Pelo Parecer Normativo Cosit/RFB 04, de 10 de dezembro de 2018, a Receita Federal definiu os critérios para a aplicação do artigo 124, inciso I, do Código Tributário Nacional, em questões sobre a responsabilidade solidária derivada de interesse comum em grupo econômico irregular.
O dispositivo legal é impreciso quanto ao critério que elenca, dado a amplitude de significação da expressão interesse comum.
Art. 124. São solidariamente obrigadas:
I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal.
Mas o tema alcançou a unidade de interpretações, no plano da Receita Federal, que rejeitou as posições doutrinárias que entendem que o interesse comum deve derivar de um conceito jurídico, e não mero circuito econômico, a invocar o vínculo obrigacional do direito entre as partes (contribuinte e responsável) para o cumprimento da aludida regra do artigo 121, inciso I, do Código Tributário Nacional. Observe o parecer normativo em questão:
Sobre o Interesse Comum
11. A terminologia “interesse comum” é juridicamente indeterminada. A sua delimitação é o principal desafio deste Parecer Normativo. Ao analisá-la, normalmente a doutrina e a jurisprudência dispõem que esse interesse comum é jurídico, e não apenas econômico.
11. 1. O interesse econômico aparentemente seria no sentido de que bastaria um proveito econômico para ensejar a aplicação do disposto no inciso I do art. 124 do CTN.
11.2. O interesse jurídico, por sua vez, se daria pelo vínculo jurídico entre as partes para a realização em conjunto do fato gerador. Para tanto, as pessoas deveriam estar do mesmo lado da relação jurídica, não podendo estar em lados contrapostos (como comprador e vendedor, por exemplo).
11.3. Ambas as construções doutrinárias são falhas e não devem ser aplicadas no âmbito da RFB, pois tenta-se interpretar um conceito indeterminado com outro conceito indeterminado.
(…)
Síntese conclusiva
40. De todo o exposto, conclui-se: a) a responsabilidade tributária solidária a que se refere o inciso I do art. 124 do CTN decorre de interesse comum da pessoa responsabilizada na situação vinculada ao fato jurídico tributário, que pode ser tanto o ato lícito que gerou a obrigação tributária como o ilícito que a desfigurou;
b.1) a responsabilidade solidária por interesse comum decorrente de ato ilícito demanda que a pessoa a ser responsabilizada tenha vínculo com o ato e com a pessoa do contribuinte ou do responsável por substituição; deve-se comprovar o nexo causal em sua participação comissiva ou omissiva, mas consciente, na configuração do ato ilícito com o resultado prejudicial ao Fisco dele advindo;
b.2) o mero interesse econômico, sem comprovação do vínculo com o fato jurídico tributário (incluídos os atos ilícitos a ele vinculados) não pode caracterizar a responsabilização solidária, não obstante ser indício da concorrência do interesse comum daquela pessoa no cometimento do ilícito;
b.3) são atos ilícitos que ensejam a responsabilidade solidária: (i) abuso da personalidade jurídica em que se desrespeita a autonomia patrimonial e operacional das pessoas jurídicas mediante direção única (“grupo econômico irregular”); (ii) evasão e simulação e demais atos deles decorrentes; (iii) abuso de personalidade jurídica pela sua utilização para operações realizadas com o intuito de acarretar a supressão ou a redução de tributos mediante manipulação artificial do fato gerador (planejamento tributário abusivo).
Com a definição da posição a ser seguida pela Receita na imputação de responsabilidade solidária, surge, também, a regra procedimental para a sua aplicação.
As regras procedimentais (ou processuais administrativas) para a aplicação da imputação da responsabilidade excepcional que alcança pessoa(s) jurídica(s) e física(s) desvinculada(s) diretamente da obrigação tributária, mas que foram chamadas a responder no lançamento tributário ex officio, foram definidas pela Instrução Normativa 1.862, de 27 de dezembro de 2018.
Inaugurou-se um novo procedimento para fins de atribuição de responsabilidade tributária no intercurso do processo administrativo fiscal, objetivando o lançamento de tributos federais e a imposição de multas. A imputação de responsabilidade tributária é o nome dado ao instituto jurídico.
