1 – Os princípios da livre admissibilidade da prova e da persuasão racional, nos termos do art. 130 do Código de Processo Civil/1973, autorizam o julgador a determinar as provas que entende necessárias à solução da controvérsia, bem assim a indeferir aquelas que considerar desnecessárias ou meramente protelatórias.
2 – É certo que o Método da Equivalência Patrimonial, previsto no artigo 248 da Lei nº 6.404/1976 e aceito pelo Fisco conforme os artigos 384 a 391 do RIR/99, cuja aplicação é defendida pelo apelante, acompanha o fato econômico, que é a geração dos resultados, baseando-se, em suma, no conceito de que os resultados e quaisquer variações patrimoniais de uma controlada ou coligada devem ser reconhecidos no momento de sua geração e que a adoção de tal método eliminaria distorções. No entanto, a discussão dos autos não se refere aos critérios contábeis adotados para a avaliação de investimentos, nem trata da aplicação ou não do método da equivalência patrimonial, tampouco se discute seus reflexos e diferenças provocadas no cálculo dos lucros, do patrimônio ou no valor de ações e reservas para distribuição.
3 – O mérito da lide consiste, em síntese, na discussão quanto a natureza jurídica da remuneração recebida, pelo proprietário, a título de instituição contratual de usufruto oneroso de ações e cotas, se tais valores recebidos do usufrutuário seriam equivalentes a ganho de capital ou a aluguel de ativos, para fins de tributação, e a consequência se a autuação incorresse em erro no regime dessa tributação, sendo que tais matérias são exclusivamente de direito, não demandando, portanto, perícia técnica.
4 – Inicialmente, convém destacar que, em suma, a propriedade é composta pelos direitos de usar (jus utendi), gozar ou fruir (jus fruendi), dispor (jus abutendi ou disponendi) e reaver (rei vindicato), nos termos do artigo 1.228, do Código Civil.
5 – Para se identificar a natureza jurídica das situações ora discutidas, cabe analisar seus conceitos à época dos fatos, disciplinados, portanto, pelo Código Civil/1916: Art. 713. Constitui usufruto o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade; Art. 714. O usufruto pode recair em um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades; (…) Art. 717. O usufruto só se pode transferir, por alienação ao proprietário da coisa; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso; Art. 718. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos.
6 – Cabe esclarecer que o caso dos autos não importa em exigir tributo não previsto em lei, pois o proprietário das ações auferiu receita/renda que deve ser tributada, conforme prevê a legislação. O usufruto oneroso, tal como a cessão onerosa temporária, assemelha-se ao instituto da locação, previsto no art. 1.188, do Código Civil de 1916, vigente à época.
7 – Na hipótese dos autos, não se está exigindo tributos não previstos em lei, pelo contrário. Na verdade, está se adotando a analogia como critério para aplicação da tributação, em uma situação cuja solução normativa não está expressamente prevista em lei, mas reclama, essencialmente, semelhante solução adotada em uma hipótese especificamente prevista. Ou seja, embora a regra existente não alcance, explicitamente, o caso concreto dos autos, este se assemelha com outro expressamente previsto, abstratamente, podendo, neste caso, compartilhar-se da mesma solução normativa prevista, em homenagem ao princípio da isonomia.
8 – Ao se compulsar os autos, constata-se que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, proferiu o entendimento segundo o qual, em operações de constituição de usufruto de ações, o valor recebido pela constituição do usufruto deve ser considerado como receita operacional para fins de incidência de Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (“IRPJ”), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), contribuição ao Programa de Integração Social (“PIS”), e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (“Cofins”), sendo apropriada pelo regime de competência e considerando como despesas os frutos que seriam gerados pelas ações no período do contrato. Dessa forma, o Contribuinte não teria reconhecido receitas com a constituição do usufruto, e, consequentemente deixou de oferecer esse ganho à tributação. Os valores recebidos pelo contribuinte teriam sido creditados em seu ativo, e não em seu resultado.
