Uma análise da jurisprudência em temas como tributação de softwares e publicidade na internet. Grupo de Pesquisa sobre Jurisprudência do TIT do NEF/FGV Direito SP
1. Introdução
A divisão de competências para a tributação do consumo gera complexidades e conflitos, seja no contexto de uniões nacionais (federações e confederações) ou internacionais (mercados comuns, uniões econômicas e monetárias, etc.).
Em face da necessidade de conferir fontes de financiamento a diferentes entes, a União Europeia, por exemplo, trilhou o caminho de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA), cuja base de cálculo e elementos fundamentais são uniformizados por meio de normas comuns, editadas por órgãos da União Europeia. Nesse ensejo, há previsão de apenas uma hipótese de incidência para o tributo, qual seja, o fornecimento de bens (transferência do direito de dispor de propriedade tangível como dono) ou de serviços (qualquer transação que não constitua fornecimento de bens[1]).
Já no Brasil, com o intuito de conferir autonomia financeira a cada um dos entes do federalismo, desenhou-se um sistema tributário com pluralidade de competências para a instituição de tributos sobre o consumo, tanto em sentido vertical (concorrência entre União, Estados e Municípios), como em sentido horizontal (concorrência entre Estados-membros e entre Municípios). Para José Souto Maior Borges, trata-se de uma “irracional convergência de competências tributárias”, que funciona como “obstáculo à integração comunitária e à racionalização do sistema constitucional tributário”[2].
Em que pese não se possam descartar os méritos da atribuição de fontes próprias de custeio para cada Estado e Município[3], não há dúvidas de que a divisão de competências empreendida pela Constituição Federal de 1988 vem acarretando inúmeros conflitos e relevante insegurança jurídica, relativamente a diversos temas. Com efeito, a atribuição constitucional de competências para diferentes entes tributantes por meio da indicação de materialidades tributáveis por cada um deles gera conflitos em relação à subsunção de determinadas atividades em um ou outro conceito.
Nesse contexto, o objeto desta análise consiste, unicamente, nos conflitos verticais de competência entre Municípios (Imposto sobre Serviços – ISS) e Estados (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Comunicação e Transporte Intermunicipal), relativamente a atividades relacionadas à informática. Trata-se de questões atuais, que, no mundo dos fatos, sofreram grande evolução desde a promulgação da Constituição de 1988, mas que, não obstante, precisam ser resolvidas com base em seus preceitos e na legislação complementar a partir dela desenhada. Para o tema desta análise, assumem especial importância as distinções entre “mercadorias” e “serviços” e entre “serviços de comunicação” e “serviços de qualquer natureza” não compreendidos na competência estadual.
Nesse contexto, foram eleitos três grandes temas para a análise empírica das decisões administrativas do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT-SP), foco temático desta obra, quais sejam, conflitos de competência envolvendo: (i) software; (ii) impressos personalizados; e (iii) publicidade na internet. Naturalmente, por tratar-se de uma pesquisa de decisões do TIT-SP, a análise em tela restringe-se à jurisprudência administrativa sobre a incidência, ou não, de ICMS, sobre determinadas operações. Ficam de fora, portanto, questões relativas à incidência do ISS e posicionamentos do Poder Judiciário, que é o único órgão competente para determinar que deve incidir um tributo com a exclusão do outro.
Em termos metodológicos, foram utilizados os seguintes parâmetros de pesquisa no site do TIT-SP:
1. ICMS x ISS – software
1.1 Data da pesquisa: 3/07/2017
1.2 Período pesquisado: 01/08/2009 a 31/05/2017
1.3 Palavra-chave: “software”
1.4 Ajustes realizados:
1.4.1 Acórdãos de Recurso Especial excluídos porque o recurso não fora conhecido quanto ao tema: AI 31127113
1.4.2 Acórdãos com pelo menos uma ocorrência excluída porque repetidos na base de dados: AI 30321797, AI 30505215, AI 30269520, AI 31427844, AI 30419293
1.4.3 Acórdãos excluídos por impertinência: AI 3145824-5, AI 31127113, AI 31488857, AI 31458245.
1.4.4 Acórdãos de recurso ordinário incluídos pois, apesar de não constarem da base, o correspondente recurso especial constou e o acórdão do ordinário foi prolatado no período da busca: AI 30321797
1.4.5 Acórdão de retificação de julgado excluído porque não adentra ao mérito: AI 31274869.
2. ICMS x ISS – Impressos personalizados
2.1 Data da pesquisa: 10/07/2017
2.2 Período pesquisado: 01/08/2009 a 31/05/2017
2.3 Palavra-chave: “impressos personalizados”
2.4 Ajustes realizados:
2.4.1 Acórdãos de Recurso Especial excluídos porque o recurso não fora conhecido quanto ao tema: AI 21278647, AI 40663700.
2.4.2 Acórdãos com pelo menos uma ocorrência excluída porque repetidos na base de dados: AI 30078271, AI 30158564, AI 31204016 e AI 31204016.
2.4.3 Acórdãos excluídos por impertinência: AI 30412055
2.4.4 Acórdãos de recurso ordinário incluídos pois, apesar de não constarem da base, o correspondente recurso especial constou e o acórdão do ordinário foi prolatado no período da busca: AI 31439512.
