Com filtro da relevância, STJ deixará de ser vítima de formalidades, diz Kukina
Danilo Vital
10 de setembro de 2024
Judiciário
Quando o filtro da relevância for finalmente regulamentado por lei federal, o Superior Tribunal de Justiça terá a oportunidade de dar mais peso às questões de mérito trazidas nos recursos que recebe, deixando de lado um modelo que preza mais pela forma do que pelo conteúdo.
Essa análise é do ministro Sérgio Kukina, do STJ, que tratou do tema em palestra no VI Encontro Nacional Sobre Precedentes Qualificados, sediado nesta terça-feira (10/9) pelo Tribunal Superior do Trabalho.
O filtro da relevância foi criado pela Emenda Constitucional 145/2022 e prevê que o requisito para o STJ julgar um recurso especial seja a comprovação de que a questão federal enfrentada tem relevância para além do caso concreto.
Esse instrumento tem potencial para reduzir de 30% a 40% o número excessivo de processos que chegam ao tribunal anualmente. Por decisão do próprio STJ, o filtro só será colocado em prática após o Congresso editar lei de regulamentação.
Diante desse cenário, o ministro Kukina aponta que a entrada em vigor do filtro, independentemente da forma como for regulamentado, pode permitir ao STJ voltar seu olhar para a questão de mérito trazida nos recursos.
“Hoje, efetivamente, nos vemos de algum modo aprisionados a um modelo em que a estrela da companhia acaba sendo a forma. Somos vítimas de um modelo que, não sei se pensado dessa forma, foi engendrado de forma tal que acabou por cooptar todos os atores da relação jurídico processual”, disse ele.
Na prática, prevalecem os óbices processuais, sendo o maior deles a Súmula 7 do STJ, que impede reanálise de fatos e provas. A primeira batalha — e, por vezes, a mais importante — é para afastar essa aplicação.
Isso faz com que o cidadão nem desconfie que seu primeiro adversário na causa pode ser o próprio advogado: a contratação de um defensor que desconheça o mecanismo do recurso especial pode fazer com que sua pretensão vá para o ralo sem qualquer análise do mérito.
“Eu espero, de coração, que se avizinhe um tempo em que eu possa olhar para o recurso e dizer: é tempestivo? O preparo está pago? Então vamos enfrentar o mérito”, afirmou Kukina.
“Do que adianta, no final do ano, ler na imprensa que o tribunal produziu mais de 400 mil decisões. E daí? Quantas foram ao mérito? Umas 2,5 mil? Então alguma coisa está errada no sistema. Ou ninguém sabe recorrer ou nós não sabemos julgar. Não é possível um modelo de faz-de-conta em que a promessa constitucional de acesso à Justiça não se realiza.”
Para o magistrado, o mecanismo da relevância da questão federal traz a possibilidade de mudar a configuração desse modelo, “em linha com o princípio tão festejado da primazia do julgamento do mérito. A ideia de julgar e decidir, efetivamente”.
Mudança de cultura
Na mesma mesa, a advogada Ana Carolina Caputo Bastos apontou a necessidade de uma mudança de cultura nas faculdades e na formação dos atores do sistema judicial, para permitir que sejam formados uma jurisprudência e precedentes íntegros e estáveis.
“O que eu espero da relevância da questão federal é que ela pode ser tudo ou nada, a depender de como virá essa formação daqui para frente. Acho que vai ser a grande oportunidade de o STJ assumir verdadeiramente seu papel.”
Em sua avaliação, a regulamentação a ser feita por lei pelo Congresso terá a oportunidade de ajustar “maus sinais” que a Constituição Federal acabou dando sobre como será processada a questão da relevância federal para julgamento no STJ.
Ela cita o exemplo das ações penais, as quais, de acordo com a EC 125/2022, têm relevância presumida — ou seja, toda e qualquer questão passará direto pelo filtro para ser julgada no STJ.
“Ações penais têm questões processuais que podem não ter tanta abrangência ou importância para justificar um pronunciamento do STJ. Pode ser uma questão preliminar que não tem nada a ver com penal, por ser uma regra de processo.”
Danilo Vital é correspondente da revista Consultor Jurídico em Brasília.