Imposto é cobrado sobre royalties, taxa que mais da metade das franquias suspendeu ou parcelou durante a pandemia. ABF vê erro na decisão e recorre.
Nas últimas semanas, as prefeituras de São Paulo e Rio de Janeiro começaram a cobrança de Imposto Sobre Serviços (ISS) de empresas franqueadoras. A ação tem como base a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no fim de maio, que entendeu que os royalties, valor recebido pelo uso da marca e serviços prestados pelas empresas aos franqueados, como assessoria, consultoria e treinamento, são passíveis de tributação.
Esse assunto já era discutido havia anos, e as marcas ganhavam na justiça o direito de não ser cobradas, exatamente pelo impasse jurídico. Em 2002, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) chegou a decidir favoravelmente ao setor de franquias.
A taxa cobrada varia entre 2% e 5% do faturamento bruto da franqueadora e, conforme explica o advogado especializado em franchising Gabriel Villarreal, a interpretação do STF permite que todos os pagamentos que foram postergados nos últimos anos, com base em decisões judiciais, possam ser cobrados retroativamente, com juros e multas. “A decisão do STF surpreendeu o mercado e foi na contramão de um histórico de decisões favoráveis às empresas franqueadoras”, diz.
Entenda
De acordo com a advogada especializada em direito empresarial, varejo e franchising Thaís Kurita, para embasar a decisão, o relator, ministro Gilmar Mendes, equiparou a atividade de franquia a prestadores de serviço como planos de saúde e leasing financeiro.
Os únicos que votaram contrários à cobrança foram os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio, que classificaram a incidência de ISS sobre royalties em franquias como inconstitucional. “Os royalties são a remuneração pelo direito de uso de marca. O franqueador não presta o mesmo suporte a quem não pertence a sua rede, que não usa sua bandeira. Ele não é um prestador de serviços, o suporte oferecido ao franqueado é necessário para que a rede mantenha suas características”, afirma Thaís.
Setor pediu explicações sobre decisão
De acordo com o diretor jurídico da Associação Brasileira de Franchising (ABF), Fernando Tardioli, a decisão partiu da premissa de que todas as redes de franquia, contratualmente, prestam serviços, o que não seria verdade. Amparados nisso, a entidade enviou um Embargo de Declaração, para que a corte esclareça esse ponto. “Se for superada, também pedimos a modulação dos efeitos da decisão. Significa fazer que o STF faça efeitos de agora em diante. Se conseguirmos isso, não existirá passivo”, explica.
De acordo com Tardioli, há dois pontos a serem considerados ainda pelo STF: a quebra da jurisprudência até então vigente e o impacto social da decisão. “Estamos no meio de uma pandemia, com uma decisão dessa dimensão. O recolhimento de valores retroativos pode inviabilizar uma série de operações de franquia.”
O empreendedor Antonio Viegas, dono da rede Moldura Minuto, diz que se preparou com recursos para uma eventual decisão desfavorável do STF, mas está preocupado se houver correção de juros e multa de três anos acumulados. “A notícia é ruim em um momento péssimo. Estamos lutando por sobrevivência e ainda aparece esse tributo para pagar.”
Por conta da pandemia do novo coronavírus, Viegas suspendeu o pagamento de royalties dos franqueados, assim como mais da metade das redes, de acordo com a ABF. Ele acredita que a cobrança do imposto nesse momento possa, inclusive, afetar os planos de expansão e abertura de novas lojas da marca.
Villarreal diz que, se os novos custos forem mantidos, poderão impactar diretamente os valores de investimento inicial das franquias para novos empreendedores. Nos últimos anos, a tendência tem sido justamente de diminuição do aporte inicial, dado o cenário econômico do país. “Um movimento possível e até esperado é que o custo seja repassado ao franqueado mediante aumento de taxas”, comenta.
O que fazer
De acordo com Villarreal, as franqueadoras devem se preparar para um cenário de cobrança, em breve, do tributo. Para isso, devem auditar o histórico da empresa para calcular qual é o passivo em relação ao ISS. “Empresas que possuam liquidez podem realizar o pagamento antes da revogação das decisões judiciais, evitando com isso a incidência de encargos moratórios. Para empresas que não possuam condições de pagamento à vista, o recomendável é buscar alguma opção de parcelamento dos valores.”
Ele ainda diz que há a hipótese de se fazer uma gestão desse passivo, ao longo do tempo, e aguardar parcelamentos que incentivem a redução de multas, juros e encargos para pagamentos de dívidas com mais de dez anos.
O diretor da ABF, no entanto, recomenda esperar. Tardioli diz que o julgamento ainda não está concluído e, por essa razão, as franqueadoras não devem ser alvo de cobrança e podem recorrer até que o STF tenha a decisão final.
FONTE: Revista PEGN – Por Paulo Gratão – 26 de junho de 2020.