Confia arrecada R$ 448 mi, e Receita espera aprovação do PL15 no 1º semestre
17/03/2025
Sem a validação no Congresso, a possibilidade de redução de multas fical limitada, o que pode impactar no interesse de adesão ao programa
O piloto do Programa de Conformidade Cooperativa (Confia) arrecadou R$ 448 milhões desde seu início por meio de acordos fechados com 20 empresas, segundo a Receita Federal. Para este ano, o fisco prevê expandir o número de participantes. Entretanto, sem a validação do tema pelo Congresso, a possibilidade de redução de multas fica limitada, o que pode diminuir o interesse dos contribuintes.
Destinado a grandes empresas, o Confia propõe uma relação mais próxima entre a Receita e os contribuintes, em que os participantes podem apresentar seus planejamentos tributários ao fisco e solicitar a validação sobre a conformidade da tributação. Instituído em abril de 2024 por meio da Portaria RFB 402/2024, o Confia ainda aguarda validação legislativa no âmbito do PL 15/2024, que estabelece três programas de conformidade tributária: Confia, Sintonia e OEA (Operador Econômico Autorizado). Desses, o Confia e Sintonia estão operando em fase piloto.
A proposta avança a passos lentos porque também trata da definição de devedor contumaz . Sua tramitação pode, ainda, ser afetada pelo andamento do PLP 125/2022 , que trata da caracterização desse tipo de contribuinte e está mais adiantado no Senado. São dois projetos sobre o tema, e o Senado aguarda um posicionamento do Ministério da Fazenda e do Congresso sobre a possibilidade de unificar alguns trechos, incluindo a regulamentação dos programas de conformidade.
A Receita Federal trabalha para que o projeto de lei seja votado no Congresso ainda neste semestre, com expectativa de implementação definitiva nos meses seguintes. Com a aprovação, a meta inicial é ampliar o alcance do programa para incluir entre 60 a 80 empresas, a depender da capacidade operacional da Receita Federal. O órgão também espera que, com a validação do projeto de lei, seja possível pedir um novo concurso para auditores fiscais, visando criar delegacias regionais especializadas no atendimento aos contribuintes inseridos no programa.
O auditor fiscal e coordenador do programa, Flávio Vilela Campos, descarta a possibilidade de o projeto de lei não ser aprovado no legislativo. “Não tenho a menor dúvida que ele [Confia] já se consolidou, o PL15 é prioridade do governo e estamos otimistas de que ele será aprovado, porque todo o projeto foi alinhado com os contribuintes. Então, está 100% acordado os interesses da Receita Federal, do Estado e dos contribuintes”, afirmou.
Se o Congresso não aprovar o PL 15/24, Campos não afasta a continuidade do projeto-piloto. O Confia deve se manter operando com número reduzido de participantes, segundo ele, pois, embora a redução de multas seja um dos atrativos aos contribuintes, a adesão também ocorre pelo “benefício de um acompanhamento tributário personalizado”, para o qual, afirma, existe demanda.
A redução de multas citada por Campos é a possibilidade de, em caso de divergência de interpretação entre fisco e contribuinte, os tributos serem cobrados sem a incidência das penalidades. Para as empresas, essa medida proporcionaria maior segurança, evitando que, após a exposição de suas estratégias tributárias, sejam autuadas tanto pela exigência dos tributos quanto pelas multas por seu não recolhimento. Sem a aprovação de lei, porém, o ponto não pode ser implementado.
Entre os temas já discutidos e regularizados no âmbito do Confia estão: Cide/Remessa para o exterior, imposto de renda pago no exterior e sua dedutibilidade nas estimativas mensais do IR, indenizações por ilícitos ambientais, erros de cálculo, juros sobre capital próprio, Imposto Retido na Fonte (IRRF) e receitas de restituição de indébitos da Tese do Século. Segundo ele, apenas nesses casos, os contribuintes deixaram de pagar cerca de R$ 336 milhões em multas.
O Confia abrange empresas com receita bruta acima de R$ 2 bilhões e que tenham, no mínimo, R$ 100 milhões em débito declarado.
Contribuinte e Receita Federal
A relação entre contribuintes e a Receita Federal em um programa de conformidade ainda reflete desconfiança, reconhece o coordenador do Confia. No âmbito do programa, há um receio por parte das empresas em abrir seu planejamento tributário devido a possíveis cobranças futuras, dizemespecialistas ouvidos pelo JOTA. Segundo Campos, essa preocupação não se justifica, pois o contribuinte “tem o direito de discordar da posição do fisco, para que ambas as partes cheguem a uma solução conjunta”.
