O Judiciário tem autorizado empresas a deduzir valores acumulados de juros sobre capital próprio da base de cálculo do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL. Há decisões favoráveis em três dos cinco tribunais regionais federais (TRFs), seguindo jurisprudência da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Os juros sobre capital próprio são uma forma de remuneração a sócios em substituição aos dividendos.
Podem ser reduzidos como despesa da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. É comum, porém, empresas adiarem a distribuição em algum período em que apuraram lucro, especialmente se precisam de recursos para novos investimentos.
Nesses casos, a Receita Federal considera irregular o uso do valor acumulado para reduzir os tributos a pagar.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou o assunto em 2009. De forma unânime, a 1ª Turma entendeu que a legislação não exige a distribuição e dedução dos juros sobre capital próprio no mesmo exercício em que foram gerados (REsp 1.086.752). A 2ª Turma ainda não enfrentou a questão. Mas está na pauta um recurso, que poderá ser julgado amanhã.
Para o relator do caso na 1ª Turma, ministro Francisco Falcão, de acordo com a Lei nº 9.249, de 1995, os juros sobre capital próprio são uma faculdade concedida à empresa, que pode fazer valer seu creditamento sem que ocorra o efetivo pagamento de maneira imediata, aproveitando-se da capitalização durante esse tempo.
“A legislação não impõe que a dedução dos juros sobre capital próprio deva ser feita no mesmo exercício-financeiro em que realizado o lucro da empresa”, diz em seu voto.
A decisão foi dada em recurso da Fazenda Nacional contra decisão do TRF da 4ª Região (região Sul) favorável a uma fabricante de alimentos. Em julgamento posterior, porém, o tribunal decidiu de forma oposta. O caso era de uma rede de supermercados. Ela recorreu ao STJ e conseguiu afastar a cobrança de impostos em decisão monocrática do ministro Benedito Gonçalves (REsp 1449465), com base no entendimento da 1ª Turma.
O TRF da 3ª Região, que abrange os Estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, também já oscilou, mas recentemente decidiu de forma favorável aos contribuintes. No começo do mês, a 6ª Turma seguiu o entendimento do STJ (processo nº 5001514-88.2017.4.03.6109).
Anteriormente, em março de 2019, o mesmo colegiado havia entendido que os juros sobre capital próprio possuem natureza jurídica de despesa, que deveria ser computada no exercício contábil-fiscal em que acontece (processo nº 5021700-92.2018.4.03.0000).
“Não é dado aos contribuintes agraciados com uma benesse modificar as regras a seu bel-prazer ou quando melhor lhe convierem”, afirma na decisão o relator, desembargador federal Luis Antonio Johonsom Di Salvo.
De acordo com o advogado Felipe Salomon, do escritório Levy e Salomão Advogados, que defendeu a empresa que venceu o processo no TRF da 3ª Região, a despesa só nasce quando se decide pelo pagamento. Por isso, acrescenta, deve ser deduzida no ano da deliberação .
Ainda segundo o advogado, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) tem recorrido ao STJ das decisões favoráveis aos contribuintes. Os ministros, porém, não têm levado os casos a julgamentos colegiados, já que há a decisão da 1ª Turma. “O STJ não teve muitas oportunidades de revisitar a matéria. É uma leitura literal do que está na lei”, diz Salomon.
Existem poucos julgados sobre o assunto no Judiciário porque, por muito tempo, a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) foi favorável, segundo Priscila Faricelli, sócia do Demarest Advogados.
A situação mudou com a reestruturação do órgão em 2015, após a Operação Zelotes. A partir daquele ano, as disputas migraram para a Justiça.
As decisões do STJ, acrescenta a advogada tributarista, não são vinculantes, por não haver julgamento de recurso repetitivo. Mas, afirma, podem ser observados pelos tribunais regionais federais.
No TRF da 5ª Região, que tem sob sua jurisdição os Estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe, também existe precedente favorável às empresas. A decisão afirma que a lei não determina a dedução dos juros sobre capital próprio no mesmo exercício-financeiro em que realizado o lucro da empresa (processo nº 0801127-36.2013.4.05.8300).
Na 2ª Região, que abrange Rio de Janeiro e Espírito Santo, há monocrática de maio de 2019, no mesmo sentido.
Após recurso da Fazenda, será analisada pela 3ª Turma (processo nº 0132963-41.2016.4.02.5101). Não foi localizado julgado sobre o tema no TRF da 1ª Região, que abrange 13 Estados e o Distrito Federal.
Em resposta ao Valor, a PGFN afirma que aos juros sobre capital próprio se aplica o regime de competência. Por isso, a compreensão de alguns tribunais violaria previsões das leis nº 6.404, de 1976, e nº 9.249, de 1995.
Fonte: Valor Econômico- 2/3/2020