A Lei nº 8.428, de 23 de outubro de 1991, concedeu ao setor de bens de informática e automação fabricados no país o benefício fiscal de redução do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Conforme regras previstas na lei, o percentual de redução do IPI a pagar foi inicialmente de 100% e vinha sendo gradualmente reduzido ao passar dos anos à medida das prorrogações do incentivo ao setor de tecnologia.
O benefício de redução do IPI foi introduzido em contrapartida a realização de investimentos pelo beneficiário em pesquisa, desenvolvimento e inovação ao setor de tecnologias da informação e comunicação, bem como ao cumprimento das regras do processo produtivo básico (PPB).
O propósito da lei foi o de claramente incentivar a produção de computadores e tecnologias vinculadas ou decorrentes no Brasil como alívio à pesada carga tributária e à falta de competitividade do ambiente de negócio brasileiro.
No entanto, os benefícios introduzidos pela Lei nº 8.428/91 foram considerados pela Organização Mundial do Comércio (OMC) como subsídios indevidos, sendo o Brasil condenado a adequar sua legislação interna de forma a não sofrer retaliações no comércio exterior.
Nesse contexto, foi publicada a Lei nº 13.969/19 com o declarado fim de manter o nível de competitividade e o nível de investimento do setor, além de dar uma resposta à determinação do OMC. Foram, pois, revogados os incentivos de IPI e introduzida a possibilidade de aproveitamento de créditos financeiros, cuja natureza jurídica atribuída pela lei foi a de créditos de IRPJ e de CSLL.
A legislação atual deslocou o incentivo da tributação sobre a produção e o consumo para a tributação sobre a renda.
Embora se tenha muito para comentar sobre a natureza e o tratamento das subvenções concedidas pela lei, bem como se os benefícios introduzidos permitirão efetivamente a manutenção do mesmo nível de competitividade, o objetivo deste artigo é o de analisar as regras de compensação introduzidas pela Lei nº 13.969/19 para a utilização dos créditos financeiros por ela concedidos.
Pois bem, as regras dedicadas ao exercício do direito de compensação estão inseridas nos artigos 7º, 8º e 9º da Lei nº 13.969/19, sendo que as regras de procedimento se encontram nos parágrafos do art. 8º.
No artigo 7º, é determinado que os créditos financeiros apurados nos termos da Lei nº 8.248/91, com as alterações introduzidas pela Lei nº 13.969/19, poderão: (i) ser compensados com débitos próprios do contribuinte, vincendos ou vencidos, relativos aos tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB); ou (ii) ressarcidos em espécie. É importante destacar que no caso dos débitos vencidos do contribuinte, estes somente poderão ser liquidados por compensação se estiverem com a exigibilidade suspensa ou em cobrança no prazo de 30 (trinta) dias contados do término da suspensão da exigibilidade.
Em estrita relação com o art. 74 da Lei nº 9.430/96, o artigo 8º traz os procedimentos de compensação e estabelece que a liquidação de débito por compensação com os créditos financeiros extingue o crédito tributário sob condição resolutória de ulterior homologação.
O §1º do art. 8º indica as hipóteses em que os débitos ou os créditos são vedados para utilização na declaração de compensação. No que diz respeito aos débitos, são vedados aqueles: (i) devidos no registro na Declaração de Importação; (ii) consolidados em modalidade de parcelamento; (iii) objeto de compensação não homologada ainda que pendente de decisão administrativa; (iv) relativos ao salário-família e ao salário-maternidade; e (v) referentes à estimativa mensal de IRPJ e de CSLL.
Já em relação ao crédito financeiro são aqueles: (i) cuja confirmação de liquidez esteja sob procedimento fiscal; (ii) objeto de declaração indeferia ou anulada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações ou pela Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade (MCTIC); e (iii) objeto de pedido de ressarcimento sem que tenha ocorrido a expressa desistência ou aqueles indeferidos.
Segundo se percebe, as hipóteses de vedação guardam coerência com aquelas prevista no parágrafo 3º, do artigo 74 da Lei nº 9.430/96, consideradas as especificidades dos contribuintes que farão jus ao crédito, bem como a forma de apuração e validação deste.
Os parágrafos 2º ao 8º do art. 8º repetem as disposições constantes da Lei nº 9.430/96 sobre: (i) o prazo para homologação da compensação ser de 5 (cinco) anos (§2º); (ii) a declaração de compensação constituir confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência dos débitos não indevidamente compensados (§3º); (iii) a intimação do contribuinte para efetuar o pagamento ou apresentar manifestação de compensação no prazo de 30 (trinta) dias no caso de não homologação da compensação (§§4º e 6º); (iv) o débito ser encaminhado para a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no caso de não pagamento ou de não apresentação da manifestação de inconformidade (§5º); (v) o cabimento de recurso ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) da decisão que não homologar a compensação (7º); (vi) a manifestação de inconformidade e o recurso ao CARF obedecerem ao rito processual do Decreto nº 70.235/72 e darem ensejo à suspensão da exigibilidade do crédito nos termos do art. 151, III do Código Tributário Nacional (CTN) (8º).
