Com a conclusão pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) do recurso repetitivo que avaliou o conceito de insumo para fins de creditamento da não cumulatividade da contribuição ao PIS e da Cofins, onde restou assentado que “este deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item, bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”, ponderou-se por muitos que a celeuma criada há 15 anos pelo artigo 3º, II, das Leis 10.637 e 10.833 estaria dirimida, em face da definição dos predicados a serem considerados para avaliação dos insumos passíveis de aproveitamento.
Não se pode negar que o julgamento realizado deu um grande passo do ponto de vista conceitual para apaziguar um dos contenciosos mais tormentosos das últimas décadas, mas a solução dada não alcançou de forma contundente e incontroversa os anseios dos segmentos afetados pela não cumulatividade das contribuições incidentes sobre a receita bruta.
Os critérios definidos pelo STJ certamente passarão a ser mais arguidos de forma mais contundente pelos segmentos da indústria e da prestação de serviço, seja para a tomada de créditos, seja para a defesa de eventuais autuações, mas certamente persistirá o embate entre Fisco e contribuintes sobre a caracterização da essencialidade ou relevância à luz da atividade econômica realizada. Em outras palavras, a discussão, que até então era conceitual, passará a ser casuística.
Os gastos das empresas comerciais também devem ser enquadrados no conceito adotado pelo Carf e STJ
Ademais, a decisão proferida pelo tribunal superior não teceu qualquer consideração sobre a viabilidade da aplicação do conceito de insumos para a atividade comercial (revenda de bens), persistindo inalterado o cenário que tem levado a Receita Federal a perpetrar cobranças de vultosos montantes de PIS e Cofins de atacadistas e varejistas, por meio das glosas de créditos por estes constituídos sobre diversos dispêndios, como os gastos com taxas cobradas por administradoras de cartão, despesas com propaganda e publicidade, entre outros.
Cumpre destacar que no tribunal administrativo – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) -, o conceito de insumo para PIS/Cofins agora consolidado no STJ já se encontrava praticamente arraigado, sendo cada vez mais aplicado a autuações lavradas contra contribuintes industriais ou prestadores de serviços.
Já para cobranças atinentes à mesma temática envolvendo empresas do varejo, apesar dos acalorados debates, havendo, inclusive, declarações de votos favoráveis a tomada de créditos, o fato é que neste tribunal vem se consolidando a linha de que o legislador ordinário não contemplou a aplicação do termo insumo para o comércio, podendo-se citar como exemplo decisão proferida em janeiro de 2017 pela Câmara Superior da 3ª Seção (Acórdão 9303-004.608), em caso envolvendo um dos maiores varejistas do país.
É evidente que as empresas comerciais também possuem gastos imprescindíveis à geração de receitas – fato gerador do PIS e da Cofins -, que devem ser enquadrados no conceito de insumo atualmente adotado pelo Carf e STJ.
Obstar a tomada de créditos, meramente por não atuar como industrial ou prestador de serviços, é desprezar a não cumulatividade aplicável a essas contribuições, prevista no artigo 195, parágrafo 12º, da Constituição Federal, dando tratamento adverso e desvantajoso a esse setor da economia.
Aceitar o tratamento favorecido aos setores industrial e de serviços outorgado pela legislação ordinária é totalmente descabido, uma vez que a Constituição Federal atribuiu ao legislador ordinário apenas a indicação das atividades econômicas submetidas ao regime não cumulativo, não autorizando a imposição de qualquer limitação.
Se houvesse a intenção de não autorizar o desconto de créditos das empresas comerciais em relação aos gastos essenciais para a consecução de suas atividades, por que incluí-las no regime não cumulativo?
Quando se analisa o tratamento tributário dado ao setor comercial e industrial no âmbito de outros tributos, não se pode negar a equiparação entre estes segmentos, haja vista, por exemplo, os percentuais de presunção de base de cálculo para o Imposto de Renda (IRPJ) e a CSLL no lucro presumido atribuídos de forma idêntica às atividades industriais e comerciais.
Conclui-se, portanto, que os custos essenciais e relevantes ao desenvolvimento do objeto social das empresas comerciais devem ser considerados como insumos creditáveis e, como resultado, gerar créditos da não cumulatividade das contribuições em comento, sob pena de afronta direta ao princípio da isonomia tributária.
Na medida em que a administração fazendária e seus órgãos de julgamento têm refutado veementemente a aplicação do conceito de insumos ao comércio, por entender pela impossibilidade de uma interpretação integrativa e sistêmica, cabe ao Poder Judiciário realizá-la dentro de sua esfera de competência, evitando tal descalabro que atenta contra direito inegável a segmento tão representativo da economia brasileira.
Por Alessandro B. Borges e Larissa Taveira
Alessandro Barreto Borges e Larissa Taveira são, respectivamente, especialista tributário e sócio do Benício Advogados e especialista tributária e advogada do Benício Advogados
Fonte : Valor- 09/04/2018