, aguardar os posicionamentos jurisprudenciais acerca de tal ilegalidade cometida pela Receita Federal.
Valor Econômico – Por Ricardo Miara Schuarts e Cassius Vinicius Lobo – 31 de outubro de 2019