Cresce o consenso em torno da necessidade da reforma tributária no Brasil. A ideia se consolida como projeto nacional apartidário, de envergadura institucional, voltada à identificação de mecanismos que impulsionem a retomada do crescimento da economia e um ambiente tributário mais alinhado ao padrão de países desenvolvidos.
A necessidade de sua aprovação se justifica pela forte expectativa na eliminação de um dos principais gargalos do chamado “custo Brasil”: a complexidade do sistema tributário. O Brasil arrecada nada menos que 85 impostos diferentes, possuindo em seu variado cardápio fiscal ainda um sem-número de regimes especiais de tributação, créditos presumidos, além de um cipoal de normas federais, estaduais e municipais. De acordo com recente pesquisa Doing Business do Banco Mundial, o cenário, de quase caos, leva o país à 181ª posição entre 190 países no quesito “pagamento de impostos”, com burocracia e litigiosidade demasiadamente onerosas às empresas.
Há, ainda, a injustiça do atual modelo, que concentra maior ônus sobre a produção e consumo, encarecendo o consumo das famílias mais pobres. Dois projetos de reforma tributária destacam-se no debate nacional e caminham irmamente para se criar um modelo mais simplificado e menos regressivo.
Nenhuma das propostas busca enfrentar, decisivamente, a enorme dificuldade de se cobrar devedores e sonegadores fiscais
A PEC 31/2017 do deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) promete cortar o “nó górdio” da tributação sobre o consumo e aproximar a legislação brasileira da praticada por 140 países do mundo. Pretende-se a substituição do IPI, IOF, CSLL, PIS e Cofins, Salário-Educação, Cide, ICMS e ISS, pelo Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS), de competência dos Estados e com legislação e cobrança centralizadas numa norma federal, e pelo Imposto Seletivo Federal, cobrado somente sobre determinados produtos. Paralelamente, o Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), recomenda a unificação de diversos impostos sobre a produção e consumo num único IVA nacional, não cumulativo e com concessão de crédito financeiro. A vantagem deste projeto é a previsão de um mecanismo de monitoramento da eficácia da mudança, possibilitando eventuais correções. Alerta-se, com isso, para a mudança repentina do sistema que poderia ocasionar prejuízos a investimentos realizados com base em regimes tributários atualmente vigentes.
O governo federal também sinaliza com mudanças em alguns tributos. Embora de menor alcance, a equipe econômica busca simplificar a cobrança dos tributos federais, com um projeto que alguns problemas de PIS/Cofins, hoje um subsistema dentro da legislação tributária dada sua alta complexidade. Nesse cenário, embora as alterações propostas, caso aprovadas, venham a produzir menor gasto burocrático e maior segurança jurídica no planejamento dos contribuintes, esses não são os únicos aspectos do nosso sistema que inviabilizam um cenário de melhor performance institucional no campo da tributação. É certo que uma tributação complexa, com diferentes níveis de regulação e exigências para as empresas, prejudica a modernização e previsibilidade institucional, indispensáveis num cenário de permanente busca por incrementos de produtividade.
Mas orbitam igualmente o plano da ineficiência fiscal os atuais instrumentos de arrecadação tributária, que contribuem para um sistema tributário de baixa qualidade. Nenhuma das propostas busca enfrentar, decisivamente, a enorme dificuldade de se cobrar devedores e sonegadores fiscais, que atualmente existe no país.
A redução dos vigentes níveis de incerteza, litigiosidade e custos correspondentes estão sensivelmente relacionados com a necessidade de que se estabeleçam novos e aperfeiçoados paradigmas de cobrança e arrecadação, também alinhados ao que já praticado pela maioria dos países desenvolvidos.
A partir de estudo comparativo realizado por Jules Michelet, consultor tributário da Câmara dos Deputados, ficou demonstrado que a cobrança de tributos no Brasil é reveladora da nossa vocação à criação de “jabuticabas”. A execução forçada dos tributos, espécie de arrecadação do crédito público, perpassa pelo desgastante, custoso e longo caminho do Poder Judiciário, o que não se verifica em nenhum dos países comparados (França, Alemanha, Estados Unidos, México, Chile e Argentina).
As consequências são danosas para o equilíbrio e desempenho do sistema. Além de onerar ainda mais o custo tributário geral, com a sobrecarga da inadimplência aos contribuintes voluntários, aumenta-se o grau de incerteza entre autoridades administrativas e judiciais, sem desconsiderar os elevados gastos com contratação de advogados e despesas processuais.
As execuções fiscais federais possuem uma duração média de oito anos. Acrescido ao tempo da discussão administrativa, chega-se a incríveis 16 anos de indefinição. A par disso, a PGFN tem demonstrado permanente esforço na tentativa de reduzir o alto grau de litigiosidade na seara tributária. O protesto extrajudicial de dívidas, já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal como mecanismo legítimo de cobrança, e a edição de atos autorizando a dispensa de recursos em casos idênticos julgados pelas Cortes Superiores são fortes exemplos no caminho da redução do volume e tempo no contencioso fiscal, desafio que se mostra cada vez mais necessário.
A redução do quantitativo de espécies tributárias é, sem sombra de dúvidas, um destacado avanço na tentativa de simplificar o sistema. Contudo, apenas com a incorporação de projetos em que a diminuição do contencioso tributário seja norte de um novo modelo de cobrança fiscal poderemos falar em uma eficaz reforma no sistema tributário.
Por Adriano Chiari da Silva
Adriano Chiari da Silva é procurador da Fazenda Nacional perante o Supremo Tribunal Federal.
Fonte : Valor-23/03/2018