9 – O próprio CARF, quando proferiu sua decisão (acórdão administrativo nº 9101-01.140) reconheceu que se deveria aplicar o regime de competência no reconhecimento das receitas decorrentes do usufruto instituído, conforme artigos 177 e 187, §1º, da Lei nº 6.404/1976 e art. 9º da Resolução CFC nº 750/1993 e autorizou a revisão do lançamento. Todavia, a revisão do lançamento tributário por erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos) revela-se impossível, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no art. 146 do CTN, segundo o qual “a modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”. No mesmo sentido, a Súmula 227/TFR consolidou o entendimento de que “a mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de lançamento “.
10 – Em recente decisão, a Segunda Turma do STJ proferiu o seguinte entendimento: “A revisão do lançamento tributário, como consectário do poder-dever de autotutela da Administração, somente pode ser exercido nas hipóteses do art. 149 do CTN, observado o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário. Assim, a revisão do lançamento tributário por erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos) revela-se impossível, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no art. 146 do CTN”. (AgRg no REsp 1506189/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 01/10/2015, DJe 09/10/2015).
11 – Quanto ao assunto, convém também destacar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, no regime dos recursos repetitivos, verbis: “PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO E PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. IPTU. RETIFICAÇÃO DOS DADOS CADASTRAIS DO IMÓVEL. FATO NÃO CONHECIDO POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO ANTERIOR (DIFERENÇA DA METRAGEM DO IMÓVEL CONSTANTE DO CADASTRO). RECADASTRAMENTO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. REVISÃO DO LANÇAMENTO. POSSIBILIDADE. ERRO DE FATO. CARACTERIZAÇÃO.1. A retificação de dados cadastrais do imóvel, após a constituição do crédito tributário, autoriza a revisão do lançamento pela autoridade administrativa (desde que não extinto o direito potestativo da Fazenda Pública pelo decurso do prazo decadencial), quando decorrer da apreciação de fato não conhecido por ocasião do lançamento anterior, ex vi do disposto no artigo 149, inciso VIII, do CTN. 2. O ato administrativo do lançamento tributário, devidamente notificado ao contribuinte, somente pode ser revisto nas hipóteses enumeradas no artigo 145, do CTN, verbis: “Art. 145. O lançamento regularmente notificado ao sujeito passivo só pode ser alterado em virtude de: I – impugnação do sujeito passivo; II – recurso de ofício; III – iniciativa de ofício da autoridade administrativa, nos casos previstos no artigo 149.” 3. O artigo 149, do Codex Tributário, elenca os casos em que se revela possível a revisão de ofício do lançamento tributário, quais sejam: “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: I – quando a lei assim o determine; II – quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III – quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV – quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V – quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI – quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII – quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX – quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.” 4. Destarte, a revisão do lançamento tributário, como consectário do poder-dever de autotutela da Administração Tributária, somente pode ser exercido nas hipóteses do artigo 149, do CTN, observado o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário. 5. Assim é que a revisão do lançamento tributário por erro de fato (artigo 149, inciso VIII, do CTN) reclama o desconhecimento de sua existência ou a impossibilidade de sua comprovação à época da constituição do crédito tributário. 6. Ao revés, nas hipóteses de erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos), o ato administrativo de lançamento tributário revela-se imodificável, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no artigo 146, do CTN, segundo o qual “a modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”. 7. Nesse segmento, é que a Súmula 227/TFR consolidou o entendimento de que “a mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de lançamento”. 