As alterações da LC nº 175 trazem consigo uma incerteza em relação ao possível incremento dos custos diretos e indiretos para os contribuintes.
Com a publicação da Lei Complementar nº 170/2020, dois panoramas modificaram a situação atual do ISSQN, quais sejam: houve a formalização de uma conformidade fiscal para contribuintes e municípios mediante a criação de obrigação acessória que vigerá em todo o território nacional; e o deslocamento da competência do imposto para o município do tomador para determinados serviços.
Logo nos artigos iniciais (art. 2º a 3º) da Lei Complementar nº 170/2020, percebe-se a necessidade de uniformizar as obrigações acessórias relativas ao ISSQN em razão da instituição de um sistema eletrônico de padrão unificado, o que nos parece uma tendência irreversível similar à criação da EFD ICMS-IPI, dentre outros.
As alterações da LC nº 175 trazem consigo uma incerteza em relação ao possível incremento dos custos diretos e indiretos para os contribuintes.
Aliás, ficará a cargo dos contribuintes o desenvolvimento deste sistema, baseado no leiaute apresentado pelo Comitê Gestor das Obrigações Acessórias do ISSQN. Ainda, caberá aos municípios e ao Distrito Federal fornecer informações diretamente no sistema eletrônico do contribuinte a respeito de alíquotas aplicadas aos serviços, arquivos da legislação vigente que versem sobre os serviços e dados do domicílio bancário para recebimento do ISSQN (art. 4º).
Na nossa visão é uma medida favorável aos contribuintes, pois facilitará o compliance tributário, muito embora aumente as responsabilidades quanto ao cumprimento das obrigações acessórias. Por isso aguarda-se, com ansiedade, o desdobramento da implementação do sistema eletrônico para que não gere as distorções vivenciadas quando ainda vigente o e-social para as pessoas jurídicas.
Adicionalmente, houve a criação de regra de transição para o ano de 2021, uma vez que, em relação às competências de janeiro, fevereiro e março, o contribuinte poderá recolher o ISSQN e declarar as informações da obrigação acessória até o 15º dia do mês de abril, sem qualquer penalidade (art. 13). Isso significa que o órgão gestor, quando instituído, deverá rapidamente definir os padrões e leiautes para fomentar as informações relativos aos serviços prestados e passíveis de incidência do ISSQN.
De outro lado, para o segundo panorama, com a alteração da Lei Complementar nº 116/2003 pela LC nº 175/2020, ocorreu o deslocamento da competência do ISSQN para o município dos tomadores dos serviços de: (i) planos de saúde e convênios médicos, odontológicos e congêneres, mesmo aqueles prestados por terceiros; (ii) planos de atendimento e assistência médico-veterinária; (iii) administração de fundos, consórcios, cartão de crédito e débito; e (iv) arrendamento mercantil (leasing) de quaisquer bens (art. 14).
Além disso, houve uma definição expressa de que o tomador do serviço é o contratante do serviço e, no caso de negócio jurídico que envolva estipulação em favor de unidade da pessoa jurídica contratante, será a unidade em favor da qual o serviço foi estipulado, sendo irrelevantes para caracterizá-la as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas (§ 5º do art. 3º da LC nº 116/2003). Ou seja, pretendeu o legislador qualificar o tomador pela efetividade do resultado do serviço prestado.
Nota-se que é provável que o deslocamento do pagamento do ISSQN para o domicílio do tomador fará com que a maior parte do imposto municipal arrecadado seja redistribuído das grandes metrópoles para os pequenos e médios municípios em relação aos serviços listados.
Outra questão que se mostra relevante, é que a LC nº 175/2020 veio regulamentar problemas operacionais decorrentes da dicção da LC nº 157/2016 – que também alterou a LC nº 116/2003 -, a qual sofreu inúmeros questionamentos dos contribuintes, incluindo o ajuizamento da ADI nº 5.835, na qual o ministro Alexandre de Moraes entendeu que havia complexidade para regulamentar a incidência do ISSQN ao município do tomador do serviço.
Por fim, a LC nº 175/2020 criou regra de transição financeira até 2022, sobre a repartição do ISSQN entre os municípios do prestador do tomador de serviço, de forma que a partir de 2023 o ISSQN devido será totalmente devido ao município do tomador do serviço (art. 15). Essa regra é bastante similar à Emenda Constitucional nº 87/2015 e ao Convênio ICMS 93/2015, em que houve a repartição da diferença de alíquota do ICMS devido nas operações interestaduais entre a unidade federada de origem e destino, no período de 2016 a 2018.
Portanto, as alterações existentes na LC nº 175/2020, para padronizar as informações relativas ao ISSQN – o que é bastante útil – e deslocar a competência para os municípios dos tomadores para os serviços listados, ainda trazem consigo uma incerteza em relação ao possível incremento dos custos diretos e indiretos para os contribuintes.
Valor Econômico – Por Flávia Holanda Gaeta e Rafael Pascoto Fugimoto, 19/10/2020