Câmara Superior do Carf derrubou a maioria das multas qualificadas em 2021
11 de fevereiro de 2022
No gráfico desta semana, trouxemos uma análise sobre como a Câmara Superior julgou as multas qualificadas no ano de 2021, de acordo com nosso banco de dados.
Pelo Carf Previsível, é possível fazer uma navegação detalhada dentro de cada assunto, com acesso aos processos e aos votos proferidos em cada decisão. Quem não é assinante do serviço tem um gostinho dos dados, quinzenalmente, neste relatório.
As turmas da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) derrubaram a maioria das multas qualificadas analisadas em 2021. O resultado é relevante para os contribuintes, já que a penalidade corresponde a 150% do tributo devido, e pode ter repercussão na esfera penal.
De acordo com levantamento feito pela ferramenta Carf Previsível, do JOTA, no ano passado pelo menos 73 casos sobre o tema chegaram à instância máxima do conselho, dos quais 52 foram conhecidos. Nos casos em que foi analisado o mérito, as turmas da Câmara Superior derrubaram 39 multas qualificadas, mantendo a penalidade em 13 situações.
A previsão de aplicação da multa qualificada consta no artigo 44, parágrafo 1º, da Lei 9.430/1996. De acordo com o dispositivo, a multa de ofício, de 75%, será duplicada caso seja constatada sonegação, fraude ou conluio.
Ainda, nos casos de aplicação de multa qualificada, há a lavratura, pelo fiscal, de uma representação fiscal para fins penais, que é encaminhada ao Ministério Público Federal. Assim, existe a possibilidade de o contribuinte responder na esfera penal por crimes contra a ordem tributária.
Multas derrubadas pela Câmara Superior
Entre as situações em que houve a derrubada da qualificação da multa, com a redução da penalidade ao patamar de 75%, estão casos sobre pagamento a corretores de imóveis, omissão de receitas e não pagamento de contribuição previdenciária.
No processo 19515.720385/2014-67, por exemplo, a multa qualificada foi derrubada por unanimidade pela 2ª Turma da Câmara Superior. A empresa era acusada de remunerar seus funcionários por meio de bônus e comissões como forma de reduzir o total a pagar de contribuição previdenciária.
A relatora, conselheira Rita Eliza Reis da Costa Bacchieri, considerou que “o fato de a fiscalização reclassificar os valores pagos como salários indiretos não é o suficiente para motivar a classificação da operação realizada e devidamente registrada pelo contribuinte como conduta dolosa”.
Dos 39 casos em que houve desqualificação da multa, 12 envolvem a mesma empresa, que atua no setor imobiliário. A companhia foi autuada por não recolher contribuições previdenciárias sobre as comissões pagas aos corretores contribuintes individuais que lhe prestam serviço nos casos em que fica a cargo do comprador pagar o valor.
Na 2ª Turma da Câmara Superior a multa qualificada foi derrubada levando-se em consideração que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem um precedente, tomado sob o rito dos recursos repetitivos, prevendo a possibilidade de repassar ao comprador a comissão. O tema consta no REsp 1.599.511/SP.
Em seis casos analisados em 2021 houve a desqualificação da multa com base no desempate pró-contribuinte. É o caso do processo 10865.003578/2008-67, envolvendo uma empresa autuada pelo recebimento de depósitos bancários não escriturados em sua contabilidade.
O voto vencedor foi proferido pela conselheira Livia De Carli Germano, da 1ª Turma da Câmara Superior, que considerou que “muito embora as circunstâncias acima narradas possam corresponder a indícios de uma intenção de não recolher os tributos decorrentes daquelas bases de cálculo sabidamente tributáveis, tal intenção é, em si, característica da própria infração omissão de receitas, para a qual a legislação tributária prevê, como consequência de sua verificação, exclusivamente a presunção de tributação dos respectivos valores, e não o passo além, que é a qualificação da multa de ofício, majorando-a de 75% para 150%”.
