O processo tributário é apresentado através de duas modalidades, administrativa e judicial, formas de resolução dos conflitos existentes entre o Estado e o contribuinte. Nesse sentido, o processo se revela, na prática, através da imposição estatal, favorecendo o ente público no conflito entre o seu interesse e a liberdade individual do contribuinte. Por esse motivo, a reflexão do tributarista e desembargador federal do Tribunal Federal da 4ª Região, Leandro Paulsen, deve servir como indicador do debate: “A tributação deve ser como um instrumento da sociedade”.
O Estado não deve tocar no patrimônio do contribuinte sem que exista um processo coerente que garanta os efetivos meios de defesa. Na verdade, há uma dinâmica litigiosa entre o poder público, aquele que busca arrecadar tributos e os contribuintes, cumpridores das obrigações tributárias.
Poder público cria as leis tributárias (aspecto material), cobra o tributo (aspecto formal) e julga os processos que discutem a referida cobrança (aspecto processual), sendo certo que essa dinâmica escraviza o contribuinte, pois ele se refém do sistema apresentado e, sem poder de reação, tem seu patrimônio revertido aos cofres públicos, muitas vezes sem qualquer justificativa plausível.
Portanto, o processo tributário precisa ser revisitado para, fundado por uma conduta interpretativa e coerente com a técnica jurídica, não violar qualquer espécie de direito fundamental do contribuinte em razão do poder preponderante do Estado.
Dessa forma, contribuindo para uma solução realista do problema apresentado, devemos refletir a respeito do quão vulnerável o contribuinte se apresenta no conflito tributário, tendo suas garantias processuais usurpadas pelo ideário arrecadatório.
Na lide tributária, sem sombra de dúvidas, o contribuinte é a parte mais vulnerável. Por esse motivo, o processo tributário (administrativo e judicial) deve zelar pelo princípio da isonomia e equidade. Primeiro, estipulando a igualdade de armas durante a lide, o segundo medindo caso a caso em prol do equilíbrio moral angariado pelo princípio da primazia do interesse público sobre o particular em face das garantias fundamentais elencadas pela Constituição da República.
Assim sendo, pequenas e médias empresas precisam desse resguardo para sobreviverem às imposições fiscais do Estado após a crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19. É importante lembrar que o poder executivo da União e dos Estados federados despendeu recursos consideráveis para auxiliar pessoas físicas e jurídicas durante o ano de 2020, devendo tal subsídio se estender durante o ano de 2021. Dessa maneira, os cofres públicos ficam desabastecidos, sendo certa a atenção do poder público à arrecadação quando do acentuamento da crise.
Contudo, essa arrecadação não pode vir acompanhada de negligência processual no âmbito tributário, haja vista a fragilidade das empresas e pessoas naturais em razão do declínio econômico.
Diante do panorama apresentado, a arbitragem tributária encontra terreno fértil para proporcionar o equilíbrio necessário entre o interesse público e as necessidades privadas, além de produzir maior segurança jurídica no âmbito processual, trazendo efetivo equilíbrio à ordem econômica.
Portanto, ao falarmos da arbitragem tributária, não estamos pensando em fórmula mágica que proporcionará a solução de todos os problemas apresentados até aqui. A arbitragem, muito além de produzir um esvaziamento do Judiciário das demandas fiscais (o Conselho Nacional de Justiça apontou em seu relatório, intitulado “Justiça em Números 2020”, que em cada cem processos de execuções fiscais em trâmite no ano de 2019 apenas 13 foram solucionados), terá a força de construir a justiça fiscal.
Dessa maneira, um cenário onde a voz do contribuinte possa ser ouvida pelo Fisco constrói importante melhora no ambiente negocial brasileiro, impulsionando as inovações trazidas pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), sem esquecer dos princípios estampados no artigo 170, caput, da Constituição da República, no que tange aos pilares da ordem econômica brasileira: a livre iniciativa e a valorização do trabalho humano.
Necessário ponderar que a legislação existente já resguarda a efetivação da autocomposição, através do disposto no caput do artigo 165 do Código de Processo Civil, sendo os tribunais responsáveis pelo incentivo a uma conduta de criação de centros judiciários de solução consensual de conflitos, bem como no desenvolvimento de campanhas destinadas ao estímulo da autocomposição.
O instituto da arbitragem está previsto na Lei 9.307/1996, contudo, essa lei fala sobre uma arbitragem no tocante apenas a conflitos de ordem privada, não envolvendo demandas fiscais. Por outro lado, existe a Lei 13.129/2015, que em seu artigo 1º estabelece a arbitragem para a resolução de conflitos entre as pessoas de natureza privada em face da Administração Pública, no entanto, tais conflitos não dizem respeito aos problemas tributários. Em resumo, a criação de uma lei que legalize o instituto arbitral para litígios contra o Fisco se faz uma necessidade cada dia mais patente.
De qualquer modo, a arbitragem possibilita que haja maior imparcialidade para a resolução do conflito, pois aquele que o irá julgar não será membro do Estado, mas, sim, um especialista técnico no Direito Tributário que poderá sentenciar de maneira mais equânime, dando voz não apenas ao poder público, mas ao contribuinte, em um ambiente sem privilégios.
Ademais, a justiça fiscal a ser produzida pela arbitragem tributária poderá equilibrar o cenário negocial presente. Com o correto manejo dos litígios, os entes privados, principalmente as empresas, poderão o aplicar a contratos, estabelecendo cláusulas arbitrais, facilitando as transações internacionais, igualmente na obtenção de aportes para investimentos, demonstrando maior segurança jurídica e diminuindo o risco Brasil.
Dessa maneira, haverá o incrementando do instituto da elisão fiscal e expurgo da evasão fiscal, que produzirá um ambiente arrecadatório mais producente, bem como motivará outras abordagens do poder público à obtenção de receita sem a cogitação da famigerada majoração de tributos, ou criação de novas hipóteses de incidência, em resumo, motivará a redução da sonegação fiscal.
Tramita no Senado Federal projeto de lei sobre a implementação do instituto arbitral para conflitos de ordem tributária (PL nº 4257 de 2019 e PL nº 4468 de 2020). Esse movimento legislativo poderá acabar com o “carnaval tributário”, expressão utilizada pelo tributarista Alfredo Augusto Becker, direcionando à paridade de armas nos conflitos fiscais.
É fundamental, contudo, que o cidadão permaneça atento a esta inovação procedimental trazida pelas demandas da economia digital (efetividade, desburocratização e celeridade), pois a aplicação correta da arbitragem tributária também dependerá de sua postura combativa, originando ambiente distante do complexo, improdutivo e turbulento oceano fiscal contemporâneo.
[1] Disponível em https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/12971/1/OSBaiense.pdf
Por José Alberto Machado Neto
José Alberto Machado Neto é advogado e sócio da Lee, Brock, Camargo Advogados (LBCA).
Revista Consultor Jurídico, 15 de fevereiro de 2021.