Há um consenso de que é dever do administrador empresarial buscar todas as alternativas legais possíveis para minimizar a carga tributária do seu negócio e maximizar seus resultados.
Impende a tanto o alto custo dos tributos deste país, que não raro reduzem absurdamente ou até eliminam a mínima rentabilidade que o empreendimento deve gerar para subsistir, manter empregos, remunerar o capital investido e proporcionar uma reserva para futuros reinvestimentos.
Sob uma legislação tributária complexa, não só com muitos tributos de várias alçadas, mas principalmente cada qual com uma regulamentação própria e confusa e em contínua edição de textos infralegais complementares, é natural que surjam brechas de planejamento tributário.
Não é impróprio afirmar que a cultura de contencioso fiscal já está consolidada no meio público e empresarial
No dia a dia da gestão o empresário é compelido a optar por soluções que podem implicar em certos riscos de contingencias. Basta acompanhar as publicações especializadas e verificar quantas teses são submetidas ao crivo administrativo e/ou judicial, reveladoras das condutas mais agressivas.
Também são valiosas e reveladoras fontes dessas informações as notas explicativas das demonstrações financeiras das sociedades anônimas, acompanhadas das qualificadoras dos riscos de perda remoto, possível ou provável, com ou sem a constituição das respectivas provisões.
São exemplos, dentre outros, o créditos de insumos na não-cumulatividade do IPI, ICMS, PIS e Cofins, por diversas razões, em função da legislação especifica de cada um desses tributos; IPI sobre distribuidoras de produtos fabricados por outra empresa do mesmo grupo com alta alíquota; IPI sobre revenda de produtos importados; glosa de credito de ICMS oriundo de guerra fiscal; compras idôneas de empresas que são posteriormente declaradas inidôneas porque não pagaram os tributos; aquisição de precatórios para quitação de tributos.
Há ainda o aproveitamento de ágio interno perante o IR/CSLL antes da Lei nº 12.973/14, a multa isolada cumulada com multa de ofício; ICMS e juros excedentes à Selic; ICMS e tributos federais com multas de oficio extorsivas. A norma antielisiva aplicada aos tributos federais sem lei ordinária regulamentadora; a restituição de ICMS pago a maior na ST; IPI x ICMS x ISS na industrialização por encomenda; ICMS x ISS nos serviços gráficos; ISS e o local da prestação de serviços, além do PIS e da Cofins sobre ICMS e ISS são outros exemplos.
Vê-se que a reforma tributária é imperativa para diminuir a esfera de atritos entre Fisco e contribuintes, simplificar suas regras e podendo manter ou até ampliar a arrecadação com a ampliação da base de pagadores ao deixar sem espaço a tantos incidentes causadores de conflitos.
Porém, há uma outra visão negocial que tem se oposto a essa conduta combativa dos empresários. Notícias pipocam todos os dias de aquisições e fusões entre empresas brasileiras e estrangeiras.
Esse numero só não é maior porque, dito pelos próprios negociadores e intermediários, estão a restar cada vez menos empresas aptas a serem negociadas, em virtude das contingências fiscais que as “due diligences” apontam.
E essas restrições não se limitam a passivos tributários declarados e não pagos, por dificuldades financeiras, mas e sobretudo a riscos de condutas tributarias ousadas, que de um lado maximizam o capital de giro das empresas, mas de outro lado entravam as possíveis joint ventures que vierem a surgir, pela possibilidade das contingências se realizarem.
Às vezes uma retenção de parte do preço pelo comprador é suficiente para atenuar o impasse e levar avante o desfecho. Contudo, em fusões onde não há pagamento, mas mera troca de participações, há complicações para essa garantia, porquanto caução de ações não tem liquidez e nem sempre as partes estão dispostas a arcar com os custos de fianças e seguros, ou as instituições não concordam em oferecer essas garantias diante da magnitude dos riscos.
E sucede de as contingências serem de tal monta que inibem definitivamente a parte interessada. Sempre há notícias de negociações entabuladas que não se consumam por causa do conservadorismo das avaliações de riscos nas due diligences.
Portanto, chegamos a uma situação tipicamente kafkiana, pela qual o empresário necessita planejar ousadamente para competir no mercado e, ao mesmo tempo, está criando obstáculos para futuramente negociar sua empresa ou atrair um investidor/sócio estratégico.
É certo que essa maior rigidez de avaliação de riscos se dá mais com pretendentes estrangeiros, que têm certa dificuldade de entender a realidade tributaria brasileira, que é mundialmente atípica.
Brasileiros que se associam a brasileiros atenuam esses riscos, até porque muitas vezes ambas as partes envolvidas têm essa prática, e aí restrições não são aceitáveis.
Cabe aos consultores e advogados dos interessados estrangeiros orientá-los adequadamente sobre a cultura nacional de contencioso tributário, que incorpora variáveis como Judiciário que demonstra ser mais sensível a teses não aceitas administrativamente, parcelamentos generosos recorrentes e prescrição intercorrente, dentre outras.
A própria PGFN publica periodicamente as teses tributárias que estão pendentes de solução no Judiciário e quantifica as possíveis perdas que elas podem representar à União, caso os contribuintes sejam vencedores, o que por si só evidencia que as empresas são compelidas a essas teses, senão perdem competitividade. Não é impróprio afirmar que a cultura de contencioso fiscal já está consolidada no meio público e empresarial.
Fonte: Valor – 19/10/2018
Por Plínio Marafon
Plinio J. Marafon é sócio de Marafon, Soares, Nagai e Marsilli Advogados