Para a julgadora, “a prova de dolo do sujeito passivo na infração omissão de receitas se faz mediante prova da prática de ilícitos visando a alcançar o resultado omissão de receitas, o que, com a devida vênia, não se verifica no caso dos autos”.
A posição da conselheira também foi vencedora no processo 10980.725834/2011-50, no qual a desqualificação foi decidida pelo desempate pró-contribuinte. A Câmara Superior discutiu se a omissão de receitas de pagamentos feitos por meio de cartões de débito e de crédito ensejaria a aplicação de multa qualificada.
Entre outros argumentos, a julgadora defendeu que para a manutenção da penalidade a fiscalização, para além de alegações sobre volume e reiteração das irregularidades praticadas pelo contribuinte, deve apresentar evidências de que os valores omitidos corresponderiam a receitas da atividade da empresa.
Multas mantidas pela Câmara Superior
Entre os casos em que o agravamento da multa foi mantido há processos sobre não recolhimento de contribuições previdenciárias, falsa declaração de isenção e criação irregular de Sociedades em Conta de Participação (SCPs).
Um exemplo é o processo de número 15586.720754/2013-46, analisado em outubro de 2021 pela 1ª Turma da Câmara Superior. O recurso envolve uma empresa autuada por criar Sociedades em Conta de Participação cuja existência, de acordo com a fiscalização, era apenas formal. O objetivo, segundo a Receita, era reduzir o total a pagar de IRPJ e CSLL através da transferência de receitas da companhia para as SCPs.
Chegou à Câmara Superior apenas a discussão em torno da multa qualificada, sendo vencedor o posicionamento do conselheiro Caio Nader Quintella. Para o julgador, “a Autoridade Fiscal demonstrou que a Contribuinte se valeu de expediente ardiloso para, indevida e artificialmente, perceber vantagem fiscal na tributação de suas operações, criando, para tanto, inúmeras SCPs, dentro de engenharia contratual dolosa e fraudulenta, praticando, assim, sonegação, o que implicou em prática de evasão fiscal”.
Outro exemplo é o processo 15504.724806/2016-69, analisado pela 2ª Turma da Câmara Superior em fevereiro do ano passado. Trata-se de um caso de pejotização, ou seja, de contratação de pessoas físicas por meio de empresas como forma de mascarar o vínculo trabalhista, resultando em redução da contribuição previdenciária a pagar.
Por seis votos a dois a multa qualificada, que havia sido derrubada pela turma ordinária, foi retomada pela instância máxima do tribunal administrativo.
Situação curiosa é a do município de Valença (RJ), que em agosto de 2021 teve multa qualificada mantida pela 2ª Turma da Câmara Superior. A cidade foi autuada por deixar de registrar em sua contabilidade as remunerações pagas aos contribuintes individuais a seu serviço, como forma de reduzir o pagamento de contribuição previdenciária.
Na Câmara Superior a penalidade foi mantida, já que a maioria dos conselheiros entendeu que o desconto de valores na folha sem o recolhimento efetivo do tributo pode ser considerado fraude.
Penalidade será analisada pelo STF
A constitucionalidade da cobrança de multa qualificada deverá ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Tramita na Corte o RE 736.090, por meio do qual os ministros decidirão se a penalidade fere a vedação constitucional ao efeito confiscatório na esfera tributária.
Os ministros reconheceram a repercussão geral do tema em 2015, porém ainda não há data para julgamento do recurso. No voto em que opinou pela possibilidade de que o STF julgue o tema, entretanto, o relator, ministro Luiz Fux, lembrou que o tribunal já definiu em outros casos a irregularidade de multas que ultrapassam 100% do valor do tributo devido.
É o caso do RE 833.106, que envolvia uma multa de 120% do valor do tributo. Em 2014 a penalidade foi derrubada pelo STF, sob o argumento de que a jurisprudência da Corte considera inconstitucionais penalidades superiores a 100%.