“Discordar está tudo bem, o que a gente não permite é que tenha fraude (…) Nessa parte, se não houver acordo, vai ser encaminhado para ser trabalhado na fiscalização. É o trâmite, não existe outra opção. Se tiver um dever de ofício pela legislação, eu tenho que, mediante um pedido motivado, repassar para outra área”, disse.
Ainda assim, esse não é o objetivo da Receita Federal, que, segundo afirma o coordenador, busca a transparência, a cooperação e a previsibilidade na relação com os contribuintes para aprimorar a governança tributária das empresas e possibilitar a resolução de divergências de forma consensual, antes que se transformem em disputas judiciais.
Uma das estratégias do Confia para minimizar autuações fiscais decorrentes de divergências interpretativas é a utilização de consultas vinculantes, afirma Campos. Ele explica que, ao receber uma solicitação de um contribuinte, a Receita Federal tem buscado fazer discussões internas entre suas diversas áreas para estabelecer um entendimento uniforme.
Campos diz que tanto o Confia quanto o Acordo de Precificação Antecipada (APA) são iniciativas recentes que ainda demandam tempo para serem plenamente assimiladas pela Receita e pelos contribuintes. Os APAs permitem que empresas e a Receita Federal estabeleçam, de forma antecipada e vinculante, critérios para a definição dos preços de transferência em transações internacionais entre partes relacionadas.
Sobre a restrição dos APAs aos participantes do Confia, que gerou críticas por parte dos contribuintes, ainda não há uma posição definida sobre possível flexibilização dessa regra, segundo o coordenador. A Receita Federal ainda está analisando as contribuições recebidas na consulta pública da Instrução Normativa que regulamenta o artigo 38 da Lei 14.596/2023.
Modelo OCDE
Para o conselheiro do Carf e presidente da 1ª Turma da 3ª Câmara da 2ª Seção, Diogo Cristian Denny, um dos desafios do Brasil na implementação de programas de conformidade tributária é a mudança de cultura, porque, segundo analisa, o sistema tributário historicamente se baseia em uma abordagem mais punitiva, marcada por uma relação de “vilão e mocinho” entre fisco e contribuintes. Neste contexto, o Confia surge como uma das principais apostas de transformação.
Na Receita Federal, Denny observou que muitos contribuintes eram autuados repetidamente por questões que, em sua visão, poderiam ser resolvidas de forma mais eficiente. Ao analisar modelos internacionais, constatou que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) já havia desenvolvido diretrizes para programas de conformidade que poderiam ser utilizadas em todos os estados, só que no Brasil a adesão ainda ocorria lentamente.
Segundo avalia, o Confia segue a linha de programas de conformidade tributária adotados por outros países e alinhados às diretrizes da OCDE. Ele cita que experiências internacionais demonstram que programas desse tipo reduzem significativamente a judicialização e aumentam a eficácia da arrecadação tributária.
“Se a gente for fazer um paralelo, o programa de Operador Econômico Autorizado (OEA), por exemplo, que é onde um contribuinte que faz adesão, tem vários benefícios na aduana: hoje, os grandes importadores e exportadores estão todos no programa, porque, por exemplo, ele tem uma espécie de presunção de canal verde, ele vai ter uma facilidade das mercadorias entrarem e saírem do país. Eu acho que o Confia vai trazer um efeito similar, em que o contribuinte que aderir saberá que a Receita Federal estará ao lado dele. Isso não significa que não haverá fiscalização, mas minimiza litígios e dá mais previsibilidade ao contribuinte”, disse.
O Operador Econômico Autorizado (OEA) é um dos programas previstos no PL 15/2024, que prevê benefícios aduaneiros a empresas que demonstram alto grau de conformidade e segurança em suas operações de comércio exterior.
Denny acredita que a adesão ao Confia tende a crescer com o tempo, à medida que a desconfiança inicial entre a Receita e os contribuintes for sendo superada e as empresas reconhecerem os benefícios do programa. Por isso, lançou um livro sobre conformidade tributária em que busca abordar mecanismos que podem melhorar a previsibilidade e a transparência das empresas no cumprimento das obrigações fiscais.
Além de traçar um panorama sobre a conformidade tributária no Brasil e no exterior, a obra também apresenta sugestões para a Receita Federal, incluindo a criação de mecanismos preventivos voltados à redução do contencioso tributário.
Diane Bikel
Repórter