O sistema tributário brasileiro é complexo. Há permissão para que um imposto seja cobrado sobre ele mesmo – o chamado “cálculo por dentro”. Mas, ao mesmo tempo, é proibida a cobrança de um tributo dentro de outro, como no caso do ICMS na conta do PIS e da Cofins. A explicação para essa aparente contradição, dizem os tributaristas, são as diferenças das bases de cálculo.
A conta fica mais alta para o contribuinte quando o tributo é por dentro, diz Tiago Conde, sócio do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi e professor de direito tributário no IDP. No cálculo por fora, a conta é simples. Aplica-se diretamente a alíquota do ICMS sobre o valor da mercadoria – 40%, por exemplo, sobre R$ 100.
Por dentro, o valor que será cobrado de ICMS entra na conta, logo, a base passa para a ser de R$ 100 mais 40% de ICMS – ou seja, a base é de R$ 140 e sobre ela a alíquota de 40% será aplicada.
Mas não existe contradição entre autorizar a cobrança por dentro e excluir um tributo da base de outro, segundo o advogado. Isso é possível porque os tributos têm diferentes bases de cálculo.
No caso do ICMS, a base é o valor da operação, o que faz com que o tributo incida sobre ele mesmo. Já no caso do PIS e da Cofins, a base é a receita e o valor a ser pago em tributos não pode ser considerado como receita da empresa pois irá para o governo, segundo decisão do STF de 2017.
A regra geral é a de que os tributos são calculados por fora, ou seja, a alíquota é aplicada diretamente sobre a base de cálculo. “Muita gente considera ilegal pagar tributo sobre tributo. Mas o STF decidiu que pode porque o fundamento constitucional, em alguns casos, é de que o tributo compõe a base de cálculo”, afirma Conde.
Em 2011, o STF reafirmou jurisprudência de 1999 no sentido de que é constitucional a inclusão do valor do ICMS na sua própria base de cálculo (RE 582461). O tema foi julgado em ação proposta pela Jaguary Engenharia, Mineração e Comércio contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP).
O tribunal paulista havia decidido que a inclusão do valor do ICMS na própria base não configura dupla tributação nem afronta ao princípio da não cumulatividade. A decisão foi mantida.
De acordo com Breno Vasconcelos, sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos, a cobrança por dentro é considerada uma peculiaridade do sistema brasileiro, um modo de aumentar a tributação de forma pouco transparente. “Por isso as propostas da CBS e da PEC [Proposta de Emenda à Constituição] 45 destacam que o tributo vai incidir ‘por fora’”, afirma.
É possível tentar levar um novo caso sobre o tema ao STF. Mas não há nenhum processo assim na Corte por enquanto, segundo Alberto Medeiros, sócio do Stocche Forbes Advogados.
O efeito de tributo na própria base é parecido com o ICMS na base do PIS e da Cofins mas, juridicamente falando, as situações são bem distintas, segundo Medeiros. A incidência do ICMS sobre ele mesmo é apenas uma técnica de tributação que tem como objetivo cobrar uma alíquota maior do que parece, já que incide sobre o próprio tributo.
A exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins é uma consequência do conceito de receita, segundo o advogado. “O ICMS pago pelo contribuinte não gera receita para o contribuinte, só para o Estado”, diz.
Valor Econômico – Por Joice Bacelo e Beatriz Olivon — De Brasília, 19/10/2020