A Receita Federal tem extrapolado de suas competências já há algum tempo para se transformar num órgão auxiliar do Ministério Público. Por isso, a medida provisória que deixou claro que a função do Fisco está ligada à arrecadação, e não a combater o crime, veio em boa hora.
É o que conclui parecer da comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB, assinado pelo tributarista Igor Mauler Santiago. O trabalho defende a constitucionalidade da “restrição”, prevista no projeto de conversão em lei da Medida Provisória 870, criticada por auditores fiscais e pela ala punitivista do Ministério Público Federal.
A proposta, em tramitação no Congresso, é estabelecer que a Receita só pode compartilhar informações com o MPF mediante autorização judicial.
O documento mostra que a Lei nº 10.593/2002 não proíbe que os auditores denunciem às autoridades competentes os crimes de qualquer natureza de que tenham conhecimento a partir de elementos não sigilosos (escravos, drogas ou armas de uso restrito que encontrem no estabelecimento visitado, por exemplo).
“Sequer é necessário ser auditor para praticar tais ações. O objetivo da regra é outro: esclarecer que, em razão da cláusula constitucional que garante o sigilo bancário e fiscal – inaplicável ao Fisco, mas oponível às autoridades de persecução criminal –, aquele não pode repassar a estas, sem ordem judicial, as informações protegidas a que tenha acesso”, diz trecho do documento.
Segundo o tributarista, está na na Constituição, tal como interpretada pelo Supremo Tribunal Federal, a regra de que os Fiscos não têm competência para investigar crimes não fiscais (ou aduaneiros, para a Receita Federal).
“A limitação constitucional é reiterada, no âmbito da União, pelo artigo 6º da Lei nº 10.593/2002, que lista de forma taxativa as atribuições dos Auditores-Fiscais e dos Analistas-Tributários, sem nelas incluir a investigação de crimes alheios às relações tributárias ou aduaneiras”, aponta.
Segundo o parecer, a mais notória extrapolação das competências pela Receita Federal é a Nota 48/2018 RFB/COPES, de caráter sigiloso, mas vazada na imprensa, a qual confessa que o objetivo da RFB é apurar a atuação de agente público “como partícipe de uma eventual ação irregular”.
“Sugere ainda maior atenção da fiscalização na fonte de recursos do que no contribuinte e admite que nem todas as fiscalização abertas em seu cumprimento levarão, necessariamente, à constatação de fraudes nos termos da legislação” ali tratada (lavagem de dinheiro), podendo haver casos onde se constate mera “irregularidade tributária”, diz.
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Por Gabriela Coelho
Gabriela Coelho é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 14 de maio de 2019.
https://www.conjur.com.br/2019-mai-14/comissao-oab-defende-limites-relacao-entre-fisco-mp