Qualquer abordagem mais agressiva de utilização de créditos ou teses deve estar atrelada a políticas rígidas de compliance.
No fim de 2019, a mídia deu grande destaque a uma operação realizada pela Polícia Federal que ficou conhecida como Operação Saldo Negativo e que desmontou um grande esquema de compra e venda de créditos tributários fictícios, envolvendo mais de 3.500 empresas, com suspeita de corrupção ativa e passiva, estelionato contra particulares, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.
O esquema incluía, inicialmente, a venda de fictícios créditos tributários com suposto deságio e, posteriormente, por meio do acesso ao certificado digital ou procuração eletrônica dos contribuintes, a retificação de obrigações acessórias eletrônicas para inclusão de informações falsas (créditos) ou até mesmo o cancelamento de débitos.
Qualquer abordagem mais agressiva de utilização de créditos ou teses deve estar atrelada a políticas rígidas de compliance.
É importante lembrar da citada Operação Saldo Negativo porque são rotineiras, nos departamentos jurídicos e financeiros das empresas, as visitas de consultorias ou escritórios de advocacia para apresentação de teses e/ou oportunidades tributárias. Mais comum ainda é que essas teses e/ou oportunidades envolvam a compensação tributária. Assim, ao avaliar cada uma dessas teses, é importantíssimo que se analise a forma como as compensações são operacionalizadas, além do reflexo dessa operacionalização nas obrigações acessórias, sendo essa avaliação uma condição essencial para validação de tais oportunidades.
No passado, os pedidos de restituição e compensação eram feitos em papel, o que permitia que qualquer tese, com ou sem embasamento, pudesse dar origem a uma compensação, que, posteriormente, seria analisada pela autoridade fiscal. No ambiente atual do SPED (Sistema Público de Escrituração Digital), esse cenário mudou bastante, pois todas as obrigações acessórias interagem entre si e, de certo modo, validam previamente as informações que são declaradas pelo contribuinte no chamado Pedido Eletrônico de Compensação (PER/Dcomp).
Não bastasse, o próprio PER/Dcomp foi formulado de modo a combater a utilização de créditos que conflitem com as possibilidades previstas pela Secretaria da Receita Federal. Com os pedidos eletrônicos e a restrição (ainda não total) aos pedidos em papel, viu-se uma queda significativa das fraudes ou de operações ditas “duvidosas”, especialmente porque o Programa PER/Dcomp, de imediato, já veda operações estranhas e que fujam do habitual.
A notícia citada no começo deste texto mostra que algumas manobras “mirabolantes” e fraudes (efetivamente) ainda são aceitas pelo sistema, mas não conseguem ultrapassar um cruzamento eletrônico mais apurado ou uma análise mais criteriosa da fiscalização, realizados no momento da validação efetiva do crédito (despacho decisório). As operações que não estiverem em conformidade com a legislação tributária não serão homologadas e, ainda, poderão ser acrescidas de multas de até 150% do valor compensado (225% no caso de fraudes). Isso sem falar das multas por inconsistência nas obrigações acessórias, como Escrituração Contábil Digital (ECD), Escrituração Contábil Fiscal (ECF), Escrituração Fiscal Digital (EFD) – Contribuições, que, dependendo do caso, podem atingir 3% sobre o valor do faturamento.
Não significa, entretanto, que se deve acatar os posicionamentos das autoridades fiscais com passividade e concordância absolutas. Abusividades, ilegalidades e posições restritivas de direitos devem ser combatidas administrativa e judicialmente, mas sem deixar de lado a preocupação com o compliance tributário, que é vital para as empresas que atuam hoje no Brasil e no mundo.
A exigência de comprovação de regularidade fiscal é condição essencial para a realização de negócios, obtenção de linhas de crédito/financiamentos, realização de operações societárias (investimentos), além da distribuição de dividendos. Portanto, as conformidades fiscal e tributária devem estar no radar das empresas e serem um pilar importante na tomada de decisão dos administradores.
Em ambiente eletrônico de obrigações fiscais, em que são fornecidas incontáveis informações ao Fisco, sujeitas ao cruzamento automático e imediato dessas informações, o grau de exposição dos contribuintes é elevadíssimo. Daí o motivo pelo qual qualquer abordagem mais agressiva de utilização de créditos, teses e/ou oportunidades deve estar atrelada a políticas rígidas de compliance tributário e fiscal, inclusive operacional e de contingenciamento, sob pena de colocar em risco toda a estratégia financeira/tributária, além de expor sócios e administradores, que poderão ser responsabilizados pessoalmente pelos passivos tributários existentes.
Valor Econômico – Por Thaís Folgosi Françoso – 11 de março de 2020