Número crescente de ações são apresentadas, em meio à crise do coronavírus e à necessidade de fluxo de caixa.
Pedidos que antes eram pouco comuns na Justiça, com baixíssimas chances de sucesso, hoje são vistos como possível solução pelas empresas. Há um número crescente de ações sendo apresentadas, em meio à crise do coronavírus e à necessidade de fluxo de caixa, especialmente na área tributária. Já foram ajuizados processos para, por exemplo, acelerar a liberação de créditos fiscais e para levantar depósitos em dinheiro que servem como garantia em execuções fiscais.
Um dos pleitos dos contribuintes é para que o tempo que a Receita Federal tem para analisar os pedidos de liberação de créditos fiscais seja abreviado para 10 ou 15 dias – prazo muito menor do que o previsto em lei. O órgão tem até 360 dias para se manifestar sobre os casos de restituição e ressarcimento – quando os impostos que foram pagos a mais são devolvidos em dinheiro.
Advogados que trabalham na Roit, uma empresa de contabilidade e tecnologia, por exemplo, já ajuizaram sete processos desse tipo no Paraná e no Distrito Federal. “A liberação desse dinheiro vai ajudar a pagar funcionários, fornecedores. Vai fazer a economia circular de volta”, diz o sócio-diretor, Lucas Ribeiro.
A primeira resposta do Judiciário, no entanto, não foi positiva. A única das sete ações que já tem decisão tramita na 4ª Vara Federal de Curitiba. A juíza Soraia Tullio entendeu que, mesmo em situação de emergência, não há respaldo para que o magistrado fixe prazo diferente do previsto em lei.
“O deferimento importaria em dar preferência ao pedido recém-apresentado em detrimento daqueles que já extrapolaram o prazo legal de 360 dias ou que estão prestes a extrapolar”, afirma na decisão. “Importaria, assim, em verdadeira afronta ao princípio da isonomia, o qual deve prevalecer e ser defendido com ainda mais afinco em casos de calamidade pública, em que sobressai o sentimento de bemestar coletivo e não individual.”
É cedo ainda, no entanto, para dizer se essa tese irá ou não vingar, dizem especialistas. Leo Lopes, sócio do FAS Advogados, vê a decisão da juíza como correta do ponto de vista da legislação. O prazo de 360 dias está previsto no artigo 24 da Lei nº 11.457, de 2007. Por outro lado, entende, a situação atual do país tem de ser levada em conta.
“Quando falamos em um cenário tão catastrófico como o que estamos vivendo, de força maior, em que a economia está sendo afetada de modo tão relevante, as empresas tendo que fechar portas e até deixar de pagar salários, faz sentido que se possa abreviar o prazo”, afirma Lopes. “Claro que, para isso, tem que ficar demonstrado o prejuízo, tem que haver a comprovação clara da situação de emergência daquela empresa.
O advogado diz que isso já acontece, por exemplo, com o prazo para a renovação da certidão negativa de débitos (CND). A Receita tem 10 dias para apreciar o pedido, mas nos casos de urgência, os juízes costumam determinar a redução do tempo ou mesmo conceder o direito ao documento. “Há decisões nesse sentido, por exemplo, nos casos em que pode haver prejuízo muito grande ao contribuinte, como o de ser proibido de participar de uma licitação.”
Um outro filão que se abriu em meio à crise trata dos depósitos judiciais que são feitos pelas empresas como garantia às execuções fiscais – em que se discute a cobrança de tributos. A advogada Priscila Faricelli de Mendonça, sócia no escritório Demarest, diz que pelo menos cinco de seus clientes estão se organizando para pedir a troca ao Judiciário: retirar o dinheiro e oferecer um seguro como garantia à dívida.
“Esse, normalmente, é um pedido missão impossível. As procuradorias são contra e os juízes não costumam deferir. Mas estamos fazendo despachos virtuais e temos percebido que os juízes, em razão da crise do coronavírus, estão mais sensíveis a essa questão”, afirma.
O seguro garantia custa, para as empresas, entre 0,3% e 2% do valor da dívida por ano, diz o advogado Filipe Richter, sócio da área tributária do escritório Veirano. “É bastante vantajoso e, por isso, entrou na legislação alguns anos atrás”, frisa.
Essa modalidade é permitida pela Lei nº 13.043, de 2014 – que alterou a de nº 6.830, de 1980, sobre cobrança judicial da dívida ativa. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), porém, prefere o depósito judicial pelo fato de o valor integral do débito ficar disponível para a União, em conta do Tesouro Nacional.
“A questão é que, agora, existe uma situação diferenciada. A liberação de um depósito judicial pode salvar folha de salários”, diz Richter. O advogado entende que, nesse momento de crise, cabe inclusive pedido de substituição dos depósitos por bens penhoráveis – imóveis, por exemplo. Não se tem notícias ainda de decisões relacionadas a esses pedidos.
Valor Econômico – Por Joice Bacelo – 27 de março de 2020