As regras revelam nítida autonomia em relação ao processo administrativo fiscal previsto no antigo Decreto 70.235, de 6 de março de 1972. Mas enquanto esse decreto tem a posição de lei ordinária no sistema constitucional vigente, a imputação de responsabilidade tributária (IRT) foi estabelecida sem qualquer lei anterior que delimitasse o seu regramento, o que pode suscitar dúvidas no Poder Judiciário sobre esse exclusivo procedimento administrativo fiscal.
É preciso ter a cautela no momento da defesa do responsável chamado a responder por obrigações tributárias de terceiros na IRT.
Houve uma quebra de regras para fins recursais. Não se observa a fase recursal e a competência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) quanto à defesa ofertada quanto à IRT prevista após a constituição definitiva do crédito tributário. Observe o que dita a instrução normativa que batizou a IRT:
Art. 16. É facultado ao sujeito passivo apresentar recurso, nos termos do art. 56 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, em face da decisão que tenha imputado responsabilidade tributária decorrente do crédito tributário a que se refere o art. 15.
§ 1º O recurso deve ser apresentado no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da ciência da decisão recorrida, nos termos do art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, e se restringirá ao vínculo de responsabilidade.
§ 2º O recurso será apreciado pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil que proferiu a decisão.
§ 3º Na hipótese de não reconsideração da decisão, o Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil encaminhará o recurso ao titular da unidade.
§ 4º Os recursos fundamentados no art. 56 da Lei nº 9.784, de 1999, contra a decisão proferida pelo titular da unidade, são decididos, em última instância e de forma definitiva, pelo titular da Superintendência Regional da Receita Federal do Brasil (SRRF).
Criou-se um problema que poderá demandar amplo debate no Poder Judiciário. A constituição definitiva do crédito tributário com a definição do lançamento ex officio encerra o procedimento administrativo fiscal sem, no entanto, encerrar o procedimento da IRT.
Acontece que a IRT é um procedimento acessório do lançamento promovido pelo auditor fiscal da Receita, que jamais poderia ter autonomia procedimental ou processual administrativa, exatamente por não representar novo lançamento.
Enfim, é preciso ter o devido cuidado, também, eis que a IRT manifestada antes da conclusão do procedimento administrativo fiscal é combatida por recursos submetidos ao Carf, como faz crer a instrução normativa, nestes termos:
Art. 13. Identificada a hipótese a que se refere o art. 11, o Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil lavrará Termo de Imputação de Responsabilidade Tributária, que deve conter os requisitos previstos no art 3º.
§ 1º O sujeito passivo responsabilizado de acordo com o disposto no caput poderá impugnar o crédito tributário lançado e o vínculo de responsabilidade constantes do Termo de Imputação de Responsabilidade Tributária no prazo de 30 (trinta) dias.
§ 2º Os demais sujeitos passivos serão cientificados do termo a que se refere o caput e poderão manifestar-se exclusivamente quanto à imputação de responsabilidade nele contido no prazo de 30 (trinta) dias.
§ 3º Aplica-se à impugnação e à manifestação de inconformidade decorrentes da imputação de responsabilidade tributária de que trata este Capítulo o disposto nos arts. 16 e 17 do Decreto nº 70.235, de 1972.
De modo que é preciso ter o cuidado para buscar o meio recursal adequado a depender da fase em que for realizada a IRT, para se alcançar o meio recursal adequado. Em quase sete meses de vigência do posicionamento da Receita Federal, a perplexidade gerada pela norma ainda não foi avaliada nos procedimentos administrativos fiscais. Aguardemos a posição final no âmbito administrativo.
O estabelecimento de regras recursais distintas e para a fase posterior ao procedimento administrativo fiscal, já que houve a constituição definitiva do crédito tributário, estabelecerá enormes prejuízos para o contribuinte e a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório.
Por Emmanuel Mauricio Teixeira de Queiroz
Emmanuel Mauricio Teixeira de Queiroz é advogado do Sarubbi Cysneiros Advogados Associados, especialista em Direito Administrativo e Tributário.
Revista Consultor Jurídico, 7 de agosto de 2019.