Muito se comenta que o Brasil vive um momento de reformas. Desde o início da crise fiscal e socioeconômica, o país passou por reformas trabalhista e previdenciária, bem como discute a administrativa e a tributária. Do ponto de vista tributário, não são poucos os projetos em discussão no Congresso e que contam, ainda, com a participação de integrantes da sociedade civil organizada e dos demais poderes constituídos – Executivo e Judiciário.
Nesse contexto estão em tramitação as reformas tidas como as mais relevantes em matéria tributária para o país, propostas por meio das Propostas de Emenda à Constituição 45 e 110.
Por trás desses projetos, há quase que um consenso de que o Brasil precisa buscar, sem o comprometimento das finanças públicas, a redução da complexidade de seu sistema tributário e da guerra fiscal a fim de viabilizar um ambiente de negócios (pro)positivo e promover justiça fiscal. E, tão certas quanto a existência desse consenso, são as controvérsias que permeiam tais projetos de reforma tributária, que precisarão ser dirimidas pelo legislador durante esse momento de reflexão e debate, sob pena de produzir insegurança jurídica, injustiça fiscal e, em ato contínuo, judicialização.
No entanto, independentemente da reforma tributária que poderá ser levada adiante, e que ainda poderá demorar a ser implementada, considerando a sensibilidade da matéria em discussão, certo é que precisamos mudar (simplificando), para ontem, inúmeros procedimentos que são adotados na seara fiscal.
Recentemente o Banco Mundial divulgou o relatório Doing Business 2020, no qual concluiu que o Brasil ocupa a 184ª (e última) posição no ranking “Pagamento de tributos”, o que corresponde a 1.501 horas no cumprimento de obrigações tributárias.
Ainda que o Brasil tenha reduzido 457 horas no cumprimento de obrigações tributárias em relação ao último relatório, trata-se de uma colocação infeliz para um país que está entre as 10 maiores economias globais, com proporções continentais, um consolidado setor exportador de commodities e pujante mercado consumidor.
Nesse contexto excessivamente burocrático, está inserido o procedimento adotado pela Receita Federal e pela Procuradoria da Fazenda Nacional para renovação da suspensão da exigibilidade de débitos tributários alcançados por decisão judicial, com garantia ou liminar/tutela deferida.
Em um país em que o próprio Estado é o maior responsável pelo congestionamento no Poder Judiciário, são centenas de milhares de processos judiciais nos quais os contribuintes apresentam garantias ou obtêm liminares/tutelas para fins de suspensão da exigibilidade do débito tributário.
Essas medidas acautelatórias são extremamente necessárias para a emissão de certidões de regularidade fiscal, relevantíssimas nos âmbitos cível, comercial e perante a administrativa pública, bem como para evitar que os contribuintes fiquem expostos aos atos relativos à cobrança e à constrição de bens e direitos.
Para essas hipóteses, a Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda Nacional têm mantido a suspensão da exigibilidade do débito tributário por períodos de seis meses a um ano, e, ao final desses, para fins de renovação, exigido a apresentação de documentos capazes de demonstrar a manutenção da causa de suspensão.
Ocorre que, em nosso entendimento, o procedimento é manifestamente ilegal, pois a obrigação (mais uma) imposta ao contribuinte, além de não se encontrar prevista em lei, ofende patentemente o artigo 151 do CTN, que não prevê prazo para caducidade e renovação da “causa de suspensão”.
Não há que se cogitar que tal procedimento seria relevante para fins de fiscalização, pois, na quase totalidade dos casos, as informações são públicas e o Fisco ainda detém meios mais eficazes, céleres e privilegiados de confirmar quaisquer informações da medida judicial junto àqueles que o representam em juízo.
Ora, quaisquer fatos envolvendo as causas de suspensão da exigibilidade de débitos tributários são comunicados pela própria Procuradoria da Fazenda Nacional ou pela Advocacia-Geral da União, a quem recai a competência de representar os interesses da União perante o Poder Judiciário, à autoridade fiscal federal.
Uma vez que a informação já se encontra à disposição da própria administração pública, não faz o mínimo sentido que seja exigido do contribuinte, regularmente, o cumprimento da obrigação em comento, que demanda o pagamento de despesas notariais, cartorárias e eventualmente de advogados; o agendamento de atendimento presencial, quando disponível, para fins de protocolo perante o Fisco; e ao menos, 10 a 30 dias para análise da requisição:
O procedimento criticado trata-se, portanto, de medida manifestamente desarrazoada, absurda e ineficiente diante das informações que estão à disposição da autoridade fazendária e de sua representação judicial, bem como da facilidade e celeridade com que podem ser confirmadas entre os referidos órgãos sem a imposição de qualquer ônus ao contribuinte.
Ainda nesse sentido, o procedimento adotado pela Receita Federal e pela Procuradoria da Fazenda Nacional é flagrantemente abusivo, pois descumpre a própria decisão judicial que determinou a suspensão da exigibilidade do débito tributário em decorrência da garantia ou do deferimento da liminar/tutela.
Isso porque, geralmente, os termos finais da causa de suspensão da exigibilidade do débito tributário são a superveniente revogação da decisão judicial que concedera a tutela/liminar; o trânsito em julgado da decisão de mérito; ou, ainda, o levantamento ou a transformação em pagamento do depósito judicial.
Por fim, entendemos que o procedimento adotado pela Receita Federal do e pela Procuradoria da Fazenda Nacional é completamente anacrônico, tendo em vista que, desde a vigência da Lei 11.419/2006, os processos judiciais têm sido informatizados, ou seja, estão sendo convertidos ou passaram a tramitar em meio eletrônico.
Essa medida, ratificada por meio de inúmeros dispositivos do Código de Processo Civil de 2015, trata-se de um marco na modernização do Poder Judiciário, com a finalidade de assegurar maior publicidade e celeridade no processo judicial, garantias expressamente asseguradas por meio do artigo 5º, incisos LX e LXXVIII, da Carta Política de 1988.
Diante desse cenário de informatização do processo judicial, em que a manutenção da causa de suspensão da exigibilidade do débito tributário pode ser constatada mediante o facilitado acesso aos autos eletrônicos, o procedimento ora criticado torna-se manifestamente obsoleto e ultrapassado.
No atual momento de discussão sobre importantes reformas do Estado, entendemos que caberia às autoridades fiscais a revisão do procedimento em comento, contribuindo com a racionalização esperada e demandada para o país em matéria tributária.
Por Rodrigo de Carvalho Vieira e Daniel Tessari Cardoso
Rodrigo de Carvalho Vieira é advogado do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados Associados.
Daniel Tessari Cardoso é advogado do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados Associados.
Revista Consultor Jurídico, 8 de março de 2020.
https://www.conjur.com.br/2020-mar-08/opiniao-brasil-rever-simplificar-procedimentos-tributarios