ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação em face de sentença de fls. 192/198 extinguiu, sem resolução de mérito, processo pelo qual o impetrante objetivava a não incidência do Fator Acidentário de Prevenção na respectiva contribuição ao SAT/GILRAT.
Alega a recorrente, em síntese, violação ao princípio da legalidade
Contrarrazões às fls. 224/241.
Parecer do MPF pelo provimento parcial do recurso.
É o relatório.
VOTO
Preliminarmente, afasto a sentença terminativa (por inadmitir o writ contra lei em tese), visto já ter julgado o mérito de inúmeros casos símiles.
Passo à análise do caso, com fulcro no art. 515, §3º, do Código Buzaid (art. 1.013, §3º, do CPC/2015), consubstanciação da teoria da causa madura.
A Lei de Custeio da Seguridade Social (Lei nº 8.212/1991) prevê em seu art. 22, II, contribuição previdenciária adicional a cargo das empresas para financiar os benefícios da aposentadoria especial previstos nos arts. 57 a 58 da Lei nº 8.213/1991, bem como benefícios advindos de incapacidade laboral por acidente de trabalho.
Comumente era conhecida por contribuição ao Seguro Acidente de Trabalho (SAT); atualmente, contribuição em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho – GILRAT.
Foi estabelecida pela lei alíquotas de 1, 2 e 3%, consoante grau de risco (leve, médio, grave) de acidente de trabalho da atividade desenvolvida, prevendo-se que o Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderia alterar, com base nas estatísticas de acidentes do trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas para efeito da contribuição, a fim de estimular investimentos em prevenção de acidentes (§3º).
Tal remissão a atos infralegais para efeito de determinação da alíquota aplicável foi questionada pelos contribuintes sob o argumento de que feriria o princípio tributário da reserva legal. Arguição esta que, todavia, foi afastada pelo Pretório Excelso, que assentou que a lei definia satisfatoriamente a exação e que sua complementação por regulamento não ofendia a Constituição:
Outrossim, sua legalidade já foi afirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, consoante se dessume do enunciado da Súmula nº 351/STJ.
Ato contínuo, a Lei nº 10.666/2003 previu, em seu art. 10, a possibilidade de redução de até 50% e majoração de até 100% dessas alíquotas, conforme dispusesse o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS).
Tal previsão foi regulamentada pelo Decreto nº 6.042/2007, incluindo o art. 202-A no Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/1999) que previu elemento denominado Fator Acidentário de Prevenção (FAP).
O mesmo raciocínio do RE nº 343446 há de ser empregado com relação à aplicação do FAP. Não há que se falar em inconstitucionalidade ou ilegalidade em razão da majoração da alíquota se dar por critérios definidos em decreto. Todos os elementos essenciais à cobrança da contribuição em tela encontram-se previstos em lei, não tendo o Decreto nº 6.957/09, extrapolado os limites delineados no art. 22, inciso II, da Lei nº 8.212/91 e no art. 10 da Lei nº 10.666/03.
Ou seja, da mesma forma que o STF concluiu pela constitucionalidade e legalidade da definição das alíquotas diferenciadas de 1%, 2% e 3% em função do grau de risco (leve, médio e grave), através de critérios definidos em decreto regulamentar, é de se concluir também pela constitucionalidade e legalidade da redução e majoração da alíquota, de 50% a 100%, em função do desempenho da empresa, conforme critérios definidos no regulamento e metodologia apurada pelo CNPS.
Deveras, dado seu caráter extremamente abstrato, não é possível ou desejável à lei adentrar em caracteres técnicos particulares, ficando a cargo dos atos infralegais, observadas as diretrizes legais, fixar os parâmetros relativos à análise de situações concretas.
Atento que, posteriormente, foi verificado que os parâmetros utilizados eram deficientes, porquanto o quantum arrecadado para fins dos benefícios arrecadados era consideravelmente inferior aos gastos acidentários da Previdência, sendo necessária novel metodologia que efetivamente implementasse a equidade na forma de custeio e o equilíbrio atuarial do sistema, o que ocorreu com o advento do Decreto nº 6.957/2009, que definiu o FAP como multiplicador variável num intervalo contínuo de cinco décimos (0,5000) a dois inteiros (2,0000) – art. 202-A, §1º, do RPS.