3. ICMS x ISS – Publicidade na internet
3.1 Data da pesquisa: 10/07/2017
3.2 Período pesquisado: 01/08/2009 a 31/05/2017
3.3 Palavra-chave: “publicidade internet”
3.4 Ajustes realizados:
3.4.1 Acórdãos de Recurso Especial excluídos porque o recurso não fora conhecido quanto ao tema: AI 40102543, AI 31454902
3.4.2 Acórdãos de recurso especial incluídos pois, apesar de não constarem da base, o correspondente recurso ordinário constou e o acórdão do especial foi prolatado no período da busca: AI 31541112
3.4.3 Acórdão de retificação de julgado excluído porque não adentra ao mérito: AI 31541112,
3.5 Acórdão de recurso ordinário excluído em virtude de posterior anulação pela Câmara Superior: AI 31617505.
Em face dessa metodologia, passa-se à análise dos três subtemas eleitos.
2. Conflitos de competência entre ISS e ICMS em relação à tributação de softwares
2.1 Contextualização
A tributação das operações de venda (ou cessão de direitos de uso) dos softwares de computador há muito gera controvérsias, não raro havendo pretensões conflitantes de Fiscos Estaduais e Municipais sobre a mesma base de cálculo.
Em um primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal, por meio de julgado não vinculativo (RE 176.626/SP, DJ 11/12/1998[4]) decidiu que seria admissível a incidência do ICMS sobre “a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado ‘software de prateleira’ (off the shelf)”. Essa decisão encampa a distinção entre softwares “de prateleira” (padronizados) e softwares por encomenda (individualizados ou customizados), sendo os primeiros tributáveis pelo ICMS e os segundos pelo ISS.
Percebe-se que essa distinção se assenta em um contexto fático em conformidade com o qual os softwares são transferidos por intermédio de mídias físicas. Com efeito, a premissa fática existente em 1998 consistia na transferência de softwares, primordialmente, por meio de disquetes, CDs e outros meios físicos, de modo que a expressão software de prateleira era bastante literal.
Não obstante, ainda nesse contexto, podem-se vislumbrar, pelo menos, duas fontes de possíveis controvérsias, quais sejam: (i) a qualificação de determinado software como personalizado ou padronizado; (ii) a base de cálculo do ICMS, em caso de software padronizado. Ambos os temas foram enfrentados pelo TIT nos julgados objetos da pesquisa em análise.
Sobre a delimitação da base de cálculo do ICMS no caso de softwares “de prateleira”, cabe destacar que o Decreto Paulista 51.619/2007 estabeleceu que o ICMS seria cobrado sobre “uma base de cálculo que corresponderá ao dobro do valor de mercado do seu suporte informático” (art. 1º). Em que pese não houvesse justificativa para que a base de cálculo fosse o dobro do valor do suporte físico, percebe-se que as Autoridades Fazendárias Estaduais haviam reconhecido que o valor do programa de computador em si (e não do CD que o transmitia) não compreendia a base de cálculo do ICMS. Em certa medida, essa acepção estava em conformidade com o entendimento consoante o qual a transmissão de softwares não é tributável, por tratar-se de cessão de direito de uso disciplinada protegida em conformidade com os direitos autorais.[5]
Não obstante, conforme se evidenciará abaixo, mesmo no período de vigência do Decreto em questão, houve diversas autuações com o objetivo de incluir na base de cálculo do ICMS os valores de softwares transferidos conjuntamente com hardwares de diferentes naturezas.
Por fim, vale destacar que o período no qual foram analisadas decisões do TIT sobre a matéria (2009 a 2017) ainda transparece uma fase bastante incipiente da discussão. Com efeito, mais recentemente, uma série de decisões e diplomas normativos, combinados com a natural (e rápida) evolução tecnológica sobre a matéria, têm trazido novas discussões sobre sua tributação. Dentre estes, destacam-se:
(i) a decisão do STF na Medida Cautelar em sede da ADI 1.945/MT (DJ 11/03/2011) que admitiu a incidência de ICMS sobre downloads de software, ainda que inexistente mídia física;
(ii) o Decreto Paulista 61.522/2015, que revogou o Decreto 51.619/2007, referido acima, que determinava que a base de cálculo da cobrança de ICMS sobre softwares correspondesse ao dobro do valor de mercado da mídia física;
(iii) o Convênio CONFAZ 181/2015 que, ao autorizar que diversos Estados conferissem redução de base de cálculo de ICMS de modo que a tributação abrangesse, no mínimo, 5% do valor de operações com softwares, indicou a incidência do tributo sobre “operações realizadas por meio de transferência eletrônica de dados”;
(iv) o Decreto Paulista 61.791/2016, que, além de incorporar a redução de base prevista no Convênio CONFAZ 181/2015, determinou que não haveria cobrança de ICMS sobre a transferência eletrônica de dados (download e streaming) “até que fique definido o local de ocorrência do fato gerador para determinação do estabelecimento responsável pelo pagamento do imposto”;
(v) a Lei Complementar 157/2016, que incluiu, na lista de serviços anexa à Lei Complementar 116/2003, o subitem 1.09, cuja redação é “disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet, respeitada a imunidade de livros, jornais e periódicos (exceto a distribuição de conteúdos pelas prestadoras de Serviço de Acesso Condicionado, de que trata a Lei no 12.485, de 12 de setembro de 2011, sujeita ao ICMS)”;
(vi) o Parecer Normativo SF nº 1 de 18/07/2017, subscrito pelo Secretário Municipal de Fazenda de São Paulo, por intermédio do qual estariam submetidos ao ISS, independentemente da distinção entre softwares por encomenda e padronizado, a transferência eletrônica de dados (download), bem como a sua disponibilização a partir de servidor externo (software as a service – SaaS – ou streaming), enquadrando-se no subitem 1.05 da lista de serviços, sem prejuízo da possibilidade de subsunção de parte da operação nos subitens 1.03 e 1.07;
(vii) a Decisão Normativa CAT nº 4, de 20/09/2017, subscrita pelo Coordenador da Administração Tributária Estadual, que determina estarem no campo de competência do ICMS as transferências de softwares padronizados, ainda que realizada por download ou streaming, ficando a cobrança suspensa até a definição do aspecto espacial do fato gerador;
(viii) o Convênio CONFAZ 106/2017, que buscou definir que, na transmissão eletrônica de dados, o ICMS seria devido “onde é domiciliado ou estabelecido o adquirente do bem ou mercadoria digital”.