8. A distinção entre o “erro de fato” (que autoriza a revisão do lançamento) e o “erro de direito” (hipótese que inviabiliza a revisão) é enfrentada pela doutrina, verbis: “Enquanto o ‘erro de fato’ é um problema intranormativo, um desajuste interno na estrutura do enunciado, o ‘erro de direito’ é vício de feição internormativa, um descompasso entre a norma geral e abstrata e a individual e concreta. Assim constitui ‘erro de fato’, por exemplo, a contingência de o evento ter ocorrido no território do Município ‘X’, mas estar consignado como tendo acontecido no Município ‘Y’ (erro de fato localizado no critério espacial), ou, ainda, quando a base de cálculo registrada para efeito do IPTU foi o valor do imóvel vizinho (erro de fato verificado no elemento quantitativo). ‘Erro de direito’, por sua vez, está configurado, exemplificativamente, quando a autoridade administrativa, em vez de exigir o ITR do proprietário do imóvel rural, entende que o sujeito passivo pode ser o arrendatário, ou quando, ao lavrar o lançamento relativo à contribuição social incidente sobre o lucro, mal interpreta a lei, elaborando seus cálculos com base no faturamento da empresa, ou, ainda, quando a base de cálculo de certo imposto é o valor da operação, acrescido do frete, mas o agente, ao lavrar o ato de lançamento, registra apenas o valor da operação, por assim entender a previsão legal. A distinção entre ambos é sutil, mas incisiva.” (Paulo de Barros Carvalho, in “Direito Tributário – Linguagem e Método”, 2ª Ed., Ed. Noeses, São Paulo, 2008, págs. 445/446) “O erro de fato ou erro sobre o fato dar-se-ia no plano dos acontecimentos: dar por ocorrido o que não ocorreu. Valorar fato diverso daquele implicado na controvérsia ou no tema sob inspeção. O erro de direito seria, à sua vez, decorrente da escolha equivocada de um módulo normativo inservível ou não mais aplicável à regência da questão que estivesse sendo juridicamente considerada. Entre nós, os critérios jurídicos (art. 146, do CTN) reiteradamente aplicados pela Administração na feitura de lançamentos têm conteúdo de precedente obrigatório. Significa que tais critérios podem ser alterados em razão de decisão judicial ou administrativa, mas a aplicação dos novos critérios somente pode dar-se em relação aos fatos geradores posteriores à alteração.” (Sacha Calmon Navarro Coêlho, in “Curso de Direito Tributário Brasileiro”, 10ª Ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2009, pág. 708) “O comando dispõe sobre a apreciação de fato não conhecido ou não provado à época do lançamento anterior. Diz-se que este lançamento teria sido perpetrado com erro de fato, ou seja, defeito que não depende de interpretação normativa para sua verificação. Frise-se que não se trata de qualquer ‘fato’, mas aquele que não foi considerado por puro desconhecimento de sua existência. Não é, portanto, aquele fato, já de conhecimento do Fisco, em sua inteireza, e, por reputá-lo despido de relevância, tenha-o deixado de lado, no momento do lançamento. Se o Fisco passa, em momento ulterior, a dar a um fato conhecido uma ‘relevância jurídica’, a qual não lhe havia dado, em momento pretérito, não será caso de apreciação de fato novo, mas de pura modificação do critério jurídico adotado no lançamento anterior, com fulcro no artigo 146, do CTN, (…). Neste art. 146, do CTN, prevê-se um ‘erro’ de valoração jurídica do fato (o tal ‘erro de direito’), que impõe a modificação quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua ocorrência. Não perca de vista, aliás, que inexiste previsão de erro de direito, entre as hipóteses do art. 149, como causa permissiva de revisão de lançamento anterior.” (Eduardo Sabbag, in “Manual de Direito Tributário”, 1ª ed., Ed. Saraiva, pág. 707). (…) 10. Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do artigo543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008. (STJ. REsp 1130545/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, julgado em 09/08/2010, DJe 22/02/2011).
12 – No caso vertente, verifica-se que o lançamento original, ao apurar a renda tributável, observou o “regime de caixa“, o que ensejou a posterior retificação, pela própria Câmara Superior de Recursos Fiscais, posto se tratar da hipótese de se aplicar o “regime de competência” nos termos do artigo 177, da Lei nº 6.404/1976, hipótese que não se enquadra nos incisos do artigo 149, do Codex Tributário, razão pela qual se impõe a reforma da decisão, ante a impossibilidade da revisão do lançamento tributário nos casos de erro no critério jurídico, em homenagem aos princípios da legalidade e da segurança jurídica.
