JULGAMENTO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. CÂMARA SUPERIOR DE RECURSOS FISCAIS (CSRF). VOTO DE QUALIDADE. ARTIGO 19-E DA LEI 10.522/2002. IRRETROATIVIDADE. ALEGAÇÃO DE RESPALDO EM JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA, COM FORÇA NORMATIVA. SUSCITAÇÃO DE INAPLICABILIDADE DE MUDANÇA POSTERIOR DE ENTENDIMENTO. PREMISSAS FÁTICAS E JURÍDICAS INFIRMADAS. PREJUÍZOS FISCAIS. IRPJ E CSL. BENEFÍCIO FISCAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. SUCESSÃO EMPRESARIAL. EXTINÇÃO DA PESSOA JURÍDICA POR INCORPORAÇÃO. COMPENSAÇÃO. LIMITE DE TRINTA POR CENTO. APLICABILIDADE. MULTA MORATÓRIA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. A alegação de que o voto de qualidade, no âmbito do CARF, atenta contra a isonomia entre Fisco e contribuinte pressupõe que, por ser o presidente de turma necessariamente representante da Fazenda Nacional (artigo 25, §9º, do Decreto-lei 70.235/1972), este decidiria, invariavelmente, em desfavor do contribuinte, o que, afora constituir séria imputação de parcialidade, é ilação desautorizada pela prática, segundo a prova dos autos. Com efeito, segundo dados oficiais do CARF produzidos em fevereiro do ano corrente, no curso de 2020, 3,2% das votações foram decididas por qualidade, sendo 1,3% (do total geral, ou 40,63% das votações decididas por tal sistemática de desempate) dos resultados a favor do contribuinte. 2. A superveniente promulgação do artigo 19-E da Lei 10.522/2002 (que alterou, de maneira superveniente, a sistemática do voto de qualidade no âmbito do CARF) não aproveita à suscitação de nulidade, dado que não demonstra vício no julgamento ocorrido sob égide normativa anterior e, tampouco, retroage para modificá-lo. O fato de ter sido criado com invocação expressa do artigo 112 do CTN não desnatura o teor do comando normativo, que é restrito a penalidades, independentemente de a redação final do novo dispositivo ter suprimido tal sentido do texto. Assim, não se pode manejar tal circunstância para atacar retroativamente o crédito principal, como se pretende nos autos, já que a própria possibilidade de retroação de direito admitida pelo CTN, seja pelo artigo 112 (que, a rigor, não cuida de aplicação intertemporal da legislação) como pelo artigo 106, II, é restrita a penalidades. O artigo 144 do Código Tributário Nacional, aliás, é expresso em, congruentemente, vedar a retroação de legislação, em caráter geral (com o que as outras disposições referidas devem ser tidas por hipóteses excepcionais e específicas). 3. Mesmo que aplicada a pretendida retroação, o resultado não seria a anulação do crédito tributário, mas a devolução dos autos ao CARF para, proclamado o resultado do julgamento a favor do contribuinte, conceder-se prazo à Fazenda para o que entendesse de direito. De toda a sorte não se verifica, na espécie, hipótese que autorize tal produção de efeitos ex tunc, para fim de validar a exclusão sequer da multa de ofício aplicada. É que a a modificação de regra de votação de colegiado administrativo é norma processual e, desta feita, como consabido, é aplicável de imediato, mas apenas de forma prospectiva, como prevê o CPC/2015 (artigo 14). 4. A norma em questão não é híbrida. O voto de minerva não importa desempate apriorístico a favor da Fazenda Nacional, a significar que, em si, não possui qualquer conteúdo material, sequer indireto. Sendo técnica de votação que simplesmente elege um voto dentro do colegiado, seja qual for seu teor, como prevalente, é forçoso que se reconheça que a mecânica é desprovida de qualquer definição intrínseca de direito material. 5. Ao se afirmar que o encerramento da lide administrativa (logicamente, com manutenção da cobrança) é pressuposto da exigibilidade do crédito relativo à sanção, não mais do que se diz que o crédito há que estar definitivamente constituído, apenas, segundo o procedimento aplicável e vigente à época dos fatos. Não há como se extrair desta observação qualquer conteúdo material intrínseco ao regime de votação adotado que permitiria que, caso alterado, fossem retroativamente modificados todos os resultados materiais produzidos anteriormente. 6. Inaplicável, de qualquer forma, o artigo 112 do CTN. Não há que se confundir técnica de votação com a análise, pelo intérprete, da legislação sobre o caso. O dispositivo em referência incide na aplicação da norma pelo intérprete, que o deve considerar ao apresentar entendimento sobre os fatos: na hipótese, na prolação de cada voto por cada conselheiro, e não na apuração do resultado do julgamento, pela turma. Ainda que como decisão colegiada não se tenha resultado unânime ou mesmo majoritário em qualquer sentido, dada a divergência entre os votantes, que se presumem convictos de seus votos, disto não resulta configurada a situação de “dúvida” do órgão julgador no sentido legal e para o efeito preconizado. 