Um dos debates mais férteis na política e na técnica tributária é sobre a eficiência e a equidade na tributação da pessoa jurídica e seus sócios. A questão envolve decidir se os lucros da atividade empresarial serão tributados quando auferidos pela pessoa jurídica, quando distribuídos aos seus sócios, ou em ambos os casos. Para uniformização de terminologia, consideramos que o lucro é o resultado positivo do exercício apurado pelas pessoas jurídicas, o qual, após alguns ajustes previstos na legislação, sofre incidência do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido. Parte desse resultado pode ser distribuído para os sócios e acionistas da empresa na forma de dividendos ou lucros distribuídos . Atualmente, o Brasil adota um sistema que concentra a tributação do lucro na pessoa jurídica, mediante a isenção da distribuição desses lucros aos sócios. Essa decisão, tomada em 1995, por meio da Lei nº 9.249, ainda é alvo de debate, havendo uma série de projetos de lei em trâmite na Câmara dos Deputados que visam alterar esse modelo. Medidas dessa natureza, em geral, apoiam-se em opções econômicas do poder tributante, com vistas a viabilizar ou concretizar estratégias de políticas públicas. Há momentos em que se pretende fomentar o investimento, atrair o capital, interno ou internacional, para a atividade produtiva; em outros, prefere-se reduzir os custos tributários, baratear a produção nacional; há também alternativas destinadas a simplificar a administração tributária, dar-lhe mais efetividade, reduzir os espaços do planejamento fiscal. O impacto fiscal da incidência de tributação da renda sobre lucros e dividendos distribuídos seria bastante considerável. Utilizando-se dados informados pela Receita Federal quanto às Declarações do Imposto de Renda das Pessoas Físicas do exercício de 2014, ano-calendário 2013, verifica-se que foram informados R$ 231,3 bilhões a título de lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas (tabela 20 do estudo da RFB). Usando a mesma hipótese de Castro (2014), com tributação exclusiva na fonte de 15% sobre os lucros e dividendos recebidos, chega-se a um aumento de arrecadação de IRPF da ordem de R$ 34,7 bilhões de reais. Contudo, analisando-se a tabela 10 do citado estudo da Receita Federal, é possível estimar que, caso os dividendos fossem submetidos à tabela de imposto de renda como um rendimento de capital qualquer, a alíquota efetiva seria bem próxima da alíquota marginal de 27,5%, o que levaria a uma arrecadação adicional na ordem de R$ 63,6 bilhões. É interessante perceber, no entanto, que se trata de uma fotografia do ano de 2013, quando os dividendos não eram tributados. Caso se instituísse a tributação de dividendos, certamente esse resultado não se repetiria, pois os contribuintes se organizariam de outra forma, buscando outras maneiras de se aproveitar dos lucros apurados nas pessoas jurídicas, reduzindo, em muito, a distribuição na forma de dividendos. Ademais, a tributação da renda está intrinsecamente ligada ao desempenho econômico nacional, ou seja, ao crescimento do Produto Interno Bruto. Em situações de crise econômica, é natural esperar uma redução da arrecadação. A inserção da tributação dos lucros e dividendos também pode ser considerada uma externalidade que tende a afetar o crescimento econômico de alguma forma e, assim, a própria arrecadação esperada. É certo que a evolução legislativa posterior – imprevista e imprevisível no momento da elaboração da Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995 – levou a uma ampliação substancial do alcance daquele benefício então cogitado, o que passou a exercer influência inclusive sobre as opções do contribuinte pela forma de organização do seu negócio, com repercussões difíceis de avaliar sobre o volume da arrecadação do imposto. O caso mais evidente diz com o descompasso entre o resultado efetivo da atividade empresarial e o lucro determinado pelas presunções legais, instituídas para simplificar a contabilidade das empresas e a fiscalização tributária. Apoia-se nesse descompasso a crítica mais comum ao sistema de isenção total da distribuição de lucros ao sócio: a diferença de tratamento tributário entre a remuneração do trabalho (os salários) e do capital (os dividendos). Contrapõe-se a essa crítica a ideia de que a isenção estimula o investimento produtivo na criação de empresas e, em decorrência disso, o aumento da oferta de vagas de trabalho. Na quadra difícil e delicada que ora atravessa o País, as exigências do equilíbrio orçamentário trazem de volta ao centro do debate alternativas para melhorar ou reforçar as receitas públicas, entre as quais se destaca a reavaliação dos critérios e objetivos que levaram à isenção outorgada, em 1995, aos rendimentos decorrentes da distribuição dos resultados da atividade empresarial. No contexto do debate legislativo, o presente trabalho pretende contribuir para essa análise: primeiro, recuperando, por meio de um breve panorama histórico da tributação de lucros e dividendos no Brasil, os passos de sua evolução até o modelo vigente. Em seguida, comparar, por meio de uma perspectiva do sistema brasileiro em face dos adotados em outros países, os diversos modelos de tributação de lucros e dividendos. Importa salientar que, na perspectiva comparada, este trabalho se resumirá a analisar a tributação direta da renda. A análise da tributação conjunta da renda, do consumo e da propriedade em relação aos lucros e dividendos poderia tornar-se excessivamente complexa e pouco esclarecedora. A escolha dos sistemas tomados como paradigmas de comparação procurou refletir a classificação teórica elaborada por Castro (2014), que divide as variantes da tributação sobre dividendos em três modelos básicos: isenção completa, tributação integral (junto com os demais rendimentos de pessoa física) e sistemas mistos. Nada obstante, o esforço para se realizar uma comparação significativa e útil, como se haverá de perceber, defrontou-se todo o tempo com uma séria dificuldade, interposta pela complexidade e heterogeneidade das legislações sobre o tema, em cada um dos modelos analisados, repletos de variações, exceções e especificidades, mesmo dentro de cada jurisdição tributante. Assim como no Brasil, em geral os diversos fiscos nacionais preveem tratamentos diferenciados em função do montante total das bases de cálculo ou das condições socioeconômicas (ou da forma de organização jurídica) do contribuinte, entre outros aspectos e parâmetros. Embora essa variedade torne árdua a tarefa de comparar resultados concretos e quantitativos de cada modelo, este trabalho se preocupa em possibilitar uma análise comparativa da carga tributária que cada país impõe à distribuição de lucros e dividendos. O presente trabalho terá, portanto, cumprido seus objetivos se puder contribuir para o debate legislativo que se avizinha, traçando um panorama que auxilie os participantes desse debate a compreender as relações entre objetivos e meios na tributação de lucros e dividendos. (Jules Michelet, Cristiano Viveiros, José Evande, Marco Antônio de Oliveira e Murilo Soares)