13 – Recurso de Apelação parcialmente acolhido. TRF3, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0008421-70.2012.4.03.6100/SP, julg. 22 de novembro de 2017.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso de apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 22 de novembro de 2017.
VOTO-VISTA
Cuida-se de recurso de apelação interposto em face da sentença de improcedência em ação de rito ordinário que objetiva a anulação de créditos tributários constituídos no PAF nº 16327.001653/2004-0, sob o argumento de que os valores recebidos do usufrutuário em decorrência de contrato de usufruto oneroso de ações e cotas não se classificam como receita operacional de aluguel de ativos, para fins de incidência de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.
Iniciado o julgamento, o E. Relator votou por dar parcial provimento ao recurso, para reconhecer nulidade do auto de infração por incorreção quanto à adoção do regime de caixa e por terem sido alterados, por decisão do CARF e do Fisco, os critérios e o fundamento dos lançamentos tributários originais.
Pedi vistas dos autos para melhor assenhorear-me acerca da controvérsia e, após análise acurada, concluí pelo acerto do voto do e. Relator.
Não houve cerceamento de defesa pela não produção da prova pericial contábil, eis que a discussão está adstrita à natureza jurídica da operação, matéria esta de direito, e não à sua contabilidade.
No mérito, inegável a similitude do usufruto oneroso com o instituto da locação, reclamando semelhante solução diante da ausência de previsão normativa expressa, em respeito ao princípio da isonomia, sem que isso se afigure “exigência de tributo não previsto em lei”.
Ao contrário do que pretende a autora, descabida a tributação dessa receita como ganho de capital, porquanto pressupõe uma alienação de bem, o que inocorre no usufruto.
Por fim, acompanho o e. Relator também quanto à reforma parcial da r. sentença, ante a impossibilidade da revisão do lançamento tributário nos casos de erro no critério jurídico, em homenagem aos princípios da segurança jurídica e da legalidade.
Ante o exposto, acompanho integralmente o voto do e. Relator.
É como voto.
NERY JÚNIOR
RELATÓRIO
Trata-se de recurso de apelação interposto em face da sentença de fls. 304/306, que julgou improcedente o pedido do autor e o condenou ao pagamento de R$ 30.000,00 a título de honorários advocatícios.
Relata o apelante, em síntese, que nos anos de 1999 e 2000 constituiu usufruto, a título oneroso, de ações e cotas de sua propriedade por meio de contratos, tendo como usufrutuários o Banco Itaú e o Banco Banestado, que asseguraram ao usufrutuário o direito a percepção dos lucros (dividendos e juros sobre capital próprio), em conformidade com os artigos 40 e 205, da Lei nº 6.404/1976. Para efeitos fiscais e contábeis, o valor pactuado recebido foi recebido pelo regime fiscal de “ganho de capital“, apurado do confronto do custo do investimento com o preço recebido. Ocorre que o Fisco autuou o apelante sob o argumento que a operação deve ter o tratamento fiscal de “aluguéis“, sujeita à tributação de IRPJ, CSLL, COFINS e PIS. Aduz, em preliminar, que o montante a ser recebido não é líquido e certo, tratando-se de renda futura e que deveria ter sido deferido o pedido de prova pericial judicial, por se tratar de uma questão contábil, incorrendo em afronta ao artigo 332, do CPC/1973. Alega que contabilizou o valor dos investimentos em controladas e coligadas pelo Método da Equivalência Patrimonial (MEP) e, por não ter oportunizada a pericia judicial, defende que a sentença deve ser anulada. No mérito, aduz que não se pode utilizar da analogia para tributar as receitas oriundas de usufruto, da mesma forma como são tributadas as receitas de aluguel. Sob outro aspecto, alega que o auto de infração é nulo, pois, em se tratando de operações de longo prazo, deve-se adotar o regime de competência previsto no artigo 177 e art. 187, §1º, ambos da Lei nº 6.404/1976, reconhecido em parcelas mensais, em consonância com o disciplinado no art. 9º, da Resolução CFC nº 750, de 29/12/1993. Defende que na constituição do usufruto oneroso (direito real) há um custo que tem de ser considerado na apuração do ganho de capital, que é valor dos lucros (frutos), da mesma forma que para o usufrutuário é o preço que ele pagou na constituição onerosa do seu direito real. Nesse caso, defende que o ganho ou perda de capital se apura pela diferença entre o valor pago e o total dos frutos. Afirma que, conforme parecer da Receita Federal, quando há transmissão do direito apura-se o ganho de capital e quando há mera cessão do exercício do direito, aufere-se aluguel. Alega que sua situação é o mesmo já decidido pelo CARF quando do julgamento do RV nº 173.874, do Grupo Itaú. Por fim, defende que descabe a incidência do Imposto de Renda sobre o preço recebido pela apelante, sob pena de se tributar o que não é renda.
