Para as empresas que operam no comércio exterior, ter previsão dos prováveis custos de armazenagem é tarefa árdua. Isso porque toda mercadoria que passa pela alfândega está sujeita ao controle aduaneiro, que é exercido pela Secretaria da Receita Federal. Daí é que surgem os famosos canais de conferência aduaneira, classificados por cores: verde, amarelo, vermelho e cinza.
Quando uma mercadoria submetida a controle aduaneiro passa pelo canal verde, o prosseguimento da operação não traz maiores delongas. O problema surge nos demais canais, quando a mercadoria permanece retida enquanto não concluído o controle aduaneiro. A partir daí a previsibilidade almejada pelo gestor desaparece, já que a Aduana pode concluir o controle aduaneiro em semanas ou meses.
Não que a retenção da mercadoria para conferência seja ilegítima. Ao contrário. É exercida em prol da segurança pública, sanitária e também por interesses arrecadatórios.
O custo referente ao controle aduaneiro, que é exercido em prol da coletividade, não deve ser suportado apenas por um indivíduo
Ocorre que durante esse período a empresa nada pode fazer, a não ser cumprir as exigências dentro do prazo estimado e aguardar para que o curso do procedimento seja o mais breve possível. E aí o operador portuário vai cobrar a armazenagem por esse período em que a mercadoria ficou retida (ou apreendida) para controle aduaneiro, impedindo a retirada da carga sem o devido pagamento (chama-se direito de retenção). Por vezes, são valores tão expressivos que supera o custo da própria mercadoria que estava retida.
Acontece que durante o período de retenção ou apreensão da mercadoria para controle aduaneiro os custos de armazenagem não devem fluir. Explica-se. Nos termos da Constituição Federal, compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou arrendamento, os portos marítimos, fluviais e lacustres. É ainda de competência da União legislar privativamente sobre o regime de portos.
Desse modo, a exploração de portos deve ser vista como um serviço público de competência privativa da União, a qual pode: realizá-lo diretamente, por meio de seus órgãos; atribuí-lo a entidades da sua administração indireta; ou, ainda, delegá-lo a terceiros, por meio dos mecanismos de concessão, arrendamento ou autorização. Uma vez realizada por particulares, trata-se de prestação indireta.
A Constituição determina ainda que a lei que dispuser sobre a prestação de serviços públicos deve estabelecer o regime das empresas concessionárias, as condições de fiscalização e rescisão da concessão ou permissão, política tarifária dentre outros aspectos. Por tudo isso pode-se afirmar que os operadores portuários se submetem ao disposto no artigo 37 da Constituição, com destaque ao princípio da legalidade, segundo o qual só se permite agir conforme previsão legal.
No que se refere ao regime jurídico da exploração dos portos organizados e das instalações portuárias no país, a Lei dos Portos (Lei 12.815/2013) traz no seu artigo 26 que o operador portuário responderá perante a RFB pelas mercadorias sujeitas a controle aduaneiro, no período em que lhe estejam confiadas (disposição idêntica estava na lei anterior, a 8.630/1993).
Por sua vez, a Portaria RFB nº 3.518, de 30 de setembro de 2011, determina no seu artigo 11 que o operador portuário deve disponibilizar sem ônus para a RFB instalações exclusivas à guarda e armazenamento de mercadorias retidas ou apreendidas.
Isso mesmo caro leitor. Está claro que a lei elegeu o operador portuário para responder perante a RFB pelas mercadorias retidas ou apreendidas para controle aduaneiro e, que tais instalações necessárias ao exercício desse controle aduaneiro sejam disponibilizadas sem ônus para a RFB.
É de se pasmar que mesmo diante de disposição legal tão expressa, os operadores portuários pratiquem a cobrança contra o proprietário da carga por esse período.
Os operadores portuários alegam que a proprietária da carga foi quem firmou a relação comercial e tal fato independente do período em que a mercadoria ficou sob controle aduaneiro da RFB. E, ao desdobrar esse raciocínio, o correto seria pagar a armazenagem e posteriormente pleitear o reembolso contra a União, por meio de ação indenizatória (vale dizer, existem diversos precedentes judiciais condenando à União ressarcir em perdas e danos pela armazenagem do período em que a carga ficou retida).
Na verdade, trata-se de encargo assumido pela concessionária de serviço público, não sendo ocioso comentar que as mercadorias sujeitas a esse tipo de controle são minoria frente ao volume do comércio exterior brasileiro (segundo dados divulgados pela RFB, 95% de todo o controle aduaneiro é exercido pelo canal verde, onde não há paralisação do desembaraço aduaneiro). Fazendo uma analogia, é o mesmo caso quando a concessionária de uma rodovia fica impedida de cobrar pedágio de veículos do Poder Público. Em nada causa desequilíbrio ao contrato, posto que já previsto no cálculo tarifário.
Portanto, não se pode admitir a linha argumentativa empreendida pelos operadores portuários. Conforme a melhor doutrina administrativista, o custo referente ao controle aduaneiro, que é exercido em prol da coletividade, não deve ser suportado apenas por um indivíduo. O legislador foi sábio nesse ponto e criou todo o aparato legislativo necessário para que, ao menos no que se refere à armazenagem durante o período que a mercadoria fica retida ou apreendida sob controle aduaneiro, os proprietários da carga tenham a tão necessária previsibilidade.
Por Rogério David
Rogério David é mestre em Direito e Políticas Públicas na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-Rio), membro fundador da Sociedade Brasileira de Direito Tributário e sócio do escritório David & Athayde Advogados.
Fonte : Valor- 17/12/2018