Engana-se quem pensa que a arbitragem tributária precisará seguir os moldes da arbitragem comercial, tal como já a conhecemos. O modelo lusitano – estudado por diversas universidades europeias, em razão do seu pioneirismo – não é elitista. Muito ao contrário: é bastante acessível, com custas de módicas a razoáveis, podendo contar com apenas um árbitro ou, quando em discussão valores superiores a 60.000,01 euros, com três árbitros.
Além de completamente digital, não há qualquer contato dos árbitros com as partes, havendo, claramente, um cuidado extremo e zeloso com a imparcialidade e a credibilidade do sistema.
A figura de um presidente de Conselho Deontológico, de estatura magna e de respeitabilidade honorífica incontestável é, pois, a face mais marcante e notadamente mais relevante para o sucesso do instituto.
Considerando o grave quadro fiscal brasileiro, notadamente dos Estados, tem-se um modelo exitoso a nos inspirar
Os árbitros, ao contrário do que se imagina, não dispõem de honorários exorbitantes, mas sim, aqueles fixados em lei, condizentes com o valor em discussão, aliás, previamente previstos e conhecidos por todos os envolvidos, especialmente, pelos próprios árbitros (vide Tabelas I e II do Regulamento de Custas do Centro de Arbitragem Administrativa – CAAD).
Assim, não existe o risco da figura do árbitro que se candidata, com finalidade meramente mercantilista, muito ao revés; a experiência de oito anos (desde 2011) revela que a honra e o status de fazer parte do CAAD é o ativo mais almejado por aqueles que se candidatam.
Outro receio não menos equivocado é o de que se estará, obrigatoriamente, substituindo a esfera administrativa. Esse tem sido um de muitos erros frequentemente suscitados, pois há, inegavelmente, uma má compreensão do instituto, que, repise-se, é pura e simplesmente alternativo ao sistema vigente.
O contribuinte, por sua vez, dentro da sua autonomia da vontade e liberdade, poderá escolher uma de três vias: a arbitragem, renunciando conscientemente às demais, ou preferindo, as opções ordinárias: via administrativa ou judicial. Há uma coexistência harmônica.
Por fim, o mito da indisponibilidade do crédito tributário. A miríade de legislações ordinárias aprovadas, que criaram toda a sorte de programas especiais de pagamentos de tributos, contando com elevada renúncia de receitas (descontos), e, pois, inegável ofensa aos ditames da Lei de Responsabilidade Fiscal, na prática, demonstra que já convivemos há muito, com a disposição do crédito tributário, desde que feito por meio de lei formal.
Fato é que o crédito tributário, por previsão legal, pode sofrer disposição, como há muito já se faz, sem maiores objeções (anistias, remissões etc), muito embora, na resolução via arbitragem não haja disposição alguma do crédito tributário.
O procedimento alternativo para revisão de lançamentos, sequer pode ofender a “indisponibilidade” do crédito, pois, basicamente, se trata apenas de mera via alternativa ao exame e revisão dos lançamentos. Tão somente.
Àqueles que desejam celeridade, poderão certamente resolver suas pendências fiscais, com extrema rapidez, aliás, como já ocorre em terras lusitanas, com a incrível média de resolução dos litígios, pela arbitragem, em quatro meses e 22 dias (uma vez instaurado o tribunal arbitral).
Esse modelo respeita, portanto, o bom contribuinte, justamente aquele que confiante na lisura de seus procedimentos e na correta interpretação das normas, igualmente disposto a ofertar uma garantia idônea, deseja uma solução célere e segura, ainda que de reconhecida complexidade do objeto da discussão. Esse modelo lhe franqueia um método ágil, que goza de extrema segurança, mormente pela especialidade da formação e expertise dos árbitros, características que, nem todos os demais métodos vigentes oferecem.
Ademais, os “efeitos colaterais” do modelo são bastante interessantes: (i) maior rapidez na obtenção dos créditos, quando as decisões arbitrais ratificam os lançamentos; (ii) menor índice de perda de créditos por prescrição; e (iii) melhora da própria atividade da administração tributária, que se vê na contingência de (a) precisar lançar bem, e cada vez melhor; (b) além de se adequar, igualmente, à jurisprudência dos tribunais arbitrais, cujas decisões são bem céleres.
Destaque-se, por fim, o emblemático caso Ascendi, quando então o CAAD contou com um reconhecimento explícito da sua relevância, como Corte de Justiça, por parte do Tribunal de Justiça da União Europeia, quando julgou um reenvio prejudicial.
Como bem salientou o presidente do CAAD, a tempestade perfeita iluminou os legisladores portugueses a buscarem um modelo diferente para solucionar o grave problema do ultra congestionamento do Poder Judiciário.
Assim, que os bons ventos d’além mar nos bafejem, e, quem sabe, ao menos a sombra brilhante de Pessoa e Camões não acabem iluminando também os responsáveis por aqui, a ousarem por mudanças estruturais e efetivas no nosso sistema tributário. Considerando o grave quadro fiscal brasileiro, notadamente dos Estados, tem-se um modelo exitoso a nos inspirar, que certamente fará muito bem ao nosso ambiente institucional-empresarial.
Por Gustavo Brechbühler
Gustavo Brechbühler é advogado no escritório Mannheimer, Perez e Lyra Advogados
Fonte : Valor-08/04/2019