Atento que a apelante argui que teve um considerável aumento da quantidade de acidentes de trabalho a partir da implementação da nova sistemática.
Tal se deve ao fato de que a regulamentação anterior era prementemente baseada na Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), documento pelo qual o empregador notifica acidente de trabalho ou de trajeto e doença ocupacional.
Muito embora as sociedades empresárias tivessem obrigação de comunicar tais sinistros até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, sob pena de multa (arts. 286 e 336 do RPS), mesmo assim, para evitar a majoração de suas alíquotas, observava-se uma subnotificação dos empregadores quanto a tais acontecimentos.
Aperfeiçoando tal modelo, a novel sistemática (Resolução CNPS n. 1.308, de 27.5.2009, alterada em seu Anexo I pela Resolução MPS/CNPS n. 1.316, de 31.5.2010) tem como base, além da CAT, registros de concessão de benefícios acidentários que constam nos sistemas informatizados do INSS, concedidos a partir de abril de 2007, sob a nova abordagem dos nexos técnicos aplicáveis pela perícia médica da autarquia, destacando-se aí o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário NTEP.
Este está previsto no art. 21-A da Lei nº 8.213/1991, que prevê que a perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa ou do empregado doméstico e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID), em conformidade com o que dispuser o regulamento.
Ressalte-se que os empregadores podem insurgir-se contra o estabelecimento do Nexo, dentro dos prazos dispostos na Instrução Normativa INSS/PRES nº 31, de 10 de setembro de 2008.
Adicionalmente, a metodologia utiliza dados populacionais empregatícios registrados no Cadastro Nacional de Informações Social – CNIS, e a expectativa de sobrevida do segurado a partir da tábua completa de mortalidade construída pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Assim, a insurgência apresentada pela autora que, como parte considerável dos contribuintes, teve sua alíquota incrementada, é, na verdade, contra o fato de que a nova sistemática tem um campo de dados muito mais abrangente, que lhe permite verificar a situação real de cada empresa, diferentemente do que ocorria no passado, em que era muito mais fácil mascarar os números reais de acidentes.
O cálculo para aferimento do FAP utiliza-se dos percentis de frequência, gravidade e custo, por Subclasse da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE 2.0), de maneira a compor uma classificação do índice composto desses três fatores.
Por fim, após esse processo, é averiguado se a Taxa de Mortalidade no setor está acima da média nacional ou se a Taxa de Rotatividade é superior a 75% (dobro da média nacional), caso em que é majorada de 1 a 2% a alíquota do CNAE.
Como se observa, o cálculo foi objetivo e embasado em uma ampla rede de dados públicos, afastando-se a pecha de qualquer arbitrariedade.
Advirto que o princípio da igualdade na sua concepção material – ínsita aos direitos fundamentais denominados de segunda geração -, adotada pela Constituição, não significa impossibilidade de tratamento díspar na ótica individualista liberal, mas sim o conceito aristotélico de tratar diferentemente os desiguais. O que o art. 5º da Constituição veda são perseguições e discriminações odiosas, i.e., sem que não haja pertinência lógica entre o fator de discrímen escolhido pela norma e a finalidade para qual se propõe (Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade).
A igualdade de todos em relação a todas as posições jurídicas não produziria apenas normas incompatíveis com sua finalidade, sem sentido e injustas; ela também eliminaria as condições para o próprio exercício da competência legislativa.
A sistemática adotada consubstancia o princípio da equidade na forma de participação do custeio da Seguridade Social, conforme estabelece o inciso V do parágrafo único do artigo 194 da Constituição Federal, bem como a consolidação dos princípios da proporcionalidade e do equilíbrio atuarial.
Tem, além do mais, escopo extrafiscal de fortalecer a prevenção dos acidentes e doenças do trabalho, robustecendo as políticas públicas a fim de se alcançar avanços maiores rumo às melhorias ambientais no trabalho e à maior qualidade de vida para todos os trabalhadores do país.
Em outras palavras, há um suporte empírico para a diferenciação, que é um elemento pertinente com a finalidade normativa, e o elemento indicativo da medida de comparação possui uma relação causal estatisticamente fundada com a medida de comparação (cf. Humberto Ávila, Teoria da Igualdade Tributária, 3ª ed., pg.47-48).