Percebe-se que, além de representar claro agravamento das controvérsias entre entes tributantes, demonstrando, além de uma crise em termos de federalismo, uma situação de inegável insegurança jurídica, esta sucessão de diplomas normativos deixa claro que as decisões analisadas abaixo apenas representam o início da jurisprudência do TIT sobre a matéria.
2.2 Softwares fornecidos em conjunto com Hardwares e segregação das bases de incidência
Grande parte dos acórdãos analisados versou sobre a incidência, ou não, de ICMS relativamente a softwares transferidos juntamente com equipamentos (hardwares). Enquanto a submissão dos últimos ao ICMS era clara, por tratar-se de mercadorias, havia controvérsias sobre a incidência ou não desse tributo estadual sobre o software vendido em conjunto (que poderia estar sujeito à incidência do ISS). Foram analisados 10 acórdãos sobre a matéria, tendo 2 deles sido prolatados pela Câmara Superior. Apenas 1 destes julgados foi favorável ao contribuinte.
No primeiro julgado da Câmara Superior do TIT sobre a matéria (AI 3.041.929-3), no período pesquisado, a autuação foi parcialmente cancelada. Tratava-se de discussão sobre a incidência de ICMS sobre softwares fornecidos conjuntamente com centrais telefônicas (hardware). Nesse caso, julgado em 2010, prevaleceu, por voto de qualidade, a posição conforme a qual não haveria a incidência de ICMS sobre o software personalizado fornecido conjuntamente com hardware. Isto é, aplicou-se a jurisprudência do STF, utilizando-se a diferenciação entre software de prateleira e personalizado, admitindo-se a segregação do último em relação ao hardware, para a incidência de ICMS somente sobre este.
Contudo, o outro julgado da Câmara Superior analisado (AI 3.032.179-7), proferido em sessão de 2013, reverteu essa jurisprudência. Analisando uma situação muito similar de fornecimento de software em conjunto com centrais telefônicas (hardware), prevaleceu, por 10 votos a 6, a posição conforme a qual os softwares já instalados no produto vendido passariam a integrá-lo, de modo que deveriam compor a base de cálculo do ICMS. Em que pese houvesse parecer técnico atestando que os softwares em questão demandavam, individualmente, milhares de horas de trabalho técnico, prevaleceu a posição consoante a qual este se integraria ao produto, compondo a base de cálculo do ICMS. Nesse caso, portanto, não se adotou a distinção entre software de prateleira e personalizado como razão de decidir.
Os demais julgados analisados foram proferidos por Câmaras baixas, e dizem respeito a situações sutilmente distintas entre si.
No AI 3.142.784-4, a 14ª Câmara julgou situação em que a fiscalização havia entendido que a venda de programa de computador em conjunto com equipamento repetidor de sinal de telefonia GSM (hardware) comporiam um único equipamento, para fins de composição da base de cálculo do ICMS. A acusação foi mantida, dentre outros argumentos, por se tratar de softwarepadronizado, ou de prateleira, em conformidade com a distinção realizada pela jurisprudência do STF.
No AI 3.050.521-5, 2ª Câmara julgou situação similar, em que a fiscalização argumentara o caráter indissociável do hardware (sistema de voice-mail) e do software vendidos. A acusação foi mantida sob os fundamentos de que, além de se tratar de um único equipamento completo, não teria havido, no caso, nenhuma prestação de serviço.
Outro caso similar foi examinado pela 4ª Câmara, no AI 4.030.054-7. A câmara manteve a acusação fiscal, sob fundamento de que, para afastar a incidência do ICMS, seria preciso provar que o software poderia ser vendido separadamente do hardware. Na mesma linha, afirmou-se que não fora provado tratar-se de um software sob encomenda.
A 12ª Câmara, por sua vez, examinou situação em que se cobrava ICMS sobre software transferido conjuntamente com sistemas de controle e automação (hardware), no AI 4.082.072-5. Nesse caso, concluiu-se, por unanimidade, que a base de cálculo do ICMS deveria abranger a integralidade do valor da venda, haja vista que o hardware não funcionaria sem o software em questão.
Já no AI 3.151.078-4, a 2ª Câmara analisou cobrança de ICMS sobre softwares transferidos em conjunto com a venda de centrais telefônicas (hardware). Nesse julgado, utilizou-se uma classificação que adiciona um terceiro tipo de software à tradicional distinção entre softwares customizados e de prateleira, qual seja, o software “embarcado”, caracterizado como aquele dedicado à “funcionalidade primordial do hardware a que pertence”. Nesse contexto, entendeu-se que a subsunção do programa analisado no caso a essa terceira categoria autorizaria a incidência do ICMS.
Também a 14ª Câmara julgou caso envolvendo cobrança de ICMS sobre softwares transferido em conjunto com centrais telefônicas (AI 3.032.179-7). Nesse caso, em que pese tenha havido um voto divergente, a autuação foi mantida sob o fundamento de que os softwares seriam indissociáveis dos hardwares, não sendo relevante a distinção entre softwares de prateleira e customizados.