7. É certo que pode ser estabelecido que, em caso de empate de votação, o julgamento deve ser definido a favor do indivíduo. Sucede que isto não ocorre, a rigor, porque haja dúvida do colegiado sobre os fatos em julgamento, mas apenas porque, em votação, não há maioria convicta (como critério objetivo de proclamação de resultado) da conduta infracional. A técnica de votação (que poderia até mesmo impor maioria absoluta ou qualificada) em si não é, ou de qualquer forma representa, pronunciamento de mérito. Perceba-se que, se assim não fosse, haveria que se considerar que cada voto divergente representa suposta carga de dúvida em relação ao entendimento inicial. Logo, todo julgamento não unânime seria marcado por carga de dúvida não solucionada. Às últimas consequências, qualquer sanção (e aqui é pertinente o contraste com o direito penal, ou mesmo a referência à tese do in dubio pro contribuinte) não validada de forma unânime haveria que ser anulada, porque a presunção de inocência não admite qualquer nível de dúvida, a evidenciar o despropósito da tese. 8. O novel artigo 24 da LINDB, ao interpretar, no respectivo parágrafo único, o que deve ser entendido por “orientações gerais”, conforme dispõe o caput, menciona expressamente a “prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público” que, no caso, apontava a conduta em discussão como irregular. 9.Como indicado no próprio estudo acadêmico invocado, a jurisprudência do CARF não se manteve, a rigor, unânime, havendo precedente pela manutenção da trava percentual em discussão, em acórdão de 19/10/2004. No mais, a própria existência de múltiplos conflitos sobre a interpretação da matéria no âmbito administrativo já deveria servir suficientemente à percepção de que a pretensão exercida por conta e risco da empresa em extinção não era pacífica. Até porque, conquanto possa se entender pela aplicação do artigo 24 da LINDB, promulgado em 2018, a fatos de 2007, é certo que, de todo o modo, a tal época, inexistente tal dispositivo, o contribuinte não possuía, a teor do já demonstrado, qualquer indicativo razoável de que poderia valer-se, sob sua própria interpretação, da jurisprudência administrativa, majoritária que fosse, como fundamento em tese hábil a manter conduta que, sabidamente, era objeto de autuação por parte das autoridades fiscais. 10. O princípio da confiança, conquanto informe as relações jurídicas em caráter geral, possui incidência casuística e circunstancial no âmbito da desconstituição de efeitos jurídicos. Exige-se, para tanto, análise sob prisma subjetivo da conduta atribuída a agentes envolvidos, segundo especificidade de cada caso concreto, não se tratando de subsunção objetiva e indistinta como regra de anulabilidade de atos jurídicos. De fato, não há sentido em defender, a posteriori, a aplicação, com força desconstitutiva, do princípio da confiança, se não há demonstração de que a conduta da parte, que se diz prejudicada, foi realmente praticada sob tal signo. A discussão em abstrato, no sentido de que a empresa poderia ter se considerado, à época, respaldada por tal ou qual fundamento, a rigor distorce o próprio fundamento invocado, que exige que tal percepção tenha efetivamente sido influente na decisão tomada e que, de fato, o contexto à época indicasse tal leitura dos fatos como razoável. 11. De mais a mais, é necessário ainda pontuar que a valoração administrativa de norma legal, ainda que prestigiada por novos dispositivos da LINDB a título de louvável fomento de segurança jurídica, não é absoluta. Cabe, sem dúvida, ao Poder Judiciário, segundo o próprio sistema constitucional de garantias individuais, a interpretação última da legislação, pelo que não se pode falar de proteção à confiança ou à segurança jurídica, com base em jurisprudência, se não com referência àquela produzida pelos corretos órgãos com atribuição para dizer, em definitivo, o direito. Nesta linha, em se tratando de jurisprudência administrativa, não há como se pretender que seja sobreposta à jurisprudência judicial (que também é referida no novo artigo 24 da lei em comento), acaso desta divirja. Sucede que ao menos desde 2002 o Superior Tribunal de Justiça sinalizava que a compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas é benefício (a atrair as considerações meritórias iniciais, no sentido de que a fruição respectiva apenas é possível segundo regra legal própria, em interpretação literal), e desde pelo menos 2003 há precedente que aponta a necessidade de previsão legal expressa para procedimentos de compensação de prejuízos entre incorporada e incorporadora. Os julgados da Corte Superior sobre os dois aspectos apontados (compensação de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas como benefício fiscal e higidez da trava em caso de extinção da pessoa jurídica) continuaram a ser reproduzidos durante a mesma década em relação à qual se argumentou que a jurisprudência administrativa vigia em sentido contrário, afora julgados regionais sobre o tema. 12.