Quanto à publicidade dos dados estatísticos constantes do Anexo V, do Decreto nº 3.048/99, com as alterações do Decreto nº 6.042/07, e posteriormente do Decreto nº 6.958/09, observo que a metodologia de cálculo do FAP foi aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS), órgão paritário, através das Resoluções nºs 1.308/09 e 1.309/09, sendo os “percentis” de cada um dos elementos gravidade, frequência e custo, por Subclasse, divulgado originariamente pela Portaria Interministerial MF/MPS nº 254, de 24 de setembro de 2009.
Desde então, Portaria anual respectiva torna públicos os índices que serão utilizados no ano seguinte (a atual é a Portaria nº 390 do MF, de 28 de setembro de 2016).
Ainda, publica-se anualmente no Diário Oficial da União os róis dos percentis, além de divulgar-se na rede mundial de computadores a discriminação dos elementos que compõem o FAP de cada contribuinte, o que permite aos mesmos a verificação de correção da alíquota aplicada, bem como sua performance relativamente à sua Subclasse (art. 202-A, §5º, do Decreto nº 3.048/99).
Adicionalmente, permite-se impugnação administrativa do Fator atribuído (art. 202-B), por meio de petição eletrônica, disponibilizada nos sítios da Previdência Social e da Receita Federal do Brasil, durante prazo estabelecido na Portaria do ano, cabendo, outrossim, recurso da decisão respectiva.
Por conseguinte, há um amplo acesso dos empregadores aos dados utilizados e possibilidade de correção por defesa, mostrando-se, assim, desarrazoada afirmação genérica de aumento arbitrário, sem sequer trazer aos autos a ampla gama de dados disponibilizados.
Não há que se falar, ainda, na necessidade de divulgação dos dados individuais para todos os outros contribuintes, uma vez que tal exigência encontra óbice no art. 198 do CTN que veda a divulgação de informações sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
Por fim, a insatisfação manifestada pelos contribuintes, em confronto com os elementos indicativos apresentados órgãos governamentais, tornam indispensáveis o oferecimento de elementos probatórios – o que restou desatendido -, ressaltando-se que a inclusão de acidentes in itinere no cálculo do FAP encontra respaldo no art. 21, IV, “d” da Lei nº 8.213/91 (Ac 00022601520104036100, Desembargadora Federal Ramza Tartuce, Quinta Turma, E-DJF3 Judicial 1 Data:25/09/2012; Ac: 1058 Sp 0001058-32.2012.4.03.6100, Relator: Juiz Convocado Paulo Domingues, Data de Julgamento: 27/08/2013, Primeira Turma).
Ressalto que, embora o CNPS, em 17.11.2016, tenha aprovado alterações no cálculo do FAP – inclusive para excluir do cômputo os acidentes de trajeto -, tal, por disposição expressa, apenas tem aplicabilidade para as contribuições a partir de 2018. Princípio da irretroatividade tributária, devendo as exações serem auferidas consoante a legislação (art. 96, CTN) vigente quando do fato gerador.
Observe-se que no sentido da constitucionalidade e legalidade da aplicação do fator acidentário de prevenção (FAP) já se fixou o entendimento desta Corte: AI 2010.03.00.002250-3, Rel. Des. Fed. Henrique Herkenhoff, Segunda Turma, j. 06/04/2010, DJF3 15/04/2010; AG nº 0002472-03.2010.4.03.0000 / SP, 5ª Turma, Relatora Desembargadora Federal Ramza Tartuce, j. 03/05/2010; AMS 00162247520104036100, DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, TRF3 – SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:28/05/2013; AMS 00195799320104036100, DESEMBARGADOR FEDERAL PEIXOTO JUNIOR, TRF3 – SEGUNDA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/12/2014; AC 00027760520104036110, DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, TRF3 – PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/12/2014; AC 00034507120064036126, DESEMBARGADORA FEDERAL CECILIA MELLO, TRF3 – DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:30/09/2014.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação apenas para afastar a sentença terminativa, mas, no mérito, denegar a segurança.