Não raro, o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo profere decisões contrárias a orientações jurisprudenciais consolidadas.
Esta semana foi publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo o Projeto de Lei (PL) 367/2020, que pretende modificar algumas regras do processo administrativo tributário do Estado e, assim, a redação atual da Lei nº 13.457/2020.
A alteração é motivada pela necessidade de adequar legislação paulista à redação do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), assegurando maior celeridade e eficiência ao processo administrativo tributário. Como já destaquei nesta coluna em outra oportunidade, há previsões na Lei nº 13.457/2020 que ofendem princípios constitucionais básicos – o valor de alçada mínimo de 20 mil UFESPs (cerca de R$ 550 mil) é exemplar nesse sentido.
Animado por esse espírito, o PL concentra as mudanças em algumas frentes e o objetivo deste texto é destacar algumas delas.
Em primeiro lugar, o PL prevê a contagem de prazos processuais em dias úteis e a previsão de recesso, com a paralisação das sessões de julgamento. Tais determinações estão previstas no CPC/2015 e sua aplicação ao processo administrativo, além de conferir maior uniformidade legislativa, atende à demanda antiga da advocacia: é justo que profissionais que se dedicam à defesa dos contribuintes na esfera administrativa também gozem de justo período de descanso.
Ao lado disso, deve-se destacar as alterações propostas aos artigos 28, 45 e 52 da Lei nº 13.457/2009, de modo a adequar tais dispositivos ao sistema de precedentes inaugurado pelo CPC/2015 e mais notadamente ao artigo 927 do código. Como é sabido, tal dispositivo indica as decisões judiciais cuja observância é obrigatória pelos magistrados. Trata-se de assegurar a estabilidade e uniformização da jurisprudência e, assim, a repetição de demandas em que a solução jurídica já está dada.
A necessidade de observância dessas mesmas decisões no processo administrativo tributário estadual é evidente. Não raro, o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo profere decisões contrárias a orientações jurisprudenciais consolidadas. O resultado não poderia ser pior para as contas públicas: os contribuintes recorrem ao Poder Judiciário, saem-se vencedores e impõem à administração o pagamento de sucumbência, além do custo envolvido na própria manutenção do processo judicial.
Sobre isso, vale uma consideração adicional: a legislação atual prevê apenas o dever de o tribunal observar as decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade ou aquelas em que a inconstitucionalidade tenha sido reconhecida em controle difuso, com suspensão da eficácia da norma pelo Senado. Não contempla, portanto, decisões proferidas em recursos repetitivos, cujos efeitos extrapolam as partes do processo e firmam a orientação dos tribunais superiores, nem sequer súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal.
Reforce-se que tais decisões não são mera interpretação que pode ou não ser seguida: trata-se de normas cuja observância é obrigatória pelos magistrados, em razão da cultura de precedentes inaugurada pelo código. Deixar os tribunais administrativos a salvo desse sistema revela profunda ineficácia, além de perpetrar insegurança jurídica.
Ao lado dessas duas questões, gostaria de destacar uma terceira, que acertadamente está prevista no PL 367/2020: a extinção do valor de alçada para recursos ao Tribunal de Impostos e Taxas. Nos termos da redação atual do artigo 46 da Lei nº 13.457/2009, apenas poderão recorrer ao tribunal os débitos que superem o valor de 20 mil UFESPs. O dispositivo limita o acesso ao duplo grau na esfera administrativa, em nítida ofensa ao artigo 5º, inciso LV da Constituição e à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade nº 1946, firmou entendimento quanto à extensão da garantia do duplo grau aos processos administrativos.
Por fim, dentre outras alterações, o PL ainda prevê a possibilidade de recurso contra decisão que negar seguimento, total ou parcial, a recurso especial, extinguindo a irrecorribilidade dessas decisões, além de estabelecer modificações pontuais à lei, como a alteração do artigo 32, parágrafo 4º, conferindo ao contribuinte vencido na esfera administrativa o direito de se valer de depósito administrativo eventualmente realizado como garantia no âmbito judicial, entre outras.
O PL foi resultado de um grupo de trabalho formado pelo deputado estadual Sérgio Victor e contou com a participação de membros da sociedade civil, academia e advocacia – esta autora inclusive. As mudanças propostas são relevantes e oportunas e merecem ser discutidas com profundidade no âmbito do Poder Legislativo.
Por Tathiane Piscitelli. Mestre e Doutora em Direito pela USP. Professora de direito tributário e finanças públicas da FGV- SP.
Fonte: Valor Econômico – 29 de maio de 2020