Em contrarrazões ao recurso de apelação, aduz a União, em síntese, que o apelante foi autuado porque a remuneração recebida em função do usufruto oneroso deveria ter o tratamento fiscal de aluguel de ativos, recolhendo todos os tributos previstos. No decorrer do recurso administrativo, o CARF concordou que o regime correto na espécie seria o de competência e não o de Caixa. Alega que não é necessária a prova pericial, pois se trata de matéria exclusivamente de direito, não havendo que se falar em nulidade, conforme art. 330, I, do CPC/1973. Por outro lado, se for decidida pela perícia, requer o procedimento do art. 515, §4º, do CPC/1973. Defende que tanto o usufruto oneroso de ações e cotas sociais quanto à locação importam na cessão de direito de uso de bens. O regime do ganho de capital importa na alienação do bem (art. 225, do RIR/99) sendo que no usufruto inexiste tal alienação (art. 713, CC), não se podendo, portanto, aplicar o mesmo tratamento jurídico. Defende que o CARF, como órgão da Administração Pública, pode rever seus próprios atos, inclusive alterar seus próprios lançamentos (art. 145, do CTN). Requer que seja negado provimento ao recurso de apelação e mantida a sentença ora recorrida por seus próprios fundamentos.
Os autos subiram a esta Egrégia Corte.
É o relatório.
VOTO
Deve-se recordar que o recurso é regido pela lei processual vigente ao tempo da publicação da decisão recorrida. Nesse sentido firmou-se a jurisprudência da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça – STJ:
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. RECURSO ESPECIAL. ENTRADA EM VIGOR DA LEI 11.352/01. JUNTADA DOS VOTOS AOS AUTOS EM MOMENTO POSTERIOR. DIREITO INTERTEMPORAL. LEI APLICÁVEL. VIGENTE À ÉPOCA DA PUBLICAÇÃO. INCIDÊNCIA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 530 DO CPC. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INOCORRÊNCIA.
PROCESSO CIVIL. EMBARGOS INFRINGENTES. RECURSO ESPECIAL.
É assente na jurisprudência o entendimento de que o juiz pode indeferir, em decisão devidamente fundamentada, a prova requerida pela parte, quando a reputar irrelevante, impertinente ou protelatória.
Os princípios da livre admissibilidade da prova e da persuasão racional, nos termos do art. 130, do Código de Processo Civil/1973, autorizam o julgador a determinar as provas que entende necessárias à solução da controvérsia, bem assim a indeferir aquelas que considerar desnecessárias ou meramente protelatórias.
É certo que o Método da Equivalência Patrimonial, previsto no artigo 248 da Lei nº 6.404/1976 e aceito pelo Fisco conforme os artigos 384 a 391 do RIR/1999, cuja aplicação é defendida pelo apelante, acompanha o fato econômico, que é a geração dos resultados, baseando-se, em suma, no conceito de que os resultados e quaisquer variações patrimoniais de uma controlada ou coligada devem ser reconhecidos no momento de sua geração e que a adoção de tal método eliminaria distorções. No entanto, a discussão dos autos não se refere aos critérios contábeis adotados para a avaliação de investimentos, nem trata da aplicação ou não do método da equivalência patrimonial, tampouco se discute seus reflexos e diferenças provocadas no cálculo dos lucros, do patrimônio ou no valor de ações e reservas para distribuição.
