ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 18 de outubro de 2017.
DECLARAÇÃO DE VOTO
Procedo à presente declaração de voto com o fito de deixar consignadas nos autos as razões que me levaram a divergir, em parte, do entendimento esposado pela d. maioria, formada pelos votos proferidos pelos e. Desembargadores Federais Antonio Cedenho e Nery Júnior.
Penso, respeitosamente, que o integral desprovimento do agravo produzirá quadro fático e jurídico insustentável, na medida em que, a um só tempo, impedirá o Fisco de exercer sua função típica, viabilizará à agravada realizar importações completamente a salvo de qualquer controle e tributação, mesmo que ao final do processo o resultado seja-lhe inteiramente desfavorável.
Com efeito, a decisão de primeira instância, confirmada pelos votos da d. maioria da Turma, deferiu a antecipação dos efeitos da tutela provisória “para determinar que a ré se abstenha de obstar o desembaraço aduaneiro ou de promover a autuação da empresa autora pela importação dos produtos Princess Filler, Princess Volume e Princess Rich – soluções de hialuranato de sódio injetável, sob o argumento de que a classificação alfandegária seria outra que não a NCM 3004.90.99″ (f. 34-verso deste instrumento, f. 208-verso do feito principal).
Ora, a autuação fiscal é procedimento inafastável, pois somente por meio dele é que se documenta, no âmbito tributário, a importação e a posição do Fisco a respeito de sua regularidade e da classificação do produto. Sem a autuação e na pendência do processo, a agravada restará livre para importar os produtos mencionados e, caso a final o resultado da causa seja de improcedência do pedido inicial, não haverá como resgatar-se o quanto foi importado e não haverá possibilidade de tributar-se por isso.
Penso, com a máxima vênia, que o caso seja de, quando muito, suspender-se a exigibilidade do crédito tributário resultante das autuações – tanto daquela que moveu a agravada a buscar o Poder Judiciário quanto de todas as outras que vierem a ser feitas doravante – sem, contudo, impedir-se o Fisco de proceder às devidas autuações.
Note-se que, sem as autuações, além da já apontada impossibilidade de, no futuro, saber-se o quanto foi importado, consumar-se-á, inafastavelmente, a decadência.
Ante o exposto, por meu voto, dou parcial provimento ao agravo para, reformando em parte a r. decisão agravada, apenas suspender a exigibilidade dos créditos decorrentes da classificação diversa dos produtos referidos na petição inicial, sem, contudo, obstar a agravante de promover as respectivas autuações, com vistas a documentar os fatos e afastar questionamentos acerca de eventual decadência.
É como voto.
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela União em face de decisão que deferiu pedido de tutela de urgência, para que ela classifique na posição 3004.90.99 da Nomenclatura Comum do Mercosul os produtos descritos na petição inicial – “Princess Filler”, “Princess Volume” e “Princess Rich” -, abstendo-se de promover autuações com base em classificação fiscal diversa.
Sustenta que a suspensão da exigibilidade de tributos aduaneiros reclama depósito judicial. Argumenta que o artigo 570, §4°, do Decreto n° 6.759/2009 faz a exigência.
Alega também que o pedido acolhido não é determinado. Explica que a imposição de classificação para importações futuras produz efeitos normativos, impedindo a fiscalização aduaneira em cada caso e usurpando as atribuições do Poder Executivo.
Acrescenta que apenas a tutela concedida no controle concentrado de constitucionalidade tem essa eficácia.
O agravo tramitou sem análise de efeito ativo.
ANTONIO CEDENHO
VOTO
Primeiramente, o recurso está limitado à necessidade de depósito judicial para a tutela de urgência e aos efeitos normativos do provimento inibitório. O mérito do conflito de interesses – classificação fiscal das mercadorias “Princess Filler”, “Princess Volume” e “Princess Rich” -, não foi devolvido ao Tribunal.
A concessão de tutela provisória não pode ficar dependente aprioristicamente de qualquer garantia. O juiz, baseado na especificidade do litígio, pode exigi-la ou não, segundo o poder geral de cautela (artigo 300, §1°, do CPC).
O depósito previsto para o desembaraço aduaneiro de que consta exigência fiscal não se aplica ao processo judicial, seja porque textualmente está vinculado à jurisdição aduaneira (artigo 570, §4°, do Decreto n° 6.759/2009), seja porque a inafastabilidade da prestação jurisdicional veda condicionamentos abstratos.
O CTN – aplicável aos tributos exigíveis no despacho de importação – arrola, inclusive, a tutela antecipada como fundamento autônomo de suspensão da exigibilidade, desvinculando-a previamente de depósito (artigo 151, V).
A imposição de classificação fiscal para importações futuras tampouco produz efeitos normativos – comando abstrato e genérico para regulamentação prospectiva.
Se o contribuinte realiza rotineiramente operações que possam levar à incidência de tratamento já praticado em nível administrativo, a concessão de tutela provisória, na forma de obrigação de não fazer, assume conotação específica e individual. O provimento não se torna geral e incerto, mas se volta a um conflito de interesses com probabilidade de concretização, individualização.
A antecipação não significa usurpação da competência do Poder Executivo, especificamente dos organismos encarregados do despacho aduaneiro. O posicionamento institucional da Receita Federal do Brasil está devidamente configurado, alcançando diretamente a esfera jurídica do importador e dando origem a uma controvérsia cuja inibição faz parte da atividade do Poder Judiciário – ameaça de lesão a direito, nos termos do artigo 5°, XXXV, da CF.
O Superior Tribunal de Justiça assumiu essa posição após o julgamento de embargos de divergência:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA. INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA. EFEITOS PROSPECTIVOS. CABIMENTO.
De acordo com os autos da ação declaratória, a empresa promoveu diversas importações dos produtos “Princess Filler”, “Princess Volume” e “Princess Rich”, que são classificados pelo Fisco na posição 3004.90.90 da Nomenclatura Comum do Mercosul, em contraposição ao código descrito nas declarações do importador (3004.90.99).
A pessoa jurídica impetrou, inclusive, mandado de segurança para obter o desembaraço aduaneiro das últimas mercadorias importadas, conforme a classificação 3004.90.99.
As operações da empresa e as autuações frequentes da Administração Tributária fornecem, portanto, grande dose de concretização e individualização ao conflito consubstanciado no enquadramento fiscal dos produtos “Princess Filler”, “Princess Volume” e “Princess Rich”, a ponto de justificarem a expedição de tutela judicial inibitória.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.