Carf: após qualidade, Fazenda não levará recurso à Superior para mudar quórum
18 DE ABRIL DE 2024
Em parecer, PGFN ainda define que a posição final é da Câmara Superior quando houver decisão por qualidade na turma ordinária
A Fazenda Nacional não recorrerá à Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) nos casos em que sair vitoriosa no julgamento na turma ordinária por voto de qualidade, e o intuito do recurso for unicamente alterar o quórum de deliberação da decisão. A diretriz consta em documento da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), e diz respeito ao disposto na Lei 14.689/2023, que prevê a derrubada de multas cobradas do contribuinte nos casos de julgamentos decididos por voto de qualidade.
A orientação da PGFN consta no Parecer 943/2024/MF , publicado em 8 de abril. O documento não é vinculante, mas serve como um norte para procuradores, e foi elaborado pela PGFN para esclarecer questionamentos acerca da extensão e efeitos da volta do voto de qualidade.
No parecer, a procuradoria ainda define que a posição final é da Câmara Superior quando houver decisão por qualidade na turma ordinária, além de defender a desqualificação – e não queda – da penalidade em caso de julgamentos por qualidade. As posições são consideradas “restritivas” por advogados.
“O parecer tem o lado positivo de fixar uma posição oficial da Fazenda Nacional sobre a extensão do voto de qualidade, evitando interpretações divergentes, inclusive em relação à Receita Federal, a quem cabe a liquidação dos acórdãos do Carf. Mas acaba pecando na limitação da regra, como no caso de fixar a natureza substitutiva do julgamento da CSRF [Câmara Superior de Recursos Fiscais] e a não exclusão automática das multas isolada e aduaneira nos casos decididos por voto de qualidade”, diz o advogado Luiz Romano, do Pinheiro Neto Advogados.
Recurso à Câmara Superior e multas
Os advogados Luiz Felipe Carvalho e Bruno Curvello, da Ulhôa Canto Advogados, apontam que, nos casos de recursos apenas para alterar o quórum, haveria uma falta de interesse em recorrer por parte da PGFN. Segundo os tributaristas, mesmo que houvesse uma mudança no regimento interno do Carf, isso não se sustentaria, porque faltaria à Fazenda Nacional interesse em recorrer pelo fato de a decisão recorrida, ainda que por voto de qualidade, ter sido a ela favorável.
A PGFN ainda norteia que, se na turma ordinária o resultado for decidido por voto de qualidade, a decisão final que vale é da Câmara Superior de Recursos Fiscais, última instância recursal do Carf. Isso significa que, mesmo que a multa seja derrubada na turma ordinária por força do voto de qualidade, a decisão final é da Câmara Superior. Assim, se, por exemplo, houver uma decisão por voto de qualidade na turma ordinária e maioria na Superior, o que vale é a decisão da Câmara Superior.
Em relação às multas, o parecer define uma série de orientações. O advogado Paulo Leite, do escritório Stocche Forbes, aponta que essas instruções devem ser vistas dentro do contexto do artigo 112 do Código Tributário Nacional (CTN), que prevê que o colegiado deve interpretar de maneira mais favorável a legislação ao acusado quando houver dúvidas com relação a capitulação do fato, a natureza e a autoria.
O parecer define que só serão excluídas as penalidades quando o julgado tratar do mérito da questão, excluindo questões como admissibilidade, decadência ou nulidade. Nesse sentido, ressalta que o voto de qualidade afasta a multa de ofício exigida como acessória.
Por sua vez, no casos de multa qualificada, de 100%, mantida por voto de qualidade, somente a qualificação cai, mantendo-se a penalidade em seu patamar anterior, de 75%. Já nos casos de multa isolada, há uma diferenciação da situação. Nos casos em que há vínculo da multa isolada com a infração, a penalidade cai. Já nos casos em que há exclusivamente multa por descumprimento de obrigações acessórias, mesmo que por voto de qualidade, não há exclusão da penalidade.
O advogado Felipe Salomon, do Levy & Salomão Advogados, destaca que, em termos gerais, a PGFN conclui que apenas a decisão que tenha analisado o crédito em si atrai a exoneração da multa. “Com isso, uma série de decisões [relativas a preliminares, à decadência, à solidariedade e responsabilidade de terceiro] não atrairiam a regra em análise”, diz.
“O problema, de um modo geral, é que essa interpretação está indo contra o texto da Lei 14.689/2023. A Lei diz, de modo claro e expresso, que a norma exonerativa se aplica quando o processo administrativo fiscal for julgado de modo favorável à Fazenda Pública. A exclusão da penalidade decorre simplesmente disso: do julgamento do processo favoravelmente à Fazenda Pública pelo voto de qualidade.”
O parecer foi alvo de questionamentos de Victor Vidal, também do Levy & Salomão Advogados. O advogado aponta que o documento sustenta que a parte da decisão que define responsabilidade de terceiro com base em voto de qualidade estaria fora da esfera do julgamento do crédito tributário e, por isso, não autorizaria a aplicação do artigo 25, parágrafo 9º-A, do Decreto 70.235/72, que define que havendo decisão por qualidade pró Fazenda Pública, as multas serão excluídas e a representação fiscal cancelada.
“Acontece que questões relacionadas a legitimidade passiva e outras matérias preliminares dependem, frequentemente, da análise das provas apresentadas pelo contribuinte e são julgadas no mérito, e não preliminarmente”, argumenta.
Advogados ouvidos pelo JOTA apontam que, no geral, há uma tendência “restritiva” no documento, como defende Caio Quintella, da Nander Quintella Advogados. “As interpretações se mostraram bastante restritivas. Diante da possibilidade de interpretar quando cairia a multa diante de um voto de qualidade, a procuradoria manifestou uma interpretação dentro do mínimo possível dessa derrubada de multa, criando várias exceções”, afirma.
Julia Portela
Repórter
Michele Portela
Repórter