É certo que existiam, também, precedentes da Corte Superior que, ao apreciar a validade da trava, denotavam fundamento subjacente de que havia presunção no sentido da continuidade das atividades empresariais. Contudo, isto em nada macula o exposto. O que se coloca em relevo é apenas a constatação singela de que não se confirma a alegação de que haveria algum entendimento consolidado ou orientação geral que tenham sido revertidos abruptamente. Não se pode cogitar, com efeito, da existência de posição pacífica no sentido de que a compensação integral de prejuízos fiscais configurava direito do contribuinte, e não benefício fiscal, que poderia ser exercido independentemente de previsão legal expressa em caso de encerramento de atividades empresariais, como se pretendeu caracterizar em linha de evolução histórica do tema. Em síntese: i) não há como se pretender sobrepor a jurisprudência administrativa à judicial; ii) não havia proteção normativa que resguardasse a conduta praticada tão somente porque estaria em linha com a jurisprudência dominante do CARF, dada a existência de entendimento das autoridades fiscais, e do próprio Judiciário, em sentido diverso; e iii) tampouco consta dos autos qualquer prova consistente de que de fato tal circunstância tenha sido considerada, na espécie, ao momento da prática da conduta autuada pela autoridade fiscal (em razão da inexistência de prova material de tal erro de proibição por parte da incorporada). 13. O Supremo Tribunal Federal recentemente assentou, sob sistemática de repercussão geral, a constitucionalidade da limitação da compensação do saldo de prejuízos fiscais (RE 591.340). De outra parte, o Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência consolidada quanto à impossibilidade de afastamento da restrição em casos de extinção da pessoa jurídica (v.g., REsp 1.805.925). 14. A permissão de aproveitamento configura benefício fiscal e, como tal, depende de lei e deve ser interpretada de forma estrita, sem ampliação ou restrição imprevista na própria lei, tal qual ocorre na interpretação da incidência fiscal. Isto porque, se deferida a pretensão de forma a estender o benefício fiscal a hipótese não contemplada, o que se faz, em última análise, é reduzir a incidência fiscal sem fundamento legal, contrariando o princípio da legalidade. Os artigos 42 e 58 da Lei 8.981/1995 e 15 e 16 da Lei 9.065/1995, ao permitirem que prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas sejam compensados para redução do lucro líquido ajustado à base de 30% no período-base subsequente, não fizeram exceção quanto a empresas extintas, por incorporação, como é o caso dos autos. 15. Não possuindo previsão legal o aproveitamento integral de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas, quando exercido por quem a lei contempla como titular de tal direito, o que se pretende contraria o princípio jurídico básico segundo o qual não se pode transferir mais direito – no caso, propriamente, benefício fiscal – do que aquele do qual se é titular. Ainda que formalmente realizada a integral compensação de prejuízos e bases de cálculo negativas pela incorporada, no respectivo balanço de extinção, sem amparo legal, o intento inequívoco e transferir o proveito efetivo do direito à incorporadora. A sucessão em direitos e obrigações, que decorre da incorporação, nos termos do artigo 227 da Lei 6.404/1976, tem por limite óbvio a transferência de direitos que o incorporado tenha, nas condições e limites respectivos, e não da forma pretendida, à revelia da legislação. A rigor, é, por certo, expectativa do empreendedorismo da iniciativa privada que as empresas atuem de forma perene e continuada, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social, porém tal premissa não consta da lei como fundamento para determinar que, em caso de extinção, possam ser aproveitados, de forma integral, prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas. 16. Improcedente a alegação de que os juros foram apurados incorretamente, já que o artigo 161, CTN, prescreve que sobre o crédito tributário, integrado pelo valor da multa de ofício nos termos do artigo 113, § 3º, CTN, incide o encargo moratório, não se verificando, assim, qualquer ilegalidade ou excesso no lançamento fiscal. 17. A legislação tributária prevê a conversão da multa moratória ou punitiva em obrigação principal, ao momento em que aplicada, o tratamento a ser dado no tocante aos juros de mora não pode ser discrepante. A privação do capital, narrado como fundamento para a imposição dos juros de mora, não se limita ao crédito tributário em si, pois este, ao deixar de ser recolhido, é acrescido de multa punitiva, que se torna principal por força de lei, devendo constar, inclusive, do lançamento fiscal de ofício, como o próprio principal em si. Ao contrário do alegado, o artigo 61 da Lei 9.430/1996, ao mencionar que débitos decorrentes de tributos e contribuições, não pagos no vencimento são acrescidos de encargos moratórios, prevê a incidência de juros moratórios sobre a multa de ofício, pois este configura débito decorrente de tributos indevidamente excluídos, tal qual estipulado e em linha, portanto, com o artigo 113 do Código Tributário Nacional. 18. A multa no patamar de 75% não configura confisco e violação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, pois restou observado, na espécie, o disposto no artigo 44 da Lei 9.430/1996 que estabelece que, na hipótese de lançamento de ofício por falta de pagamento ou recolhimento, falta de declaração ou declaração inexata, incide multa de 75% sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição devida, percentual este que, nos casos de sonegação fiscal, fraude ou conluio será duplicado, sem prejuízo da aplicação de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis. 19. Apelação e remessa necessária providas. TRF 3ª Região, Apel./RN 5012850-19.2017.4.03.6100, DJ 01/12/2020.