O mérito da lide consiste, em síntese, na discussão quanto a natureza jurídica da remuneração recebida, pelo proprietário, a título de instituição contratual de usufruto oneroso de ações e cotas, se tais valores recebidos do usufrutuário seriam equivalentes a ganho de capital ou a aluguel de ativos, para fins de tributação, e a consequência se a autuação incorresse em erro no regime dessa tributação, sendo que tais matérias são exclusivamente de direito, não demandando, portanto, perícia técnica.
Inicialmente, convém destacar que, em suma, a propriedade é composta pelos direitos de usar (jus utendi), gozar ou fruir (jus fruendi), dispor (jus abutendi ou disponendi) e reaver (rei vindicato), nos termos do artigo 1.228, do Código Civil.
Confira-se:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
Para se identificar a natureza jurídica das situações ora discutidas, cabe analisar seus conceitos à época dos fatos, disciplinados, portanto, pelo Código Civil/1916:
Art. 713. Constitui usufruto o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade;
Como se observa, não se trata de alienação de direitos os valores recebidos a título de cessão de usufruto, não devendo, portanto, serem tidos como resultado de ganho de capital, nos termos do art. 31, do Decreto-Lei nº 1.598/1977.
Confira-se a redação da normativa vigente à época dos fatos:
Art 31 – Serão classificados como ganhos ou perdas de capital, e computados na determinação do lucro real, os resultados na alienação, inclusive por desapropriação (§ 4º), na baixa por perecimento, extinção, desgaste, obsolescência ou exaustão, ou na liquidação de bens do ativo permanente.
No mesmo sentido, o art. 225, do Decreto nº 3.000/1999 (RIR/99):
Art. 225. Os ganhos de capital, demais receitas e os resultados positivos decorrentes de receitas não abrangidas pelo artigo anterior, serão acrescidos à base de cálculo de que trata esta Subseção, para efeito de incidência do imposto (Lei nº 8.981, de 1995, art. 32, e Lei nº 9.430, de 1996, art. 2º).
Portanto, o valor recebido não pode ser considerado como “ganho de capital“, pois não há alienação. Tratando-se de usufruto oneroso de ações, devem ser os valores recebidos apropriados como receitas operacionais, já que provêm da cessão do exercício de um direito inerente a um ativo. Aliás, o usufrutuário está, inclusive, impedido de alienar as ações, gozando, apenas do direito à percepção dos dividendos e bonificações.
É certo que o sistema jurídico tributário não aceita para o efeito de fazer incidir norma jurídica tributária, a aplicação da analogia ou da interpretação analógica ou extensiva, conforme o artigo 108, parágrafo único, do Código Tributário Nacional – CTN.
Veja-se:
Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
Cabe esclarecer que o caso dos autos não importa em exigir tributo não previsto em lei, pois o proprietário das ações auferiu receita/renda que deve ser tributada, conforme prevê a legislação. O usufruto oneroso, tal como a cessão onerosa temporária, assemelha-se ao instituto da locação, previsto no art. 1.188, do Código Civil de 1.916, vigente à época.
Confira-se:
Art. 1.188. Na locação de coisas, um das partes se obriga a ceder á outra, por tempo determinado, ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição.
Na hipótese dos autos, não se está exigindo tributos não previstos em lei, pelo contrário. Na verdade, está se adotando a analogia como critério para aplicação da tributação, em uma situação cuja solução normativa não está expressamente prevista em lei, mas reclama, essencialmente, semelhante solução adotada em uma hipótese especificamente prevista. Ou seja, embora a regra existente não alcance, explicitamente, o caso concreto dos autos, este se assemelha com outro expressamente previsto, abstratamente, podendo, neste caso, compartilhar-se da mesma solução normativa prevista, em homenagem ao princípio da isonomia.
