Com fim de incentivos fiscais a partir de 2033, estados miram benefícios financeiros
8 DE MARÇO DE 2024
SEGUNDO SECRETÁRIOS DE FAZENDA, FUNDO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL PODE FINANCIAR SUBSÍDIOS PARA ATRAIR EMPRESAS
Aguardando a regulamentação da reforma tributária, os governos estaduais discutem o impacto das mudanças e quais medidas podem ser adotadas para amenizar os seus possíveis efeitos negativos. A preocupação maior é o fim dos benefícios fiscais do ICMS, tributo que completará a transição para Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em 2033. Com a perda do que consideram um instrumento poderoso para atrair investimentos, os estados têm discutido outras formas de incentivo à economia. Entre elas estão os chamados benefícios financeiros, que não têm caráter tributário.
Tributaristas divergem quanto a esse tipo de benefício estar ou não autorizado pela reforma. Enquanto uma corrente afirma que o texto aprovado veda benefícios fiscais ou financeiros vinculados ao IBS, a outra entende que tudo depende da regulamentação das mudanças.
Os benefícios financeiros devem sair do próprio caixa dos estados e constar no Orçamento. Podem ser concedidos, por exemplo, sob a forma de subvenção econômica (transferência financeira às empresas mediante contrapartidas), crédito subsidiado (empréstimo com taxa de juros abaixo do mercado), equalização de juros (quando o governo arca com parte dos juros de um financiamento) e concessão de áreas.
Os governos estaduais admitem que é cedo para traçar uma política de desenvolvimento que substitua os atuais benefícios fiscais, já que faltam nove anos para o IBS entrar em vigor. Porém, ponderam que é necessário acompanhar a regulamentação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR), instituído pela Emenda Constitucional (EC) 132/2023, da reforma tributária. A expectativa dos estados é que o fundo – que deve receber aportes da União a partir de 2033, atingindo R$ 60 bilhões em 2042 – financie os benefícios financeiros, destinados a manter a atratividade dos estados para a instalação de empresas.
O governo federal tem até junho para enviar ao Congresso os projetos de lei regulamentando a reforma tributária. E m janeiro, o Ministério da Fazenda deu o pontapé inicial no processo, ao criar o Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo (PAT-RTC), que tem uma comissão de sistematização, um grupo de análise jurídica e 19 grupos técnicos. Entre eles, 15 grupos são voltados à regulamentação do IBS e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Em paralelo, frentes parlamentares que representam setores produtivos e entidades civis criaram 20 grupos de trabalho para debater o tema. As propostas também devem ser concluídas até o fim de março.
Segundo André Horta, diretor institucional do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda (Comsefaz), hoje os benefícios fiscais do ICMS funcionam como um elemento de atração de investimentos para estados que não são grandes mercados consumidores ou não possuem infraestrutura de transportes, características que costumam atrair grandes empresas. “Estamos vendo com muita preocupação [a situação dos estados menos favorecidos com o fim dos benefícios fiscais]. Hoje é um elemento de atração de investimentos e isso vai mudar. O Brasil é um país de abissais desigualdades”, observa.
Conforme o diretor do Comsefaz, com a reforma tributária, a ideia é que a intervenção para redução das desigualdades regionais seja feita pelo governo federal, por meio de uma política nacional de desenvolvimento. Porém, segundo ele, isso não impede que os estados tenham uma agenda própria de fomento à economia. O diretor observa que é possível atrair empresas por meio de investimentos em infraestrutura ou incentivos sem caráter tributário.
Para Horta, frente a essa possibilidade, é fundamental para os estados acompanhar a regulamentação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional. “O FNDR é uma possibilidade. O que vai acontecer com ele? Não sabemos. Isso vai ser discutido nos grupos de trabalho. Como serão usados esses R$60 bilhões [a serem aportados pela União]? Isso vai ser definido na proposta de lei [para regulamentação]. Esperamos que seja tudo em investimento, que [o estado] possa, eventualmente, usar como subsídio para a empresa se instalar”, comentou.
Nova guerra
Secretário de Fazenda do Pará, René Sousa Júnior afirma que a expectativa dos estados é utilizar os recursos do FNDR para atrair indústrias e desenvolver suas regiões. “A nossa expectativa é grande para que a maior parte do recurso venha para o Norte e Nordeste e que possamos usar o benefício financeiro para atrair indústrias. Dar subsídio financeiro mesmo”, diz.
Para o secretário, trata-se de um incentivo mais transparente do que os benefícios fiscais. “O que é isenção fiscal senão doação de dinheiro público? A diferença é que a isenção fiscal não aparece no Orçamento. O dinheiro que a gente está querendo doar [às empresas] vai ser transparente”, argumenta.
Já o secretário de Fazenda do Mato Grosso, Rogério Gallo, afirma que um possível efeito colateral é que a atual “guerra fiscal”, em que os estados competem para atrair empresas por meio de benefícios do ICMS, seja substituída por uma guerra por subsídios orçamentários. Segundo Gallo, para evitar essa disputa e a ampliação das desigualdades regionais, os recursos do FNDR devem ter uma distribuição justa.
“Quanto mais dinheiro um estado tiver para o seu fundo, mais força ele terá para atrair empresas por meio desse mecanismo de benefício financeiro. Por isso, tem que existir um critério de partilha que seja justo o suficiente”, afirma. Na EC 132, ficou definida a distribuição segundo coeficientes calculados com base na população dos estados (peso de 30%) e na participação no Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (peso de 70%).