Por fim, a 6ª Câmara apreciou o AI 3.136.519-0, em que a acusação fiscal exigia ICMS sobre operações oferecidas à tributação pelo ISS. A acusação foi mantida sob o entendimento de tratar-se de softwares diretamente relacionados à venda de hardwares, sendo inviável o funcionamento dos últimos sem os primeiros. Ademais, conforme o voto vencedor, uma margem mínima de customização não conferiria ao software em questão a natureza de software individualizado.
Nesse contexto, percebe-se que a tendência jurisprudencial clara do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo foi no sentido de manutenção de cobranças de ICMS sobre softwares transferidos em conjunto com hardwares, sendo pouco relevante a natureza padronizada ou não destes últimos.
2.3 Outras questões
Além de questões atinentes à cobrança de ICMS em decorrência de transferência de software em conjunto com hardware sujeito ao tributo estadual, verifica-se que o TIT também julgou, no período da pesquisa, pelo menos outras três sortes de situações envolvendo softwares, a cuja análise se passa.
Em primeiro lugar, foi examinada pela 13ª Câmara (AI 4.071.902-9) situação em que era veiculada cobrança de penalidade, uma vez que o contribuinte havia deixado de emitir nota fiscal na hipótese de importação de software por meio de download. A relatora, Juíza Cacilda Peixoto, votou pela manutenção da exigência, sob argumento de que a emissão de NF nessa hipótese decorreria da Solução de Consulta 891/99.
Contudo, restou vencedora a divergência aberta pelo Juiz Leonel Cesarino Pessoa, cancelando a acusação fiscal, sob fundamento de que, à época dos fatos, não havia clareza normativa quanto à obrigação de emitir NF na hipótese.
Em segundo, também a 13ª Câmara apreciou caso em se pretendia a cobrança de ICMS sobre “serviços adicionais” a “softwares de prateleira” (AI 3.026.952-0). O voto da relatora, Juíza Ana Maria Sanches Pereira, deu provimento ao recurso do contribuinte, sob entendimento de que tratar-se-ia de serviços de suporte técnico em informática, tributáveis unicamente pelo ISS. Contudo, foi o voto-vista do Juiz Oswaldo Faria de Paula Neto que prevaleceu, por maioria, também cancelando a acusação, mas sob entendimento de que a fiscalização não teria provado suas alegações.
O terceiro caso (AI 3.040.799-0) foi examinado pela 16ª Câmara e dizia respeito à cobrança de multa prevista no art. 527, X, “a” do RICMS-SP, para o desenvolvimento de software com capacidade de interferir no Equipamento Emissor de Cupom Fiscal (ECF). A acusação foi mantida, sob entendimento de que teria restado provado que o particular havia desenvolvido o software em questão e o vendido a terceiros.
3. Conflitos de competência entre ISS e ICMS em relação à tributação de Impressos Personalizados
3.1 Contextualização
O conflito de competência entre Estados e Municípios envolvendo a tributação dos impressos personalizados está inserido no contexto da “industrialização sob encomenda”. Exemplo clássico é da empresa que vende garrafas de água (empresa encomendante) e contrata uma gráfica unicamente para confeccionar os rótulos que serão inseridos nas garrafas. Com efeito, a controvérsia que surge é se a gráfica que irá confeccionar os rótulos sujeita-se à tributação pelo ISS ou ICMS. Antes de se analisar os acórdãos do TIT, vale uma breve contextualização sobre tema.
Em 1996, o STJ editou a Súmula nº 156, a qual dispõe que o serviço de composição gráfica, sempre que personalizado e sob encomenda, está sujeito ao ISS, haja vista que nas operações mistas (que agregam serviços e mercadorias) incide o ISS sempre que o serviço estiver previsto em lei. Com efeito, como a operação de composição gráfica, como no caso de impressos personalizados, estava prevista no item no item 77 da lista do Decreto-Lei nº 406/86, entendeu a Corte que prevaleceria a tributação pelo ISSQN.
Nesse mesmo sentido, em 11/03/2009, por meio da decisão proferida no Recurso Especial nº 1.092.206/SP, submetido ao rito dos recursos repetitivos, o STJ reafirmou o entendimento de que nas operações mistas incide o ISS sempre que o serviço estiver previsto em lei, sendo que desta vez, o serviço de composição gráfica estava contido no subitem 13.05 da lista anexa à LC 116/03.
No entanto, ao julgar o tema em 14/04/2011, o STF entendeu que incide o ICMS se o produto industrializado sob encomenda for destinado à posterior comercialização e/ou industrialização, sendo que incide o ISS se o produto for destinado exclusivamente ao encomendante. Esse entendimento foi manifestado por meio de uma decisão cautelar proferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.389/DF.
A decisão do STF, de cunho mais pragmático, procurou preservar a não-cumulatividade do ICMS, pois, segundo entendeu a Suprema Corte, a cadeia de comercialização da mercadoria não poderia ser agravada com um tributo cumulativo (ISSQN). Vejamos trecho do voto proferido pela Ministra Ellen Gracie na ADI nº 4.389/DF:
“Ademais, geraria ´uma distorção na não cumulatividade do ICMS; a rigor, frustra o objetivo constitucional desse mecanismo (diluir a exigência do ICMS por todo o ciclo econômico de circulação de mercadorias), pois introduz um imposto cumulativo (ISS) no ciclo econômico de mercadorias sujeitas a um imposto não-cumulativo (ICMS). Rompe-se a sequência da não-cumulatividade e oneram-se os custos de ambos (fabricantes e adquirentes de embalagens)´”
Nesse sentido, o STJ alterou seu posicionamento, adotando o mesmo entendimento do STF (incide ICMS se o impresso for destinado a posterior comercialização), quando do julgamento do AgRg no REsp 1310728/SP, julgado em 02/06/2016.