Ao se compulsar os autos, constata-se que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, proferiu o entendimento segundo o qual, em operações de constituição de usufruto de ações, o valor recebido pela constituição do usufruto deve ser considerado como receita operacional para fins de incidência de Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (“IRPJ”), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”), contribuição ao Programa de Integração Social (“PIS”), e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (“Cofins”), sendo apropriada pelo regime de competência e considerando como despesas os frutos que seriam gerados pelas ações no período do contrato. Dessa forma, o Contribuinte não teria reconhecido receitas com a constituição do usufruto, e, consequentemente deixou de oferecer esse ganho à tributação. Os valores recebidos pelo contribuinte teriam sido creditados em seu ativo, e não em seu resultado.
Nesse aspecto, constata-se que a postura adotada pela Administração Tributária encontra respaldo no artigo 116, do CTN.
Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
Por fim, consta nos autos que a fiscalização, quando da autuação, considerou as receitas auferidas pela sua totalidade no ano do seu recebimento (regime de caixa). Todavia, o próprio CARF, quando proferiu sua decisão (acórdão administrativo nº 9101-01.140) reconheceu que se deveria aplicar o regime de competência no reconhecimento das receitas decorrentes do usufruto instituído, conforme artigos 177 e 187, §1º, da Lei nº 6.404/1976 e art. 9º da Resolução CFC nº 750/1993 e autorizou a revisão do lançamento. Todavia, a revisão do lançamento tributário por erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos) revela-se impossível, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no art. 146 do CTN, segundo o qual “a modificação introduzida, de ofício ou em conseqüência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”. No mesmo sentido, a Súmula 227/TFR consolidou o entendimento de que “a mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco não autoriza a revisão de lançamento”.
Em recente decisão, a Segunda Turma do STJ proferiu o seguinte entendimento: “A revisão do lançamento tributário, como consectário do poder-dever de autotutela da Administração, somente pode ser exercido nas hipóteses do art. 149 do CTN, observado o prazo decadencial para a constituição do crédito tributário. Assim, a revisão do lançamento tributário por erro de direito (equívoco na valoração jurídica dos fatos) revela-se impossível, máxime em virtude do princípio da proteção à confiança, encartado no art. 146 do CTN”. (AgRg no REsp 1.506.189/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 01/10/2015, DJe 09/10/2015)
Quanto ao assunto, convém também destacar a decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, no regime dos recursos repetitivos, verbis:
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO E PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL. LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO. IPTU. RETIFICAÇÃO DOS DADOS CADASTRAIS DO IMÓVEL. FATO NÃO CONHECIDO POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO ANTERIOR (DIFERENÇA DA METRAGEM DO IMÓVEL CONSTANTE DO CADASTRO). RECADASTRAMENTO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. REVISÃO DO LANÇAMENTO. POSSIBILIDADE. ERRO DE FATO. CARACTERIZAÇÃO.
No caso vertente, verifica-se que o lançamento original, ao apurar a renda tributável, observou o “regime de caixa“, o que ensejou a posterior retificação, pela própria Câmara Superior de Recursos Fiscais, posto se tratar da hipótese de se aplicar o “regime de competência” nos termos do artigo 177, da Lei nº 6.404/1976, hipótese que não se enquadra nos incisos do artigo 149, do Codex Tributário, razão pela qual se impõe a reforma da decisão, ante a impossibilidade da revisão do lançamento tributário nos casos de erro no critério jurídico, em homenagem aos princípios da legalidade e da segurança jurídica.
Ante o exposto, deve-se dar provimento parcial ao recurso de apelação, por ser nulo o auto de infração por incorreção quanto à adoção do regime de competência correto e por terem sido alterados, por decisão do CARF e do Fisco, os critérios e o fundamento dos lançamentos tributários originais.
É como voto.
ANTONIO CEDENHO