As tecnologias empregadas no ambiente virtual poderiam elevar as chances de consenso entre as partes.
Atualmente é possível verificar recentes movimentos legislativos que visam a criação de meios alternativos de solução de litígios fiscais. Essa iniciativa tem fundamento em alguns fatores: o estrangulamento do sistema judicial frente à crescente sofisticação de mecanismos de fiscalização, a complexidade crescente do próprio direito tributário e a ausência de varas temáticas e verticalizadas no âmbito judicial.
A edição da Medida Provisória nº 899/19, é um exemplo recente, que visa regulamentar a transação tributária no âmbito federal.
As tecnologias empregadas no ambiente virtual poderiam elevar as chances de consenso entre as partes.
Além dela, há também o Projeto de Lei nº 4.257/2019, que prevê a instituição da arbitragem em matéria tributária. Em que pese a louvável iniciativa legislativa, as restrições estabelecidas na proposta inviabilizam a utilização do instituto pela maioria dos contribuintes, que não possuem recursos financeiros para garantir o débito.
Desta forma, consequentemente, a medida não será suficiente para a promoção de expressiva redução das execuções fiscais que sobrecarregam o Poder Judiciário, sendo necessários alguns ajustes, para garantir o equilíbrio entre as partes litigantes e maior efetividade do espírito do legislador.
Os números de processos apresentados anualmente pelo Conselho Nacional de Justiça demonstram a necessidade de desburocratizar a Solução de Conflitos, conferindo segurança jurídica às partes. Do ponto de vista tributário, o contribuinte se beneficiará com soluções técnicas e céleres. Lado outro, a Fazenda poderá promover a imediata arrecadação fiscal ao evitar a morosidade do Judiciário.
Portugal é pioneiro na adoção da arbitragem em matéria tributária, sendo que entusiastas do sistema português defendem a internalização do instituto como meio de garantia dos direitos dos contribuintes à tutela eficaz na solução técnica de litígios, assegurando celeridade ao trâmite das controvérsias fiscais, a fim de aproximar o Brasil à dinâmica de crescimento e competitividade internacional, à exemplo de Alemanha, Itália, Peru e Portugal, como países signatários da arbitragem fiscal.
Em sentido contrário, em acelerado processo de declínio, existem aqueles que sustentam a suposta violação ao interesse público, regido pelo princípio da indisponibilidade do crédito tributário, corroborado pelo receio da prática de corrupção ao aproximar o particular e o estado-fiscal.
Em defesa à utilização da arbitragem, os óbices apontados acima podem ser transponíveis por meio da incorporação de tecnologia de informação e comunicação na resolução de conflitos, ou simplesmente “online dispute resolution” (ODR).
O ambiente on-line permite a alta velocidade na comunicação, a escalabilidade e segurança nas tratativas entre contribuintes e o Fisco, além da publicidade para franquear acesso a todos os contribuintes à forma de negociação. Ademais, pode também apresentar opções de simulação para pagamento, com base em cálculos complexos e dinâmicos, logicamente seguindo as restrições pré-estabelecidas em lei, citando-se como exemplo os limites previstos na legislação portuguesa no uso da arbitragem tributária, que traz limites máximos do débito negociado.
Dessa forma, as tecnologias empregadas no ambiente virtual poderiam elevar as chances de consenso entre as partes, principalmente em relação à transparência dos impactos das decisões, permitindo uma mudança de paradigma entre o Fisco (algoz) e o contribuinte (vítima).
Os recursos tecnológicos aplicados à forma de arbitragem na ODR, asseguram a tutela efetiva dos direitos constitucionalmente protegidos dos contribuintes, conferindo nova legitimação à relação com a Administração Fiscal.
A necessidade de mudança na solução de conflitos fiscais, reside na adequação ao cenário internacional, que entre as ações propostas no projeto Beps (Base Erosion and Profit Shifting – Erosão de Base Tributária e Desvio de Lucros), apresentado pela Organização e Cooperação para o desenvolvimento Econômico-OCDE, em conjunto com o G-20, prevê a adoção da arbitragem em matéria tributária (Ação 14 BEPS), na resolução de disputas geradas nos acordos internacionais realizados para evitar a dupla tributação.
A disrupção de paradigmas, principalmente culturais, assume especial importância para o sucesso da implementação do instituto da arbitragem tributária, que tem grande potencial de atrair investidores estrangeiros, em um ambiente que possui formas mais vantajosas para soluções de conflitos e pendências fiscais.
Portanto, a arbitragem tributária on-line, em vez de se revelar como algo que colocaria em risco a integridade do crédito tributário, configura vetor de ampliação da segurança jurídica e realização da justiça fiscal, na medida em que asseguraria a resolução potencialmente mais eficaz do litígio, sem prejuízo da observância de todas as garantias do Estado Democrático de Direito, previstos na Constituição Federal, desmistificando o direito tributário e o próprio Poder Judiciário.
Valor Econômico – Por Dimas Siloé Tafelli e Talita F. Ritz Santana – 27 de fevereiro de 2020.