Além disso, a fim de acabar de vez com o conflito de competência entre Estados e Municípios sobre a tributação de impressos personalizados, o legislador complementar, alinhado com o entendimento do STF, alterou o item 13.05 da lista anexa à LC 116/03 por meio da Lei Complementar nº 157/16. A nova redação trouxe de forma expressa que a atividade de composição gráfica estará sujeita ao ICMS “se destinada a posterior operação de comercialização ou industrialização”. Assim, se o impresso for destinado ao uso exclusivo do encomendante estará sujeito ao ISS.
No âmbito administrativo do Estado do São Paulo, destacam-se a Portaria CAT nº 54/1984 e a Decisão Normativa CAT nº 4/2015. Ambos os atos normativos dispõem que não incide o ICMS nas saídas efetuadas por estabelecimentos gráficos de impressos personalizados, entendendo-se por impressos personalizados aqueles que são destinados a uso exclusivo do encomendante. Caso o impresso seja destinado à comercialização ou à industrialização, ele não é considerado personalizado, ficando sujeito à incidência do ICMS. Este entendimento, conforme analisaremos a seguir, é adotado em diversas decisões do TIT.
3.2 Da jurisprudência do TIT
Pois bem, foram analisados 9 acórdãos do TIT, sendo 3 deles da Câmara Superior. Foram examinados os Recursos Ordinários referentes aos AIIM’s números 30078271, 30702689, 31106456, 31439512, 31204016 e 40736829 e os Recursos Especiais referentes aos AIIM’s números 30158564, 31341366, 31439512. Quanto ao resultado, nos Recursos Especiais, todos tiveram a acusação do fisco cancelada, sendo 2 por unanimidade e o outro por maioria. Com relação aos Recursos Ordinários, apenas um teve a acusação cancelada (por maioria), 2 tiveram a acusação parcialmente cancelada (um por unanimidade e o outro pelo voto de qualidade) e 3 tiveram a acusação mantida (2 por maioria e o outro por unanimidade).
No processo referente ao AIIM nº 31204016 o contribuinte não emitiu notas fiscais na venda de embalagens personalizadas. Os julgadores entenderam que, por tratar-se de empresa inscrita no cadastro de contribuintes estadual, as notas fiscais deveriam ter sido emitidas, independentemente da controvérsia entre a incidência de ICMS ou ISS. Assim, não se discutiu o mérito do tema que ora se estuda.
Quanto ao Recurso Ordinário e ao Recurso Especial referentes aos AIIM’s números 30078271 e 30158564, respectivamente, a discussão versava sobre quebra de diferimento. No primeiro, julgado em 17/12/2009, os juízes entenderam que por tratar-se de impressos não personalizados (papel off set, Kraft, papel monolúcido ouro, magnum print plate, extra alvura alcalino) a operação posterior à remessa para industrialização de terceiro seria tributada pelo ICMS e por isso não se justificaria a autuação fiscal por quebra de diferimento, que apenas se justificaria se a operação subsequente não fosse tributada pelo imposto estadual. Já no Recurso Especial, julgado em 18/11/2010, seguindo o entendimento proferido pelo STJ na Súmula nº 156, os julgadores decidiram no sentido de que, por tratar-se de serviço de composição gráfica, personalizada e sob encomenda (confecção de impressos de segurança, envelopes, formulários talonários de cheque, ingressos de espetáculos, etc), a operação estaria sujeita ao ISS e por isso sequer haveria de se falar em diferimento.
O mesmo entendimento (de que impressos feitos sob encomenda se sujeitam ao ISS) foi proferido no Recurso Ordinário referente ao AIIM nº 31106456 (julgado em 26/10/2010), no Recurso Especial referente ao AIIM nº 31341366 (julgado em 08/03/2012) e no Recurso Especial referente ao AIIM nº 31439512 (julgado em 22/01/2013).
Contudo, nos Recursos Ordinários referentes aos AIIM’s números 31439512 (julgado em 10/04/2012) e 40736829 (julgado em 26/04/2017) entendeu-se que, como os impressos seriam destinados a posterior comercialização, eles estariam sujeitos ao ICMS e não ao ISS. A primeira decisão (AIIM 31439512) utilizou como fundamento a Portaria CAT nº 54/1984, já a segunda (AIIM 40736829) utilizou como principal fundamento a ADI nº 4.389/DF, que já citamos neste subcapítulo.
Vê-se, portanto, que a divergência nos acórdãos do TIT ora analisados se funda em duas teses: (i) a prestação de serviço de confecção gráfica, sempre que personalizada e sob encomenda, sujeita-se ao ISS e (ii) caso o impresso seja destinado a futura comercialização ou industrialização haverá a incidência do ICMS, se destinado a uso exclusivo do encomendante estará sujeito ao ISS.
Verifica-se, no entanto, a tendência de prevalecer a tese da destinação. Isto porque, a decisão mais recente analisada sobre o tema (Recurso Ordinário referente ao AIIM nº 40736829, julgado em 26/04/2017), a única a ser proferida após a Decisão Normativa CAT nº 4/2015 e LC 157/16, foi no sentido de que incide o ICMS se o impresso for destinado a posterior comercialização.