Conforme o secretário de Fazenda do Mato Grosso, a solução não contemplou o estado. “Houve uma distorção com os estados do Centro-Oeste, que são os estados produtores. Nossa população é pequena e também temos uma participação pequena no FPE, pois temos um alto PIB per capita”, diz. Segundo Gallo, apesar do PIB elevado devido ao agronegócio, entre as obras de infraestrutura necessárias no Mato Grosso está a pavimentação de 20 mil quilômetros de estradas.
Conforme o secretário, o estado do Mato Grosso atuou no Congresso Nacional pela inserção de um terceiro critério de distribuição, que leva em conta a participação da região na produção de produtos primários. Porém, não foi bem sucedido. Gallo afirma que agora só é possível alterar a distribuição que prevaleceu na EC 132 por meio de outra emenda constitucional. Porém, garante que o estado acompanhará de perto a regulamentação do FNDR.
Já Maria das Graças Moreira Ramos, superintendente da Receita do Piauí, observa que “provavelmente” a partir de 2033 o incentivo à economia se dará por meio dos recursos transferidos aos estados por meio do FNDR. Porém, afirma que a discussão sobre o tema é incipiente. “Estamos começando a pensar nas leis. Esse mecanismo ainda vai ser estruturado. Isso vai ser discutido durante a regulamentação”, afirmou.
Devolução de imposto
No Espírito Santo, o subsecretário da Receita estadual, Thiago Duarte Vicêncio, afirma que o governo estuda a possibilidade de conceder o benefício financeiro sob a forma de devolução de imposto, a partir de 2033. Vicêncio entende que se trataria de um benefício financeiro, e não tributário, uma vez que seria registrado como despesa no orçamento estadual. Segundo ele, com a reforma tributária, “sai a possibilidade de benefício fiscal ou tributário, como é atualmente, e abre-se a discricionariedade de os estados concederem benefícios financeiros, com toda a transparência necessária”.
Porém, advogados divergem sobre a possibilidade de concessão de benefícios financeiros em substituição aos atuais benefícios fiscais do ICMS. O advogado Gustavo Brigagão, sócio do Brigagão, Duque Estrada e presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), entende que isso não seria possível devido a uma vedação no artigo 156-A, artigo 1°, inciso X da EC 132/2023. Conforme o dispositivo, o IBS “não será objeto de concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais relativos ao imposto ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação, excetuadas as hipóteses previstas nesta Constituição”.
Já a advogada Mariana Martins Barros, coordenadora da área tributária do escritório Carlos de Souza Advogados, entende que isso dependeria da regulamentação da reforma tributária. “Tudo vai depender do conceito que se tem. Hoje, tratamos como equivalente tanto o benefício fiscal como o financeiro. Agora, a questão do benefício financeiro para depois de 2033 teria que ser algo desvinculado do que temos hoje [em relação ao ICMS]”, comentou.
Conforme Vicêncio, da Receita do Espírito Santo, os estados estão respaldados para a concessão de benefícios financeiros pelo artigo 159-A, inciso II, da EC 132. O dispositivo institui o FNDR, prevendo que o objetivo do fundo será o “fomento a atividades produtivas com elevado potencial de geração de emprego e renda, incluindo a concessão de subvenções econômicas e financeiras”.
Rogério Gallo, da Fazenda do Mato Grosso, entende que poderia ser estabelecido um mecanismo de devolução de imposto, em que os estados concedam subvenção econômica tendo como um dos critérios o imposto pago pela empresa. “A métrica pela qual você vai dar o subsídio poderá ter uma relação com o imposto. Vamos supor que a empresa recolheu R$100 milhões por ano. O estado pode dizer: ‘Vou devolver 50% sobre o que você recolheu’. A empresa vai recolher ao Comitê Gestor [do IBS] e o estado, através do seu orçamento, vai devolver R$50 milhões. É um dos critérios possíveis, não tem relação com o IBS”, diz.
Compensação
Outro ponto da regulamentação da reforma tributária no qual os estados estão de olho é a criação do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais (FCBF), que deve receber aportes anuais da União a partir de 2029, atingindo R$ 32 bilhões em 2032. O objetivo deste fundo é compensar estados e contribuintes durante o período de transição do ICMS para o IBS, que vai de 2029 a 2032. A ideia é que os recursos sirvam para honrar os compromissos assumidos pelos estados que concederam benefícios ligados ao ICMS a empresas em seu território. Porém, existe preocupação quanto à forma de distribuição e suficiência dos recursos.
“Ainda não se sabe quais serão os critérios e limites para apuração das perdas nem os procedimentos da União para habilitar a compensação aos estados. Isto será definido em lei complementar”, afirma Cleverson Siewert, secretário de Fazenda de Santa Catarina.
Segundo Siewert, há dúvidas também quanto ao tipo de benefício que poderá ser compensado. A EC 132 diz que o fundo compensará os titulares de “benefícios onerosos”. Porém, o secretário destaca que o conceito de benefício oneroso não está claro na emenda constitucional. “Há dúvidas sobre o que se interpreta como ‘benefício oneroso’. Também ficou definido que a União deverá complementar os recursos do fundo na hipótese de serem insuficientes. É grande o receio de que a compensação não se concretize e que os estados tenham que arcar com esses prejuízos”, concluiu.
Mariana Branco
Repórter