No dia 8 de abril foi encerrado o julgamento do RE 630898 (Tema nº 495 de Repercussão Geral). O STF, por maioria de votos, negou provimento ao recurso e fixou a seguinte tese: “É constitucional a contribuição de intervenção no domínio econômico destinada ao Incra devida pelas empresas urbanas e rurais, inclusive após o advento da EC nº 33/2001”.
Isso significa que a conclusão do tribunal seguiu o entendimento fixado no RE 603624 (Sebrae), também julgado recentemente sob o rito da repercussão geral e já transitado em julgado. Entendeu — nos dois casos, entre outros fundamentos — que o artigo 149, §2º, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal não seria taxativo. Ocorre que, conforme mencionado no próprio voto do ministro relator, no passado o STF, também sob o rito da repercussão geral, havia decidido que o mesmo artigo 149, §2º, inciso III, alínea “a”, seria, sim, taxativo (RE 559937). Naquela ocasião julgou-se o PIS/Pasep-Importação e a Cofins-Importação.
A então ministra Ellen Gracie afirmou naquele julgamento que “com o advento da EC 33/01, contudo, a enunciação das bases econômicas a serem tributadas passou a figurar como critério quase que onipresente nas normas de competência relativas a contribuições. Isso porque o § 2º, III, do artigo 149 fez com que a possibilidade de instituição de quaisquer contribuições sociais ou interventivas ficasse circunscrita a determinadas bases ou materialidades, fazendo com que o legislador tenha um campo menor de discricionariedade na eleição do fato gerador e da base de cálculo de tais tributos. (…) Não seria razoável, ainda, interpretar a referência às bases econômicas como meras sugestões de tributação, porquanto não cabe à Constituição sugerir, mas outorgar competências e traçar os seus limites”.
O ministro Dias Toffoli afirmou que “ao analisar o comando constitucional, não vejo como interpretar as bases econômicas ali mencionadas como meros pontos de partida para a tributação, porquanto a Constituição, ao outorgar competências tributárias, o faz delineando os seus limites”. E, da mesma forma, o ministro Ricardo Lewandowski, ainda mais assertivo, concluiu: “Senhor Presidente, da mesma forma, eu acompanho a eminente Relatora e, agora, o profundo voto apresentado pelo ministro Dias Toffoli, observando que o rol do artigo 149, inciso III, alínea ‘a’, é um rol taxativo, ele estabelece as bases econômicas sobre as quais podem incidir as alíquotas desse imposto”.
Por conta disso, tanto no RE 603624 (Sebrae), já transitado em julgado, quanto no RE 630898 (Incra), seria prudente e coerente a modulação de efeitos do entendimento desfavorável ao contribuinte, de modo que a constitucionalidade tenha validade somente para o futuro, justamente porque, até então, o entendimento prevalecente no STF era o externado no RE 559937. Até porque, como dito, tanto no voto da ministra Rosa Weber no RE 603624 quanto no voto do ministro Dias Toffoli no RE 630898 abordou-se o julgamento do RE 559937, ainda que para justificar a suposta diferenciação entre os casos, o que facilitaria a demonstração dessa mudança abrupta do entendimento do STF em repercussão geral.
Em que pese ter o STF levado em conta nos julgamentos mais recentes a teleologia das contribuições e argumentos extrafiscais — especialmente no RE 603624 —, o que aqui se coloca é a necessidade de modulação de efeitos, e não juízos de valor sobre o que buscou a corte proteger. Em razão disso, se faz necessária a modulação de efeitos no RE 630898 (Incra), utilizando-se do argumento de que o STF tinha entendimento em repercussão geral no sentido de que o artigo 149, §2º, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal seria, sim, taxativo, o que levaria ao reconhecimento da constitucionalidade da incidência do Incra sobre a folha de salários após o advento da Emenda Constitucional nº 33/2001 somente para o futuro, de modo que contribuintes com ação judicial teriam o direito de recuperar o passado e contribuintes que não tributaram tais valores e não possuem ação judicial não seriam autuados. Em outras palavras, sendo evidente a alteração do entendimento do STF, o novo posicionamento deveria valer somente para o futuro, pois, ainda que o tributo fosse outro na análise anterior (RE 559937), interpretou-se o mesmo dispositivo constitucional.
Tudo isso tem fundamento no artigo 927, §3º, do Código de Processo Civil, que permite a modulação de efeitos para garantir a segurança jurídica quando houver alteração de jurisprudência. É o mesmo raciocínio a ser aplicado no RE 1072485, que trata do terço de férias, cujo entendimento era favorável ao contribuinte no STJ em recurso repetitivo e o STF, ao julgar o tema em repercussão geral, passou a entender de forma contrária ao contribuinte.
Por outro lado, essa lógica não se aplica, por exemplo, para casos em que o STF reitera a sua jurisprudência favorável ao contribuinte, como ocorre, por exemplo, no RE 574706, que discute a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins.
Por fim, essa alteração de entendimento em recursos com repercussão geral não contribui para a desejada estabilidade das relações jurídicas, especialmente quando há interpretações divergentes de um mesmo dispositivo constitucional que não gera dúvidas interpretativas, colocando em risco o próprio instituto da repercussão geral, cuja finalidade é justamente uniformizar a jurisprudência.
Por Marcio Abbondanza Morad
Marcio Abbondanza Morad é sócio da RVC Advocacia e Consultoria Tributária e Empresarial.
Revista Consultor Jurídico, 6 de maio de 2021.
https://www.conjur.com.br/2021-mai-06/morad-alteracao-jurisprudencia-dominante-stf