Portanto, muito embora as decisões ora analisadas da Câmara Superior corroborem a tese de que o serviço de composição gráfica, sempre que personalizado e sob encomenda, sujeita-se ao ISS, é possível a mudança de entendimento dos juízes do órgão superior para a tese da destinação, principalmente após a publicação da LC 157/16 que alterou o item 13.05 da lista anexa à LC 116/03, conforme já mencionado.
4. Conflitos de competência entre ISS e ICMS em relação à tributação de Publicidade na Internet
Os acórdãos analisados nessa parte da pesquisa tratam do tema da veiculação de publicidade e propaganda na internet. Foram selecionados 8 acórdãos que tiveram como objeto esse tema. Empresas como Yahoo do Brasil Internet Ltda, Google Brasil Internet Ltda e Universo Online S/A foram autuadas por veicularem propaganda e publicidade, sem recolhimento do ICMS, imposto que os fiscais estaduais entenderam devido.
A matéria sempre foi controversa na doutrina e na jurisprudência, o mesmo ocorrendo no âmbito do Tribunal de Impostos e Taxas. Isso pode ser verificado, por exemplo, pelos resultados das votações. Entre os 8 acórdãos, há um único em que houve unanimidade. Nos outros 7, o posicionamento dominante foi obtido por maioria e, em 3 deles, depois do empate na votação, pelo voto de qualidade do presidente da câmara.
Prevalecia, até 2015, posicionamento definido no sentido de se considerar a veiculação de publicidade na internet prestação de serviço de comunicação, sujeita, portanto, à incidência do ICMS. Nesse sentido, há um acordão de 2014, da 11ª câmara, e um acordão da Câmara Superior, de 2015.
No processo relativo ao AIIM nº 3.154.111-2, da Câmara Superior, de 2015, em que foi relator o Juiz Celso B. Julian, já aparecem os argumentos fundamentais em torno dos quais se deram as divergências nos outros processos.
Nesse processo, a Juíza Vanessa Domene proferiu voto divergente, tendo sido vencida, mas acompanhada por 5 outros Juízes. Ela faz referência a doutrina de acordo com a qual haveria dois conceitos de relação comunicativa: a difusão e a comunicação. A primeira seria unilateral e, para que ocorresse, bastaria a emissão da mensagem. Na comunicação, ao contrário, a relação seria bilateral, sendo necessários emissor e receptor. De acordo com ela, no caso de veiculação de publicidade na internet, os receptores não seriam identificados, em função do que não seria possível se falar em comunicação propriamente dita.
Além disso, de acordo com a referida Juíza, para a realização da comunicação seriam necessários outros elementos, além daqueles presentes na simples cessão do espaço no sítio eletrônico. Nesse sentido, no caso concreto, a empresa autuada apenas cederia o espaço e quem faria a suposta comunicação seria o próprio contribuinte. Esse seria justamente o “cerne da questão” nas palavras do relator, Juiz Celso Julian: determinar se a publicidade na internet representa “mera cessão de espaço virtual” ou se constitui “serviço de comunicação”.
Em seu voto, ele argumenta que a expressão “serviços de comunicação” prevista no art. 155 da Constituição Federal deve ter um alcance mais amplo do que aquele que lhe foi dado pela Juíza Domene. Para ele, o alcance dessa expressão teria sido dado pelo art. 2º da Lei Kandir (87/96) que o fez de modo a incluir entre as formas possíveis de comunicação “a geração, a emissão, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza”.
Portanto, no seu entender, a atividade de comunicação independeria de existir um emissor identificado e atividade de veiculação de publicidade na internet estaria abrangida no conceito de comunicação, tal como previsto na Lei Complementar.
Por outro lado, o relator também argumenta que a Fazenda do Estado já havia se pronunciado sobre o tema, definindo que a atividade de veiculação de publicidade deveria ser tributada pelo ICMS. Ele faz referência expressa à resposta à consulta nº 186/2005, mas há, nos outros acórdãos, referência também à resposta à consulta nº 389/2004.
Nos termos da resposta à consulta 186/2005, “a atividade publicitária visa tornar públicas informações que pretendem influenciar mercados consumidores através dos diversos veículos de comunicação, sendo, portanto, uma atividade comunicativa. E se for veiculado na forma de serviço, mediante contraprestação de terceiros, ocorre prestação de serviço de comunicação”.
No processo 4.010.254-3, de 2014, outro argumento é lançado no voto vencedor que negou provimento ao recurso do contribuinte. De acordo com a relatora, Juíza Maria Cristina Diniz Machado, na veiculação e publicidade feita por meios físicos incide o imposto e não haveria, para ela, razão para se diferenciar este tipo de veiculação de publicidade daquele feito pela internet.
A partir de 2016, observa-se, no entanto, uma inversão dessa tendência de se considerar a veiculação e publicidade na internet como serviço de comunicação a ser tributado pelo ICMS. Dois acórdãos de 2016 tem decisões diferentes. Em um deles, por 3 votos contra 1, se nega provimento ao recurso ordinário do contribuinte, mas, no outro, se dá provimento ao recurso do contribuinte para considerar que publicidade na internet não é serviço de comunicação e o imposto que incide sobre essa atividade é o ISS e não ICMS. Nesse julgamento, foi dado provimento ao recurso do contribuinte por voto de qualidade, tendo o resultado da votação sido 2 x 2.
Dando continuidade a essa tendência, nos três acórdãos de 2017, os AIIM também foram cancelados: em dois deles, o AIIM foi cancelado por 3 votos contra 1 para mantê-lo e, em um deles, foi cancelado por votação unânime (4 x 0).
