Os contribuintes perderam, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a discussão sobre o direito de tratar de compensação – o uso de crédito para pagar tributos – nas ações de execução fiscal. Havia a expectativa de que a 1ª Seção decidisse sobre o tema ontem. Os ministros, porém, barraram a análise do caso. Afirmaram que as duas turmas de direito público têm o mesmo entendimento sobre a matéria e, sem divergência, não poderiam julgar.
A discussão trata dos casos em que a Fazenda não concorda com o encontro de contas feito pelo contribuinte, por entender que o crédito era indevido, e entra com processo para cobrar o tributo que ficou descoberto.
Prevalece, no STJ, o entendimento de que as ações de execução fiscal são específicas para discutir débitos. Os contribuintes, portanto, não poderiam usar como defesa contra essas cobranças a alegação de que existe um crédito negado administrativamente – nem discutir se tem ou não direito a esse crédito.
Advogados tributaristas afirmam que, nesse formato, os contribuintes não têm chances contra o Fisco. As compensações, por si só, dizem, seria uma confissão de que o tributo é devido. Além de perder e ter que pagar os valores ao governo, acrescentam, os créditos que entendem ter direito e foram negados por decisão administrativa também ficam comprometidos.
Esse tema chegou à 1ª Seção do STJ por meio de um recurso apresentado pela Raízen Combustíveis (EREsp nº 1795347). A empresa levantou discussão sobre a interpretação do parágrafo 3º do artigo 16 da Lei de Execuções Fiscais (nº 6.830, de 1980). Consta nesse dispositivo que não se pode tratar de compensação nas ações de execução fiscal.
O advogado Eduardo Maneira, representante da Raízen nesse caso, tentou convencer os ministros de que o impedimento é para que o contribuinte pleiteie a extinção do tributo por uma compensação a ser realizada – proposta na própria ação de execução. É diferente, ele disse, de compensações já efetuadas e não reconhecidas administrativamente. Para essa segunda hipótese, não haveria vedação.
“O contribuinte defende que o débito que está sendo cobrado já foi pago por entender que a compensação anterior à ação de execução é legítima”, afirmou, durante o julgamento. O advogado chamou a atenção dos ministros de que a sistemática que permite usar crédito para pagar tributo sequer existia quando o artigo 16 foi criado. “É de 1980 e a compensação só foi permitida em 1991.”
O advogado da Raízen destacou ainda que esse tema foi julgado em caráter repetitivo no ano de 2010 de forma favorável ao contribuinte. “Era uma situação idêntica, de uma empresa que teve o crédito indeferido administrativamente”, disse.
Esse julgamento, no entanto, tem interpretação diferente entre os ministros.
Prevalece, nas turmas, a leitura que foi feita pela Fazenda Nacional, de que somente compensações homologadas poderiam ser tratadas nas ações de execução.
Advogados de contribuintes, porém, não veem lógica. Afirmam que se a compensação for homologada, não haverá ação de execução porque o débito terá sido coberto pelo crédito.
Os ministros da 1ª Seção, no entanto, não analisaram o mérito. O relator, ministro Gurgel de Faria, disse que existiam decisões favoráveis ao contribuinte na 1ª Turma, mas eram antigas. “A 1ª Turma se alinhou ao entendimento da 2ª Turma e hoje não há mais divergência”, afirmou ele, ao votar pelo não conhecimento do recurso da Raízen.
A ministra Assusete Magalhães ponderou que essa discussão ainda pode ser tratada pelos contribuintes nas turmas do STJ. O entendimento foi unânime. A Seção aplicou ao caso a Súmula 168 do tribunal. Consta, no texto, que não cabem embargos de divergência quando a jurisprudência se formou no mesmo sentido da decisão que a parte pretende recorrer.
“Essa decisão é muito ruim para o contribuinte. Terá que esperar até que alguma das turmas se predisponha a rever as decisões, proclamar a favor do contribuinte, e, aí sim, abrir uma nova porta para discutirmos na Seção, seja por afetação de repetitivo ou por embargos de divergência”, diz o tributarista Julio Janolio, do escritório Vinhas & Redenschi.
Também especialista na área, Bárbara Cristina Romani Silva, do escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, observa que, com esse entendimento, as compensações indeferidas administrativamente só poderão ser discutidas por meio de ações anulatórias, que, via de regra, exigem a garantia do débito – por depósito ou seguro. “Gera uma onerosidade ainda maior para as empresas na lide judicial”, ela afirma.
Há preocupação entre advogados, ainda, com os riscos de perda do direito de uso dos créditos. Isso por conta do prazo de prescrição. Os contribuintes têm cinco anos, contados do recolhimento do tributo indevido, para recuperar o crédito. Há jurisprudência no STJ de que o pedido de compensação ou de ressarcimento na esfera administrativa não interrompe esse prazo.
Valor Econômico – Por Joice Bacelo, 28/10/2021