O §9º do art. 8º estabelece as hipóteses em que a compensação será considerada como não declarada, sendo elas: (i) a utilização de créditos ou de débitos elencados no §1º do art. 8º vistos acima; (ii) crédito financeiro que seja de terceiro ou decorrente de decisão judicial não transitada em julgado; e (iii) débitos não administrados pela RFB. A compensação considerada não declarada implicará na exigência do débito com prejuízo da aplicação das regras dispostas nos §§ 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do art. 8º (§10º), bem como a imposição de multa de 75% sobre o valor do débito (§12).
Por outro lado, no caso de compensação não homologada, será aplicada multa isolada de 50% sobre o valor do débito objeto de compensação (§12). No caso de apresentação de manifestação de inconformidade, a multa ficará suspensa de ofício nos termos do inciso III, do art. 151, do CTN (§13).
Diferentemente, não caberá discussão no âmbito da RFB e do CARF (§11) em relação à compensação não homologada ou anulada especificamente por irregularidade constatada pelo MCTIC ou pelo Ministério da Economia. Nesse ponto, é necessário observar que a utilização do crédito financeiro apurado pelo contribuinte deve ser precedida de certificação pelo MCTIC do cumprimento das contrapartidas exigidas pela lei (art. 5º), cuja análise mais aprofundada foge ao objeto do artigo e ao espaço da coluna.
Em decorrência do sistema já existente de controle e fiscalização das obrigações tributárias, o §14 determina que a pessoa jurídica beneficiária registre e mantenha em sua contabilidade, com clareza e exatidão, bem como segregados das demais atividades, os elementos que compõem as receitas, os custos, as despesas e os resultados do período de apuração referentes ao faturamento bruto e aos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação utilizados para cálculo do crédito financeiro.
Conforme previsto na lei, tais registros poderão ser exigidos a qualquer momento e devem servir de prova para a contestação de eventual não certificação pelo MCTIC no que diz respeito ao cumprimento dos investimentos exigidos pela legislação para a geração do crédito financeiro.
O §15 determina que a RFB disciplinará o disposto no artigo 8º, inclusive quanto à fixação de critérios de prioridade para apreciação das compensações e quanto à forma como as compensações deverão ser apresentadas. Tal determinação se afigura de praxe em relação às legislações que estabelecem benefícios e procedimentos para fruição destes.
O art. 9º estabelece as hipóteses de descumprimento da legislação e estabelece a punição da pessoa jurídica beneficiária em razão do descumprimento das obrigações junto ao MCTIC ou pela Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade e ao Ministério da Economia. A punição primária é a suspensão dos benefícios. Já a punição derivada no caso de utilização do crédito financeiro em declaração de compensação é a cobrança do valor do crédito financeiro nos termos do art. 61 da Lei nº 9.430/96 (exigência de multa de mora e juros SELIC), sem prejuízo da imposição da multa prevista no §12, do art. 8º, analisado acima.
Observe-se, nesse ponto, que o §12, do art. 8º estabelece duas multas. Uma de 50% sobre o débito no caso de não homologação da compensação e outra de 75% no caso de decisão pela não declaração. Todavia, como o inciso VII, do §1º, do art. 8º, veda o crédito objeto de indeferimento pelo MCTIC e, por sua vez, o inciso I, do §9º, do art. 8º estabelece que a compensação será considerada não declarada nas hipóteses do §1º, do art. 8º, é de se esperar que a multa exigida pela RFB seja aquela de 75%.
Em conclusão, tem-se que as regras de compensação introduzidas pela Lei nº 13.969/19 para utilização dos créditos financeiros concedidos às indústrias do setor de tecnologias da informação e comunicações seguem o mesmo padrão e lógica daquelas previstas no art. 74 da Lei nº 9.430/96, porém, com a adição de regras específicas em relação aos potenciais beneficiários do crédito financeiro.
Dentre tais regras complementares, destaca-se a possibilidade de restrição da compensação em razão da não certificação dos investimentos em tecnologia realizados pelo contribuinte, o que retira a liquidez do crédito, implicando, assim, na não homologação da compensação, bem como na impossibilidade de discussão administrativa por manifestação de inconformidade.
Jota – Por Luciano Burti Maldonado – 22 de janeiro de 2020