O argumento decisivo para a consolidação da nova tendência foi a promulgação da Lei Complementar nº 157, em 29 de dezembro de 2016. Referida norma alterou a Lei Complementar nº 116/03 (que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), e fez constar em sua Lista de Serviços anexa o item 17.25, com o seguinte teor: “17.25 – Inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade, em qualquer meio (exceto em livros, jornais, periódicos e nas modalidades de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita).”
O processo 4.037.765-9, em que foi relatora a Juíza Lilian Zub Ferreira é representativo desse novo entendimento do Tribunal. De acordo com a relatora, o conflito de competência entre ICMS e ISS é problema especialmente difícil para o contribuinte, pois ele pode ser cobrado por ambos os fiscos. Nesse sentido, além do entendimento do fisco estadual pela incidência do ICMS já mencionado, há também entendimento do fisco municipal (paulistano) no sentido da incidência do ISS (Parecer Normativo nº 1/2016).
Assim, o conflito de competência que, nos termos do art. 146, I da Constituição Federal, teria que ser resolvido por Lei Complementar, foi resolvido, como a Juíza argumenta em seu voto, pela Lei Complementar 157, que definiu como sendo dos municípios a competência para instituir o referido imposto.
O Juiz Rodrigo Pansanato Osada, ainda que tivesse concordado com a relatora em que a promulgação da Lei Complementar resolveu o conflito para fatos geradores posteriores a sua publicação, proferiu, no entanto, voto no sentido de que o disposto na lei complementar não atingiria as situações anteriores a ela. Nas suas palavras, a lei “dirimiu, de fato, o conflito de competência entre Estados e Municípios, entretanto, de modo prospectivo a sua vigência e eficácia”.
A Juíza Lilian Zub Ferreira tratou desse ponto em seu voto destacando que ela não pretendeu aplicar de forma “retroativa da Lei Complementar nº 157/2016”. Apenas argumenta que, como o legislador definiu claramente que a competência para a atividade em questão é do legislador municipal, não faria muito sentido se pensar que antes dessa definição ela não tenha sido. Não ouve alteração no texto da Constituição e assim as hipóteses tributárias de tributos estaduais sempre estiveram dentro da competência tributária estadual, e as hipóteses tributárias de tributos municipais sempre estiveram dentro da competência tributária municipal.
Outro tópico relativo a veiculação de publicidade na internet que foi objeto de julgamento pelo Tribunal de Impostos e Taxas foi o da imunidade na veiculação de publicidade na internet por jornal ou periódico em formato digital.
O processo nº 4.064.293-8 tratou da inserção de publicidade na versão eletrônica do jornal Folha de São Paulo que, como argumentou o contribuinte, seria idêntica à versão impressa.
A relatora, Juíza Cacilda Peixoto, negou provimento ao recurso do contribuinte, por entender que o artigo 150, inciso VI, alínea d, da Constituição deveria ser interpretado restritivamente e que a imunidade nele prevista “está restrita apenas ao papel ou aos materiais a ele assemelhados, que se destinem à impressão de livros, jornais e periódicos” […] De acordo com ela, a imunidade não poderia ser indiscriminadamente ampliada para casos não abrangidos na Carta Magna” e, portanto, ela atingiria o jornal impresso, mas não aquele veiculado por meio eletrônico.
No voto vista, o Juiz Leonel Cesarino Pessôa votou, ao contrário, pelo cancelamento do auto de infração. Ele argumentou que há posição consolidada, no Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a imunidade prevista no artigo 150, VI, alínea d da Constituição alcança a inserção de material publicitário em jornal impresso. E a questão seria, portanto, a de se decidir se “a imunidade, que alcança os jornais impressos, deve atingir também os jornais eletrônicos ou digitais”.
Ele destacou, em primeiro lugar, que o dispositivo do CTN que determina a interpretação literal trata de isenção e não de imunidade e que, em decisões passadas e no recente RE 330.817, o STF decidiu que os dispositivos que asseguram a imunidade devem interpretados de maneira ampla, de forma a levar em consideração os princípios que estariam na base da norma.
Por outro lado, argumentou que “uma interpretação atenta àquilo que teria querido dizer o legislador” não conduziria à tributação da inserção de publicidade em jornal digital. De acordo com ele, a norma teria que ser interpretada a partir de sua inserção no contexto em que foi criada. A norma que assegura imunidade foi criada no contexto em que havia apenas o jornal impresso e, no contexto presente, há também o jornal digital. Mas, nos dois casos, os veículos cumprem as mesmas funções e tratar-se-ia de proteger os mesmos valores assegurados pela Constituição.
5. Considerações Finais
Em face do exposto, percebe-se que a jurisprudência administrativa do TIT relativamente aos conflitos de competência entre o ICMS e o ISS apresenta diversos graus de evolução, a depender da matéria específica em exame. No caso das três controvérsias analisadas neste artigo, podem-se traçar as seguintes sínteses conclusivas:
(i) Quanto aos conflitos envolvendo a tributação de softwares, percebe-se que, embora haja influência da dicotomia entre softwares de prateleira e personalizados, a maior parte das decisões autorizou a incidência de ICMS sobre quaisquer softwares transferidos conjuntamente com hardwares (mercadorias), por vezes ignorando a distinção referida, por vezes, inclusive, criando uma terceira categoria. Não obstante, muitos temas novas relativos à tributação de software têm surgido, sem que tenham sido, ainda, examinados pelo tribunal administrativo.
(ii) No que respeita aos impressos personalizados, percebe-se que o posicionamento da Câmara Superior é no sentido de que o serviço de composição gráfica, sempre que personalizado e sob encomenda, sujeita-se unicamente ao ISS. Não obstante, a decisão mais recente analisada (Recurso Ordinário referente ao AIIM nº 40736829, julgado em 26/04/2017), a única a ser proferida após a Decisão Normativa CAT nº 4/2015 e a LC 157/16, foi no sentido de que incide o ICMS se o impresso for destinado a posterior comercialização.
