O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) decidiu que é constitucional a exigência de um diferencial de alíquotas de ICMS nas operações com empresas de outros Estados – o valor é exigido para a repartição do ICMS entre o Estado de origem e o de destino da mercadoria. O entendimento evita um rombo de R$ 6 bilhões nas contas do governo fluminense. O montante é uma estimativa do que poderia ser devolvido aos contribuintes em caso de derrota, relativo aos últimos cinco anos.
Apesar da vitória, o Rio, hoje com uma dívida ativa de R$ 106 bilhões, ainda corre esse risco. Assim como todos os Estados do país. Isso porque a maioria editou leis para determinar a cobrança do diferencial, mas não há na Lei Kandir (Lei Complementar nº 87, de 1996, que trata do ICMS) essa previsão.
A Constituição trata da questão. Determina que o Estado do destinatário do produto pode recolher o diferencial de alíquotas nas operações interestaduais (artigo 155). Contudo, também estabelece que só lei complementar – e não lei estadual – deve definir os fatos geradores, as bases de cálculo e os contribuintes do ICMS (artigo 146).
Por isso, tanto Estados como empresas esperam que o Supremo Tribunal Federal (STF) analise a constitucionalidade do diferencial. Por enquanto, há ao menos uma decisão de turma do STF favorável à necessidade de lei complementar (RE 580903) e outra contrária (RE 725.653). Contra ambas não cabe mais recurso.
Para o advogado Igor Mauler Santiago, sócio do Mauler Advogados, a questão exige análise do STF. “Os votos vencedor e vencido do Órgão Especial do TJ-RJ citam decisões do Supremo. Mas elas ou trataram de assunto diverso ou deixaram de entrar na discussão específica da validade da cobrança do diferencial sem prévia lei complementar”, afirma.
A decisão favorável aos contribuintes, de 2012, é da 1ª Turma. “A afirmativa do recorrente [Paraná] de não haver nenhum dispositivo constitucional que disponha caber à lei complementar estabelecer o diferencial entre a alíquota interna e a interestadual evidentemente improcede”, diz o relator e ex-ministro Joaquim Barbosa no voto.
A decisão contrária, de 2017, também é da 1ª Turma. “Constato que a Lei Complementar 87/1996 é, de fato, omissa a respeito. Porém, a Carta Magna já estabelece, em seu próprio bojo, os critérios necessários à cobrança, dispensando previsão específica em lei complementar”, diz a relatora, ministra Rosa Weber.
No TJ-RJ, o Órgão Especial analisou a questão em Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade relacionado à importação de uma antena pela Editora Abril (processo nº 0180015-44.2009.8.19.0001) para a TVA (atual Vivo TV). O produto chegou pelo Espírito Santo e foi para o Rio sem o pagamento do diferencial de ICMS, de 13%. O valor cobrado é de R$ 549 mil.
A 5ª Câmara do TJ-RJ levou a discussão sobre a constitucionalidade do inciso 6º do artigo 3º da Lei estadual nº 2.657, de 1996, que exige o pagamento do diferencial no Rio, para o Órgão Especial. Por 21 a 3 votos, os desembargadores entenderam que não é necessária previsão na Lei Kandir.
“Alegamos que se o dispositivo do Rio fosse declarado inconstitucional, o Estado seria o único que não poderia cobrar o diferencial entre a alíquota interestadual e a interna”, afirma Andre Serra Alonso, procurador assistente da dívida ativa do Estado. “Assim, em qualquer compra de ativo para o processo produtivo, ficaria mais barato adquirir de fora do que do parque industrial fluminense”, completa. De acordo com ele, por ano, são arrecadados cerca de R$ 1 bilhão de diferencial de ICMS.
Cabe recurso da decisão para o Supremo. “Mas já estamos usando o julgado nos outros processos, para as ações em tramitação e futuras, na Procuradoria-Geral do Estado do Rio”, diz Alonso.
A Abril ainda pode recorrer no próprio TJ-RJ, segundo Luis Eduardo Schoueri, sócio do escritório Lacaz Martins Advogados, que a representa no processo. “A Lei Kandir não cogitou o diferencial de alíquotas, somente o Convênio do Confaz nº 66, de 1988”, diz.
Segundo o tributarista, com a decisão, o processo volta para a Câmara do TJ-RJ, onde a Abril deve alegar que não tem ICMS a pagar. “Na época da operação, não vigorava a Lei Complementar nº 102, de 2000. Foi esta norma que deixou de autorizar que se tome o crédito total do imposto na entrada da mercadoria.”
De acordo com o advogado Francisco Lisboa Moreira, sócio do Bocater Advogados, no Rio a situação é mais complicada porque há a obrigação de recolher o diferencial em dinheiro. “Em outros Estados também há essa discussão”, diz.
No Estado de São Paulo, onde a dívida ativa é de R$ 357 bilhões, já há decisão do Tribunal de Justiça contrária ao contribuinte (processo nº 2019.0000598813). “Mas como ainda há a necessidade de definição pelo STF, minha recomendação é que vale a pena continuar litigando”, afirma Moreira. Por nota, a PGE-SP informa que há “poucas ações em São Paulo, todas com decisão favorável ao Estado.
Fonte: Valor -09/09/2019
Por Laura Ignacio