(iii) Por fim, quanto à veiculação de propaganda por meio da internet, percebe-se que prevalecia, até 2015, posicionamento no sentido de se considerar a veiculação de publicidade na internetcomo prestação de serviço de comunicação, sujeita, portanto, à incidência do ICMS. A partir de 2016, no entanto, verifica-se uma inversão dessa tendência, tendo sido fundamental a inserção do item 17.25 na lista de serviços tributáveis pelo ISS, por meio da Lei Complementar nº 157/2016.
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[1] Diretiva 2006/112/EC.
[2] BORGES, José Souto Maior. O imposto sobre o valor acrescido. In: SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário- homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Quartier Latin, 2009. p. 348.
[3] Para Roque Antonio Carrazza, a autonomia dos entes federativos pressupõe a capacidade para prover as necessidades de seu governo e administração, para o que a Constituição reserva competências exclusivas e privativas para a instituição e arrecadação de tributos próprios. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 160.
[4] I. Recurso extraordinário : prequestionamento mediante embargos de declaração (Súm. 356). A teor da Súmula 356, o que se reputa não prequestionado é o ponto indevidamente omitido pelo acórdão primitivo sobre o qual “não foram opostos embargos declaratórios”. Mas se, opostos, o Tribunal a quo se recuse a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se pode exigir da parte (RE 210.638, Pertence, DJ 19.6.98). II. RE: questão constitucional: âmbito de incidência possível dos impostos previstos na Constituição: ICMS e mercadoria. Sendo a mercadoria o objeto material da norma de competência dos Estados para tributar-lhe a circulação, a controvérsia sobre se determinado bem constitui mercadoria é questão constitucional em que se pode fundar o recurso extraordinário. III. Programa de computador (“software”): tratamento tributário: distinção necessária. Não tendo por objeto uma mercadoria, mas um bem incorpóreo, sobre as operações de “licenciamento ou cessão do direito de uso de programas de computador” ” matéria exclusiva da lide “, efetivamente não podem os Estados instituir ICMS: dessa impossibilidade, entretanto, não resulta que, de logo, se esteja também a subtrair do campo constitucional de incidência do ICMS a circulação de cópias ou exemplares dos programas de computador produzidos em série e comercializados no varejo – como a do chamado “software de prateleira” (off the shelf) – os quais, materializando o corpus mechanicum da criação intelectual do programa, constituem mercadorias postas no comércio. (RE 176626, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 10/11/1998, DJ 11-12-1998)
[5] BARRETO, Aires. ISS na Constituição e na Lei. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2009. p. 143. CHIESA, Clélio. Competência para Tributar as Operações com Programas de Computador (Softwares). In. Revista Tributária e de Finanças Públicas. n. 36. São Paulo: RT, 2001. p. 53.
Paulo Ayres Barreto
Coordenador do Grupo de Pesquisa “Conflitos de Competência ISS X ICMS” do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP, Livre-docente (USP). Doutor e Mestre em Direito Tributário (PUC/SP). Bacharel em Direito (USP) e em Administração de Empresas (FGV/SP), Professor de Direito Tributário do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da USP, Professor convidado dos cursos de especialização em Direito Tributário do IBET, IBDT, PUC/Cogeae, GVLaw e USP-Ribeirão Preto. Advogado.
Bruno Palhares Bomtempo
Pesquisador do Grupo de Pesquisa “Conflitos de Competência ISS X ICMS” do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP, Especialista em Direito Tributário (FGV/SP), Bacharel em Direito (Mackenzie), Advogado.
Leonel Cesarino Pessoa
Pesquisador do Grupo de Pesquisa “Conflitos de Competência ISS X ICMS” do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP, Doutor em Direito (USP), Bacharel em Direito (USP) e em Filosofia (USP), Professor do Programa de Mestrado Profissional e Pesquisador do Centro de Pesquisa Jurídica Aplicada da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (CPJA – FGV/SP).
Paulo Arthur Cavalcante Koury
Pesquisador do Grupo de Pesquisa “Conflitos de Competência ISS X ICMS” do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP, Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário (USP), MBA em IFRS (normas internacionais de contabilidade) (FIPECAFI). Especialista em Direito Tributário (IBET). Bacharel em Direito (UFPa) com período cursado na Universidade da Flórida (EUA). Advogado.
Eurico Marcos Diniz de Santi
Coordenador Geral do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP, Doutor e Mestre em Direito Tributário (PUC/SP), Professor de Direito Tributário (FGV/SP), Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV/SP, Diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Consultor e Parecerista.
Eduardo Perez Salusse
Coordenador Geral do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP, Doutorando em Direito Tributário (PUC/SP), Mestre em Direito Tributário (FGV/SP), Bacharel em Direito (PUC/SP), ex Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, Advogado.
Lina Santin
Coordenadora Geral do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP, Mestranda em Direito Tributário (FGV/SP), LL.M em Direito Tributário (INSPER), Bacharel em Direito (Mackenzie), Advogada.
Dolina Sol Pedroso de Toledo
Coordenadora Geral do Projeto Observatório de Jurisprudência do TIT – FGV/SP, Mestre em Direito Político e Econômico (Mackenzie), Bacharel em Direito (Mackenzie), Advogada.
Grupo de Pesquisa sobre Jurisprudência do TIT do NEF/FGV Direito SP
Fonte: Jota-16/01/2018